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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO B

Final -  Comentário ao EVANGELHO DO 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO B

TOMOU-O À PARTE”
Recolhimento
Certas enfermidades, sobretudo as mais graves, exigem tratamento hospitalar. De maneira análoga, assim também se passa com o processo de cura dos portadores de alguns vícios espirituais, ou seja, é necessário afastá-los da multidão, retirá-los do bulício e da agitação. O esfriamento de nossa vida de oração, o abandono da prática da religião vão dando rédeas soltas às nossas paixões desregradas, os maus hábitos invadem nossa inteligência e nossa vontade, a Lei de Deus acaba por tornar-se cada vez mais pesada, e, por fim, terminamos sendo surdos de Deus, e mudos para sua glória. Será útil, e talvez até indispensável, nessas circunstâncias, tomar distância, recolher-se de alguma forma, para entregar-se nas mãos de Jesus e ser por Ele miraculado.
O INDISPENSÁVEL PAPEL DOS SÍMBOLOS E DAS CERIMÔNIAS
Ensina-nos o Catecismo da Igreja Católica :”Na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar importante. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e símbolos materiais. Como ser social, o homem precisa de sinais para se comunicar com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus.” (nº 1146)
Jesus colocou seus divinos dedos nos ouvidos do surdo para fortalecer a fé do enfermo e tornar patente o quanto era Ele o Autor da cura, como se lhe dissesse: “Nestes teus dois órgãos auditivos se encontra teu mal. Eu vou te curar!”
Usa de sua saliva divina para tocar a língua do mudo, fazendo-o participar de sua própria saúde e ordenação físicas. E com o império de Criador, pronuncia a palavra eficaz: “Abre-te”!
Assim procedendo, Jesus nos demonstra o quanto ama os símbolos, pois poderia ter realizado esse milagre por uma simples determinação de sua vontade, sem nenhum sinal exterior. Aqui compreendemos bem a solidez e penetração do ensino acompanhado das cerimônias e o quanto não é de bom alvitre simplificá-las e, menos ainda, eliminá-las.
A PERFEIÇÃO DESPERTA ADMIRAÇÃO
Jesus mandou guardar silêncio a respeito dessa maravilha por Ele operada, pois deslocava-se de maneira discreta, não desejando chamar a atenção de ninguém. Entretanto, deu-se exatamente o contrário. Jesus tornou-se admirado pelo fato de externar a perfeição em tudo o que fazia. Eis uma grande lição para os dias atuais. Aqui está a fórmula infalível para os homens que deliram em busca de admiração: fazer bem todas as coisas.
APLICAÇÃO
Os grandes pregadores de outrora, ao comentar este trecho do Evangelho, com frequência faziam uma aproximação entre as enfermidades físicas e as espirituais, convidando os fiéis de forma veemente à conversão.
Santo Agostinho se destaca entre todos, usando ao longo de suas obras, muitas vezes, a expressão “Surdos para ouvir a verdade e mudos para glorificar a Deus”.
A metáfora é ainda mais aplicável ao nosso mundo hodierno. Uma grande maioria das pessoas tem, na atualidade, os ouvidos abertos e sensíveis a quase tudo o que não seja de Deus: imoralidades, blasfêmias, ateísmo, escândalos, etc.; e muitas vezes fechados ou endurecidos para os avisos, exemplos e conselhos rumo à santidade. E o que pensar do uso da língua neste milênio? Não poucas vezes consiste em proferir pecados, iniqüidades, blasfêmias, difamações, calúnias, mentiras, etc., quando na realidade recebemos de Deus o dom da fala para proclamar sua grandeza, honra e glória!
A humanidade se encontra mais surda e mais muda do que todos os estropiados de fala e audição existentes nos dias da vida pública de Nosso Senhor. Quão necessária é a intercessão de Maria para obter de Jesus o retorno da audição e da expressividade dos áureos tempos da História, nos quais os homens cantavam as glórias de Deus não só pelas palavras, gestos e atitudes, mas também através de melodias e de todas as artes!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO B

Continuação

O surdo de Deus
Ouvir a voz de Deus é tomar a atitude de Samuel: “Falai, Senhor; vosso servo escuta!” (11), ou a de São Paulo no caminho de Damasco (12), ou a de tantos outros. Em sentido oposto, o pecador, devido à zoeira de suas paixões, acaba por tornar-se surdo aos apelos de Deus, chegando até mesmo a esquecer-se das mensagens sobrenaturais recebidas no passado. A surdez simboliza toda a insensibilidade da alma no seu relacionamento com o Criador.
Inúmeros são os meios pelos quais Deus procura entrar em contato conosco. Antes de tudo pela própria ordem da criação visível (13); em seguida, através dos fatos palpáveis e tangíveis produzidos pela providência natural e sobrenatural, sobre os quais o Livro da Sabedoria nos ensina maravilhosamente (14). Deus fala aos homens através do Magistério infalível da Santa Igreja, como também por toques sensíveis da graça, e até mesmo pela voz da consciência. A Sabedoria, segundo declara a Escritura, “antecipa-se aos que a desejam. Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta.” (15) Ou seja, Deus está continuamente nos chamando para participarmos de sua glória e felicidade eternas.
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz, — disse Jesus —e Eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; elas jamais hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão” (16). Eis o sinal inconfundível para se saber quem é de Deus e quem não o é: “Quem é de Deus ouve as palavras de Deus” (17), disse Nosso Senhor, depois de ter afirmado serem os fariseus, filhos do demônio (18). É mais sensível a Deus quem O ama intensamente, tal como encontramos em São João: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra” (19).
Infelizmente, a surdez espiritual é muito mais generalizada hoje em dia do que em outras épocas históricas. Inclusive entre os próprios batizados. Um incontável número de almas tem os ouvidos endurecidos à palavra de Deus, quer seja por falta de formação, quer pela pobreza da oração. Quantos são os ateus práticos que nunca rezam! Entretanto, para receber alguma comunicação oriunda da eternidade, basta colocar-se em estado de contemplação. Quem assim não procede, dificilmente discernirá, em meio à zoeira e às aflições do mundo moderno, a voz da graça. E é preciso não esquecermos o conselho da Escritura: “Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais vossos corações” (20)
O mutismo espiritual
Ser mudo na ordem do espírito, segundo a Patrologia, consiste no silêncio de quem teria obrigação de glorificar a Deus. Terrível é este mal — e quase sempre consequência do anterior — pois, ainda que não tivéssemos sido elevados à ordem sobrenatural, pelo simples fato de sermos criaturas de Deus, teríamos o dever de reportar a Ele toda honra e glória, tal qual nos diz Davi: “Os céus publicam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (21).
Porém nós, enquanto batizados, somos filhos de Deus, e não meras criaturas, e por isso compete-nos o encargo de dar público testemunho da grandeza de nossa religião e de Cristo Jesus em especial, pois tem Ele o direito de ver seu esplendor manifestado diariamente. É este um dos meios fundamentais para atrair aqueles que ainda não O conhecem e afervorar os que já abraçaram suas vias.
Esta obrigação é tão grave que se tivéssemos de escolher entre morrer ou renegar a Cristo, seria indispensável optar pelo martírio. Por que somos nós tão valentes em defender nossos interesses pessoais e tão covardes em relação aos de Deus? “Onde está teu tesouro, aí está teu coração” (22), esta é a principal razão do mutismo de espírito, ou seja, a falta do amor a Deus. “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou há de afeiçoar-se a um e desprezar o outro” (23). Se nosso amor a Jesus por meio de Maria for pleníssimo a ponto de substituir nosso egoísmo, jamais seremos mudos para glorificá-Lo.

Os comentários ao evangelho Mc 7, 31-37 continuam no próximo post.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Evangelho 23º Domingo do Tempo comum Ano B - Mc 7, 31-37

Continuação

 “Apresentaram-Lhe…”
O apostolado leigo
Se o tal surdo-mudo não tivesse sido levado por outros para junto de Jesus, provavelmente não teria recuperado a fala e a audição. É comovedor encontrar no Evangelho — e com frequência — menção à solicitude do povo judeu para com os necessitados, às vezes incapazes de se locomoverem por suas próprias forças. Chegavam a introduzi-los pelo telhado, ao interior da casa onde estava Jesus (6); ou lançavam aos seus divinos pés grande quantidade de coxos, cegos, mudos, estropiados, etc. (7); ou, em casos extremos, os conduziam em macas e os colocavam nas praças para que pudessem tocar nas vestimentas do Messias, pois assim se curariam (8). Se não tivesse havido esse apostolado colateral, Jesus não teria operado aqueles milagres...
O Senhor quer o apostolado exercido pela Hierarquia e foi assim constituída sua Igreja. Mas, não só aprova como até mesmo deseja que os movimentos leigos atuem em colaboração com a autoridade eclesiástica. Não eram os Apóstolos e nem sequer os discípulos os instrumentos utilizados para levar os necessitados até Jesus. Nesse episódio transparece o verdadeiro papel dos movimentos leigos que nosso atual Papa tanto faz para estruturar, proteger e promover, e dos quais chegou a afirmar serem “a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio do final de milênio” (9).
Nós, os leigos, jamais devemos nos esquecer da essência, da força e do objetivo de nosso apostolado: conduzir todos a se aproximarem de Jesus, para tocá-Lo ou pelo menos vê-Lo. Ele é Quem dá o crescimento “De modo que não é nada, nem aquele que planta, nem aquele que rega, mas Deus que dá o crescimento” (10). Será estéril todo apostolado que não levar os demais a terem um contato com Jesus, pois é somente d’Ele que procede a virtude saneadora e salvadora. Por essa razão, nosso labor apostólico será eficaz se levarmos para a vida sacramental quantos a Providência coloque em nosso caminho. Essa altíssima tarefa pode ser exercida através da oração, da palavra, do exemplo e da ação direta.
E o melhor meio para isso é fazer tudo através de Nossa Senhora, segundo nos ensinam a Igreja e tantos santos, em especial, São Luís Maria Grignion de Montfort.
“UM SURDO-MUDO”
Percebe-se, pela narração, tratar-se de uma enfermidade contraída, e não congênita, pois, ao soltar-se a língua, passou a falar “perfeitamente”; portanto, aprendera a conversar desde a infância. Apesar de ser raro, esse trauma do impedimento da normal locução às vezes se estabelece nestes ou naqueles, constituindo um tormento para suas vítimas. Neste caso concreto do Evangelho, além do mais, o pobre homem era surdo e, segundo muitos exegetas, esses dois problemas tiveram uma só origem e surgiram concomitantes após uma infecção ou qualquer outra doença.
As Escrituras Sagradas possuem, além do sentido literal, incontáveis outros espirituais. Isso ocorre também neste milagre narrado por São Marcos. Enquanto fato concreto, ele representa um elemento a mais para fortalecer os fundamentos de nossa fé em Nosso Senhor. Mas, sob um prisma simbólico, conforme interpretam os Santos Padres, a surdez representa o endurecimento da alma que já não mais ouve a voz da graça, o chamado de Cristo; e a mudez, o esquecimento ou o relaxamento em louvar a Deus. Não poucas vezes, o próprio Salvador chegou a queixar-se dos judeus que, tendo uma audição normal, não ouviam.
O surdo de Deus
Ouvir a voz de Deus é tomar a atitude de Samuel: “Falai, Senhor; vosso servo escuta!” (11), ou a de São Paulo no caminho de Damasco (12), ou a de tantos outros. Em sentido oposto, o pecador, devido à zoeira de suas paixões, acaba por tornar-se surdo aos apelos de Deus, chegando até mesmo a esquecer-se das mensagens sobrenaturais recebidas no passado. A surdez simboliza toda a insensibilidade da alma no seu relacionamento com o Criador.
Inúmeros são os meios pelos quais Deus procura entrar em contato conosco. Antes de tudo pela própria ordem da criação visível (13); em seguida, através dos fatos palpáveis e tangíveis produzidos pela providência natural e sobrenatural, sobre os quais o Livro da Sabedoria nos ensina maravilhosamente (14). Deus fala aos homens através do Magistério infalível da Santa Igreja, como também por toques sensíveis da graça, e até mesmo pela voz da consciência. A Sabedoria, segundo declara a Escritura, “antecipa-se aos que a desejam. Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta.” (15) Ou seja, Deus está continuamente nos chamando para participarmos de sua glória e felicidade eternas.
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz, — disse Jesus —e Eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; elas jamais hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão” (16). Eis o sinal inconfundível para se saber quem é de Deus e quem não o é: “Quem é de Deus ouve as palavras de Deus” (17), disse Nosso Senhor, depois de ter afirmado serem os fariseus, filhos do demônio (18). É mais sensível a Deus quem O ama intensamente, tal como encontramos em São João: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra” (19).
Infelizmente, a surdez espiritual é muito mais generalizada hoje em dia do que em outras épocas históricas. Inclusive entre os próprios batizados. Um incontável número de almas tem os ouvidos endurecidos à palavra de Deus, quer seja por falta de formação, quer pela pobreza da oração. Quantos são os ateus práticos que nunca rezam! Entretanto, para receber alguma comunicação oriunda da eternidade, basta colocar-se em estado de contemplação. Quem assim não procede, dificilmente discernirá, em meio à zoeira e às aflições do mundo moderno, a voz da graça. E é preciso não esquecermos o conselho da Escritura: “Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais vossos corações” (20)

Continua no próximo post

6) Lc 5, 17-20
7) Mt 15, 30
8) Mc 6, 55-56
9) Discurso aos participantes do
Congresso Mundial dos Movimentos
Eclesiais, 27/5/1998
10) I Cor 3, 7
11) 1 Sm 3, 10
12) At 9, 6
13) Rom 1, 20
14) Cf. do cap. 10 em diante
15) Sb 6, 14
16) Jo 10, 27-28
17) Jo 8, 47
18) Cf. Jo 8, 44
19) Jo 14, 23
20) Hb 3, 7-8

terça-feira, 4 de setembro de 2012

COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO B

31Ele deixou de novo as fronteiras de Tiro e foi por Sidônia ao mar da Galiléia, no meio do território da Decápole. 32 Ora, apresentaram-lhe um surdo-mudo, rogando-lhe que lhe impusesse a mão. 33 Jesus tomou-o à parte dentre o povo, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e tocou-lhe a língua com saliva. 34 E levantou os olhos ao céu, deu um suspiro e disse-lhe: Éfeta!, que quer dizer abre-te! 35 No mesmo instante os ouvidos se lhe abriram, a prisão da língua se lhe desfez e ele falava perfeitamente. 36 Proibiu-lhes que o dissessem a alguém. Mas quanto mais lhes proibia, tanto mais o publicavam. 37 E tanto mais se admiravam, dizendo: Ele fez bem todas as coisas. Fez ouvir os surdos e falar os mudos! (Mc 7, 31-37)


OS PRESSUPOSTOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO TEXTO
Os textos sagrados, e em especial os Evangelhos, são riquíssimos em conteúdo e muito mais se prestam à meditação e aprofundamentos do que a uma leitura apressada.
Os versículos de São Marcos escolhidos para este 23º Domingo do Tempo Comum parecem constituir a simples narração de mais um dos inúmeros milagres de Jesus. Entretanto, as lições neles contidas são de molde a conduzir à santidade qualquer um que se aplique a entendê-las, amá-las e vivê-las com perfeição.
1. A narração de São Marcos
O episódio narrado no Evangelho se verifica em terras pagãs, pois a sanha dos fariseus, além da maldade persecutória de Herodes, assassino de João Batista, tinham levado Jesus a pôr-se fora da jurisdição deste e longe do alcance daqueles. Havia Nosso Senhor abandonado os confins de Tiro e dirigia-se ao mar da Galileia, através de Sidônia. Assim, evitou criar um centro determinado para suas pregações e chegou até mesmo a espaçá-las. Mas a fama de seus milagres tornava-Lhe impossível passar desapercebido, pois o coração de Jesus, todo feito de misericórdia, não resistia a qualquer enfermo que se Lhe apresentasse, atraindo a cada passo a multidão que se acotovelava para assistir às curas por Ele operadas e ouvir suas palavras de vida eterna.
O fato em questão é narrado exclusivamente por São Marcos, e se harmoniza de maneira sapiencial com todo o resto das palavras utilizadas ao longo da liturgia deste domingo.
2. As leituras próprias para este dia
No universo, encontramos reflexos de Deus esparsos até nas mais insignificantes das criaturas mas, em Jesus, deparamo-nos com a própria divindade em sua substância. Tudo n’Ele tem uma multiplicidade de significados levada ao infinito, que nos convida sempre a subir para analisar suas palavras, atitudes e até os gestos, através dos prismas mais elevados. Não foram escolhidas ao acaso as Leituras e o Salmo Responsorial da atual Celebração.
Isaías incita à fortaleza e à confiança total em Deus, enumerando alguns dos milagres que seriam operados como provas irrefutáveis da determinação de Deus em nos salvar (1). Nesses quatro versículos transparece o empenho do profeta em fazer-nos compreender os aspectos sobrenaturais dos milagres do Senhor.
Jesus cura os enfermos para dar prova de sua divindade, mas também para aliviá-los de suas dores, por compaixão dos que sofrem. Ademais, nos ensina o quanto as doenças, e seu poder de curá-las, são reflexos de uma realidade muito superior, a das relações dos homens com Deus e vice-versa. “O Senhor abre os olhos aos cegos; o Senhor faz erguer-se o caído; o senhor ama aquele que é justo”, diz o Salmo Responsorial deste domingo (2).
A segunda Leitura (3) prepara nosso espírito para a verdadeira impostação face ao conjunto das verdades contidas no texto litúrgico deste dia: “Não mistureis a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo glorificado com a acepção de pessoas” (4). Ou seja, nossa conduta durante a vida terrena deve ser pautada em função da glória eterna; estamos aqui de passagem e necessitamos habituar-nos aos conceitos de nossa verdadeira Pátria, o Céu. Por mais que a importância social e humana destes ou daqueles nos obriguem, por educação, a usarmos de equilibrada deferência, nosso verdadeiro amor e consideração ao próximo só serão perfeitos se praticados em função da virtude existente nos outros. É fundamental sermos “ricos na fé e herdeiros do Reino prometido àqueles que O amam” (5)
É do alto desse mirante da Fé que devemos analisar e assimilar as verdades e lições contidas no presente Evangelho.
Acompanhe os comentários deste 23º domingo do tempo comum - ano B nos próximos posts.


1) Is 35, 4-7
2) Sl 145, 10
3) Tg 2, 1-5
4) Tg 2, 1
5) Tg 2, 5

domingo, 2 de setembro de 2012

“Senhor, atende-me na tua justiça!”

As almas que amam fervorosamente a Deus, não raro se veêm opressas pela provação, a ponto de perderem a sensibilidade do amor que, por sua vez, Nosso Senhor tem por elas. Mais: afligem-nas a ideia de haver cometido graves ofensas contra seu Redentor. Tais justos sofrem uma paixão interior, a qual os faz expiar por aqueles que andam fora das vias de Deus. É esse o valioso ensinamento que se depreende do Salmo 142.
Salmo 142
Senhor, ouve a minha oração, presta ouvidos aos meus rogos, segundo a tua verdade; e atende-me na tua justiça.
E não entres em juízo com o teu servo, porque nenhum vivente será encontrado justo na tua presença.
Porque o inimigo perseguiu a minha alma; humilhou a minha vida até o chão.
Colocou-me em lugares obscuros, como a mortos de muito tempo. O meu espírito angustiou-se sobre mim; dentro de mim se turbou o meu coração.
Lembrei-me dos dias antigos, meditei em todas as tuas obras, meditei nas obras das tuas mãos.
Estendi as minhas mãos para Ti; a minha alma diante de Ti é como terra sequiosa.
Atende-me, Senhor, com presteza; o meu espírito desfaleceu.
Não apartes de mim a tua face, para que não seja semelhante aos que descem à cova.
Faz-me sentir desde manhã a tua misericórdia, porque em Ti tenho esperado.
Faz-me conhecer o caminho em que hei de andar, porque a Ti elevei a minha alma.
Livra-me dos meus inimigos, Senhor; junto de Ti me refugio. Ensina-me a fazer a tua vontade, porque Tu és o meu Deus.
O teu bom espírito me conduzirá à Terra da retidão. Por causa do teu nome, Senhor, me darás a vida segundo a tua justiça.
Tirarás a minha alma da tribulação, e pela tua misericórdia dissiparás todos os meus inimigos.
E destruirás todos os que atormentam a minha alma, porque eu sou teu servo.
Como os outros Salmos Penitenciais, este se inicia com uma súplica humilde, veemente, dirigida pelo Salmista a Deus . Porém, nota-se uma certa flexão na atitude do pecador: ele não fala apenas como faltoso, dependendo exclusivamente da misericórdia, mas também como homem reto que, segundo a justiça divina,  com o auxílio da graça, por sua penitência e virtude, pode esperar o Céu e a visão beatífica . Então diz:
Senhor, ouve a minha oração, presta ouvidos aos meus rogos, segundo a tua verdade; e atende-me na tua justiça.
Lembra, de alguma forma, as palavras de São Paulo,  as mais belas — exceção feita do consummatum est de Jesus no alto do Calvário — que uma pessoa tenha pronunciado antes de morrer: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé . Resta-me agora receber a glória da justiça”, etc . (cf . Tm 4, 7-8) . Quer dizer,  lutou… perseverou . . .
O refúgio em Deus
E não entres em juízo com o teu servo, porque nenhum vivente será encontrado justo na tua presença.
Ou seja, “pesai, Senhor, minhas faltas para verificar se  elas sobrepujam ou não minhas qualidades; porque diante de Vós nenhum vivente será encontrado justo”.
Há uma aparente contradição, pois o Salmista fala da  justiça, mas acrescenta: “nenhum vivente será encontrado justo”. Isso, entretanto, é perfeitamente compreensível. Ainda que o homem seja muito bom, se não o secundar o auxílio divino, a assistência da graça, ele sucumbirá às tentações. Tendo devoção, entregando-se a Deus, o Altíssimo penetra nele, tornando-o virtuoso. Então, o  Salmista invoca a justiça do Criador, quando Deus está  nele. Não estando, temos o que ele diz: “nenhum homem  é justo”. A meu ver, um pensamento inteiramente lógico.
Porque o inimigo perseguiu a minha alma; humilhou a minha vida até o chão.
Refere-se a um homem provado, que sofre as  tentações mais cruéis. Ele é humilhado, pois o demônio quer continuamente o mal para o homem,  algo que lhe seja vexatório ao extremo, etc . Donde o Salmista procurar o refúgio em Deus.
A angústia do pecado resseca a alma, como a morte ao cadáver
Colocou-me em lugares obscuros, como a mortos de muito tempo. O meu espírito angustiou-se sobre mim; dentro de mim se turbou o meu coração.
Quanta beleza nessas palavras!
Convém recordarmos como eram as sepulturas daquele tempo, em Israel. Diferentes das de certos cemitérios modernos, nos quais existem apenas cruzes indicando o lugar no solo onde os mortos são enterrados.  Na época do Salmista, as famílias de posse tinham propriedade  sobre  determinada  área  num  rochedo  e  ali  abriam cavidades para nelas depositarem os cadáveres.  O corpo do defunto era envolto em faixas de tecido fino, perfumado com fragrâncias especiais, etc. Exceto  Nosso Senhor Jesus Cristo — e raríssimas pessoas que  ao longo da História tenham ressuscitado — ninguém  sai desse rochedo invisível, porém muito mais duro que  todas as pedras: a morte. Somente no Juízo Final todos  ressuscitarão.
Quer, então, dizer o Salmista: “Devido às tentações,  na angústia do pecado, fiquei ressequido, imóvel, inutilizado, como o cadáver de uma pessoa morta há  muito tempo. 
. . . dentro de mim se turbou o meu coração.
Ou seja, o seu coração começou a pulsar descompassadamente. É um modo de significar que sua alma, pelo extremo de aflição que se abateu sobre  ela, achou-se profundamente perturbada, passando  a ter movimentos descontrolados.
Ardente anseio pelo amor divino
Lembrei-me dos dias antigos, meditei em todas as tuas obras, meditei nas obras das tuas mãos.
Provavelmente, ele se recordou dos dias de sua inocência.
Estendi as minhas mãos para Ti...
Trata-se, naturalmente, da atitude de quem reza. Não,  porém, com as mãos unidas,  mas estendidas, como um  mendigo que pede auxílio a alguém .
...a minha alma diante de Ti é como terra sequiosa.
Crivado de tentações, às vezes horríveis e açuladas pelo  demônio, o homem, sob a  ação da graça, se defende,  resiste  e  permanece fiel a Deus. Sobressai  nele,  então,  o  intenso anseio por se ver  atendido e amado por  Deus, como a terra seca deseja a água que vai  limpá-la, torná-la fecunda, risonha, etc.
Os inocentes sofrem pelos pecadores
Atende-me, Senhor, com presteza; o meu espírito desfaleceu.
Quer dizer, “sofri tanto, meu Deus, que meu espírito perdeu vigor. Tenho medo de, em breve, já não possuir  forças  para  continuar  a  lutar contra meus defeitos . Vinde logo em meu socorro!”
Às vezes o demônio consegue  persuadir  uma  pessoa  de  que  ela  pecou, embora se conserve inocente. Sobrevém-lhe então a tristeza, a sensação de abandono e  miséria  que  assalta  o  justo  quando  imagina ter ofendido a Deus. Isso lhe dilacera o coração, aflige-o sobremaneira.
Permitindo essa provação, deseja o Altíssimo que o  inocente sofra para fazer bem às almas dos pecadores.  Porque christianus alter Christus, o cristão é um outro  Cristo.
Em certo sentido, em cada um de nós deve haver “copiosa redenção” (cf . Sl 19, 7), isto é, a exemplo de Jesus precisamos estar dispostos a sofrer abundantemente pelos que não são bons e não amam a Deus, pelos tíbios, por aqueles que são chamados a uma sublime vocação mas não correspondem como deveriam, antes gostariam de obter do Criador um habeas corpus para se afundarem na vida pecaminosa.
Sejam as nossas, as vias de Deus
Não apartes de mim a tua face, para que não seja semelhante aos que descem à cova.
“Cova” aqui significa inferno. Se Deus afastar do homem sua face, este provavelmente cairá na “cova”. Porém, se o Senhor lhe dirigir o olhar, ele floresce, torna-se uma espécie de girassol que sempre procura fitar seu  Criador.
Faz-me sentir desde manhã a tua misericórdia, porque em Ti tenho esperado.
O justo, mormente nos períodos de consolação que  Nossa Senhora lhe alcança, desperta de manhã e tem impressão de que toda a natureza está glorificando a Deus  e para Este o conduz . Sente a presença dos anjos ao seu  redor, a alegria do dia que desponta, a feliz disposição  para fazer tudo quanto deve a serviço de Deus.
Tal acontece, não porque a pessoa é boa, mas por ter  confiado no Senhor. Ela rezou este Salmo, em espírito e  em verdade, entendeu e experimentou aquilo que recitava.
O Salmista, sentindo-se como um homem caindo na  cova, ou seja, no inferno, estava tão horrorizado com a  tentação que, em certas horas, não sabia se era ou não  amado  por  Deus. Num determinado momento pairou sobre ele a graça, e iniciou-se uma primavera para sua alma.
Faz-me conhecer o caminho em que hei de andar, porque a Ti elevei a minha alma.
Então, animado pelo dom celeste, ele no fundo suplica: “Ó, Senhor, quero conhecer as tuas vias, pois estas devem ser as minhas. Desejo apenas saber qual a tua vontade, a fim de que seja o objeto das minhas cogitações!”*  
(Continua no próximo post)

* Plinio Correa de Oliveira. Extraído de conferência.