-->

sábado, 19 de janeiro de 2013

COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO III DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO C 2013 Lc 1, 1-4; 4, 14-21


COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM  Lc 1, 1-4; 4, 14-21
 1Visto que muitos já empreenderam pôr em ordem a narração das coisas que entre nós se verificaram, 2 como no-las referiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e vieram a ser ministros da palavra, 3 pareceu-me também a mim, depois de ter investigado tudo cuidadosamente desde o princípio, escrever-te por ordem a sua narração, excelentíssimo Teófilo, 4 para que reconheças a firmeza dos ensinamentos que recebeste.
14Voltou Jesus, sob o impulso do Espírito, para a Galiléia, e a sua fama divulgou-se por toda a região circunvizinha. 15Ensinava nas suas sinagogas e era aclamado por todos. 16 Foi a Nazaré, onde se tinha criado, entrou na sinagoga, segundo o seu costume, em dia de sábado, e levantou-Se para fazer a leitura. 17Foi Lhe dado o livro do profeta Isaías. Quando desenrolou o livro, encontrou o lugar onde estava escrito: 18 ‘O Espírito do Senhor repousou sobre Mim; pelo que Me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres; 19 Me enviou para anunciar a redenção dos cativos, e a recuperação da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a pregar um ano de graça da parte do Senhor.’ 20 Tendo enrolado o livro, deu-o ao encarregado, e sentou-Se. Os olhos de todos os que se encontravam na sinagoga estavam fixos n’Ele. 21 Começou a dizer-lhes: ‘Hoje cumpriu-se esta passagem da Escritura que acabais de ouvir’. (Lc 1, 1-4; 4, 14-21).
  Jesus prega em Nazaré
Durante sua vida pública, Nosso Senhor serviu-se da palavra como essencial instrumento de apostolado. Hoje, vinte séculos depois, apesar dos numerosos avanços da ciência e da técnica, continua ela sendo eficiente e insubstituível meio de evangelização.
 SÃO LUCAS, EVANGELISTA E HISTORIADOR EXÍMIO
Queiram ou não os homens, em se tratando de Deus, jamais conseguirá o silêncio encobrir os acontecimentos ou a própria verdade; sobretudo quando Ele próprio deseja a divulgação de seus atos ou intervenções na História. Tal seria que, encarnando-se o Verbo para redimir o gênero humano, ficassem Ele e sua obra relegados ao esquecimento. Assim, apesar de Jesus não nos ter deixado uma só obra escrita, não houve homem algum que tenha sido objeto de tantos comentários, cuja biografia tenha sido tão conhecida e divulgada.
Desde o início de sua vida pública, as palavras, ações e milagres do Messias prometido e esperado convulsionaram o cenário político, social e religioso já bastante movimentado daqueles tempos. As multidões ansiavam e até pressentiam que algo novo e grandioso estava para realizar-se naqueles dias. Como sucedeu isto?
Antigo Testamento, Jesus e Igreja
Reconstituir o fio cronológico dos acontecimentos e, a partir daí, reestruturar ordenadamente as circunstâncias que cercaram a vida do Salvador, mesmo antes de seu nascimento como também depois de sua morte, tem sido uma tarefa de grande alcance e levada a cabo com êxito por numerosos autores, ao longo dos séculos. Mas, quem seria capaz de revelar as sábias e especialíssimas intervenções de Deus no curso da História, para criar o clima psicológico e preparar os espíritos com vistas à magna obra redentora? Quiçá somente no dia do Juízo possamos ter uma visão global e minuciosa desse mais belo agir da Providência.
Lucas, o médico querido” (Col 4, 14), sob esse ponto de vista, foi o escritor sagrado mais bem-sucedido. A tal respeito, encontramos interessantes considerações na obra Comentários a la Bíblia Litúrgica (1):
“A atitude de Lucas é diferente. Não é como Marcos e Mateus, um simples pastor que recolhe o ensinamento da Igreja e o transmite num outro contexto. Sendo pastor, Lucas é também um erudito que conhece as leis da história de seu tempo; vive ancorado na tradição cultural do helenismo e pensa que os fatos da vida de Jesus e o Cristianismo podem ser apresentados dentro das exigências próprias à cultura grega, e por isso escreve seu Evangelho e o livro dos Atos.
“Por mover-se na confluência destas duas tradições (helenista e judeu-cristã), Lucas foi capaz de formular uma visão nova e esplêndida do significado de Jesus e de sua obra. A característica fundamental dessa visão é o sentido ou ritmo da História, com seu passado (Antigo Testamento), seu centro (vida de Jesus) e seu futuro (tempo da Igreja). (...)
“Lucas é o evangelista do Espírito. O laço de união do Velho Testamento, de Jesus e da Igreja, é o Espírito de Deus que realiza sua ação entre os homens. O Espírito agia sobre os profetas da Antiga Aliança e se mostrou de uma forma decisiva no surgimento de Jesus; no tempo de sua vida, Jesus realizou a missão escatológica do Espírito de Deus sobre a terra e o deixou à Igreja como herança. Tal é a tríplice epifania do Espírito na História (Antigo Testamento, Jesus e Igreja).”
Dentre as testemunhas oculares, a própria Virgem Maria!
É fácil compreender que muitos tentassem “pôr em ordem a narração das coisas” (v. 1). Porém, nem sempre atingiram esse objetivo com pleno acerto. São Lucas, com polidez, insinua isso ao afirmar: “muitos já empreenderam”, ou seja, numerosos autores não haviam conseguido lograr o necessário êxito. Por isso conclui Beda (2):
“Cita outros muitos, não tanto pelo número, quanto pela multidão de heresias que encerram; porque, como seus autores não estavam inspirados pelo Espírito Santo, fizeram um trabalho inútil, uma vez que teceram a narração a seu gosto, sem preocupar-se com a unidade histórica.”
Numa época muito distante da máquina fotográfica e do vídeo, nada poderia melhor comprovar a veracidade de um acontecimento do que a presença de observadores. O relato feito por estes, sobretudo quando coincidentes em seu cerne e também nos seus detalhes, indicava altíssimo grau de credibilidade. Assim, Lucas se reporta às “coisas (...)como no-las referiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e vieram a ser ministros da palavra” (v. 2). Como bom historiador e escritor, Lucas demonstra especial zelo em deixar claro tratarem-se de testemunhas que presenciaram os acontecimentos “desde o princípio”, e levanta a ponta de um véu que nos coloca diante de bela perspectiva: quem teria sido “testemunha ocular” da Anunciação, do Nascimento e da Infância de Jesus? Realmente, não poderia ser outra pessoa senão a própria Santíssima Virgem. De onde se conclui ter ele ouvido santas e maternais narrações feitas por Maria, com base nas quais redigiu os primeiros capítulos de seu Evangelho.
Lucas atesta sua objetividade enquanto historiador: “depois de ter investigado tudo cuidadosamente desde o princípio”, decide escrever “por ordem a sua narração”, compilando os relatos orais e escritos, frutos de sua escrupulosa investigação. Ele deseja fazer uma obra que sirva de referência a outros tantos arautos da vida de Jesus, incluindo o período da infância, levando em conta, porém, o ambiente cultural daqueles tempos. Ou seja, mesclando a cronologia histórica com algo da psicologia humana.
Dedica o livro ao “excelentíssimo Teófilo”, certamente alta personalidade de sua época, pois dessa forma conferiria maior valor a sua obra. Esse era, aliás, um costume muito em voga naqueles tempos: oferecer a pessoas de escol, os trabalhos intelectuais.
Continua no próximo post.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Evangelho 2º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Jo 2, 1-11

Continuação dos Comentários ao Evangelho 2º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Jo 2, 1-11
O melhor vinho foi servido no fim
10 “O mestre-sala chamou então o noivo e lhe disse: ‘Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!’”.
O vinho fruto desse milagre foi, sem dúvida, o mais delicioso jamais produzido na História — o vinho dos vinhos — porque feito pelo próprio Deus.
Da circunstância de ter ele sido servido no fim, podemos tirar uma aplicação para nossa vida espiritual. Quando cedemos à sedução do pecado, haurimos em primeiro lugar o “vinho bom”: a fruição dos prazeres e a ilusão de uma felicidade perfeita. Mas logo depois, estando já embriagados pelo vício, a elas sucedem-se tristeza e frustração.29
Pelo contrário, quando encetamos o percurso da santificação, talvez encontremos no começo dificuldades ou provações. Logo se seguirá, porém, o delicioso “vinho” das consolações espirituais. “Inicialmente, o mundo promete bens, alegria, prazeres, mas no fim ele só dá amarguras, aflições, desespero. Deus, ao contrário, faz quem se entrega a Ele sentir o amargor do cálice de Jesus Cristo, penas e trabalhos, mas no final os sofrimentos e as lágrimas cedem lugar a uma alegria inefável, a torrentes de delícias”.30 Eis uma palavra de esperança e de consolo para aqueles que sofrem: está sendo preparado para eles o vinho bom transmudado por Nosso Senhor.
Os milagres de Nosso Senhor demonstram sua Divindade
11 “Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram n’Ele”.
Do teor deste versículo pode-se deduzir que até aquele momento não tinham os discípulos acreditado inteiramente no Mestre. “Haviam já começado a crer n’Ele — afirma o Cardeal de la Luzerne —, pois vincularam-se à Sua pessoa. Mas sua fé ainda era débil, talvez até incerta, e esse milagre a consolidou, tornou-a mais viva e firme”.31 Foi preciso, portanto, esse milagre para que eles vissem em Nosso Senhor, o Messias.
Isso nos convida a dar adesão a Deus já no começo de nossa vida espiritual, não exigindo milagres ou consolações, pois Ele mesmo disse a Tomé: “Bem-aventurados os que creram sem ter visto” (Jo 20, 29).
O melhor vinho da história: o reino de maria
Perante as perplexidades e apreensões que o mundo de hoje possa causar-nos, o Evangelho deste domingo nos convida à esperança. Pois sabemos que, quando a humanidade chegar a um nível de decadência moral onde tudo parecer perdido, a intercessão onipotente de Maria obterá de seu Filho Divino a mutação da água — neste caso, uma água poluída pelo pecado — no melhor vinho.
A miséria espiritual do mundo se transformará, por intercessão da Mãe de Deus, em algo de extraordinário, que não podemos sequer imaginar: o Reino de Maria, isto é, o triunfo do seu Sapiencial e Imaculado Coração, anunciado por Ela em Fátima.
A frase do Evangelho de hoje: “Tu deixaste o melhor vinho para o fim”, bem pode significar: “Deixastes, ó Deus, vossas melhores graças para os tempos vindouros”. As graças mais excelentes, os mais insignes benefícios, os maiores santos, as culturas mais requintadas — tudo quanto pode haver de melhor foi reservado para essa era marial.
De um modo suave, mas rápido e direto — tal como a água foi transmudada em vinho nas bodas de Caná —, Nossa Senhora obterá de Seu Divino Filho a santificação das nossas almas. Para obtermos essa feliz renovação, bastanos seguir o sábio conselho do Abbé Jourdain: “Apresentai-Lhe vossa necessidade, vossa miséria, vossa tibieza e suplicai-Lhe: ‘Virgem Santíssima, falta-me o vinho do amor e da devoção, tenho apenas um pouco de água fria e insípida; pedi a vosso Filho que a converta em vinho’”.32
Nessa venturosa era, Maria será estabelecida Rainha dos Corações, e “coisas maravilhosas acontecerão neste mundo, onde o Espírito Santo, encontrando Sua querida Esposa como que reproduzida nas almas, a elas descerá abundantemente, enchendo-as de Seus dons, particularmente do dom da sabedoria, a fim de operar maravilhas da graça. Quando chegará esse tempo feliz, esse século de Maria, em que inúmeras almas escolhidas, perdendo-se no abismo de seu interior, se tornarão cópias vivas de Maria, para amar e glorificar Jesus Cristo?”.33
Por amoroso desígnio de Seu Divino Filho, o melhor vinho da História virá no fim, e será o “vinho de Maria”!
29 É importante notar que, conforme sublinham os professores da Companhia de Jesus, a palavra “embriagados” não deve ser tomada neste versículo no sentido pejorativo de “bêbados”, mas sim como parte de “uma espécie de provérbio” (LEAL, op. cit., p.852). Por sua vez, o Cardeal Gomá interpreta as palavras do mestre-sala como um “amável gracejo” (Op. cit., p.451). No mesmo sentido se pronunciam o Abbé Dehaut (Op. cit., p.26) e os professores de Salamanca (TUYA, op. cit., p.1002).
30 Epitres et Évangiles avec des explications. Paris: Jean Mariette, 1727, t.I, p.199.
31 LUZERNE, op. cit., p.200.
32 JOURDAIN, op. cit., t.VII, p.369.
33 SÃO LUÍS GRIGNION DE MONTFORT, op. cit., n.217, p. 211.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Evangelho 2º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Jo 2, 1-11

Continuação dos Comentários ao Evangelho 2º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Jo 2, 1-11
Nos milagres, Deus quer nossa cooperação
6 “Estavam seis talhas de pedra colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer. Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros. 7 Jesus disse aos que estavam servindo: ‘Enchei as talhas de água’. Encheram-nas até a boca”.
Recomendando aos servidores fazer tudo quanto Jesus lhes mandasse, Nossa Senhora os instruíra a não colocar obstáculo algum à vontade de Jesus. E é isso que Ela repete constantemente em nossas almas: “Fazei tudo quanto Ele vos disser”, ou seja, “segui a voz interior da graça, sem opor-lhe qualquer obstáculo”.
Infelizmente, com frequência não sabemos interpretar bem a voz de Deus, e opomos resistência à graça, ao contrário da atitude exemplar daqueles servidores. Sem dúvida, deveria parecer-lhes estranha a ideia de oferecer água num banquete, mas obedeceram com prontidão, sem fazer o menor reparo.
Uma importante lição tira desta passagem o padre D’Hauterive: “Neste episódio, devemos considerar como importa obedecer fielmente a Deus e a quem ocupa seu lugar junto a nós, sem indagar com demasiada curiosidade o motivo pelo qual nos manda uma coisa ou outra”.24 Deus quer nossa cooperação nos milagres, pela fé, pela obediência à voz da graça em nosso interior. É como se Ele dissesse, na acertada expressão do Abbé Jourdain: “Se fizerdes o que podeis, Ele fará o que não podeis”.25
O modo de fazer o milagre
8  “Jesus disse: ‘Agora tirai e levai ao  mestre-sala’. E eles levaram. 
9 O mestre-sala experimentou a água que se tinha transformado em vinho. Ele não sabia de onde vinha, mas os que estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham tirado a água”.
Em seus milagres, visava Jesus, ou saciar a fome da multidão — como quando multiplica os pães e os peixes —, ou atender outras necessidades prementes. Neste caso, entretanto, não era indispensável Ele mudar a água em vinho, porque a falta deste não acarretaria grave dano a ninguém.
Ora, Jesus atende com superabundância o pedido, proporcionando seis talhas cheias, ou seja, cerca de 600 litros do melhor vinho, quantidade muito superior à necessidade do momento. Qual seria a razão desse “excesso”?
Nosso Senhor assim agiu para nos mostrar que o supérfluo, de si, não só não é pecado, mas pode até ser legítimo e recomendável. Essa abundância de vinho, afirma o Cardeal Gomá, “não servirá para abuso dos convidados, porque a simples presença de Jesus os conterá, mas para livrar alguns amigos ou parentes de um grave apuro e os aliviar em sua pobreza, dando-lhes tal quantidade de vinho”.26 Não sem razão, pois, o grande exegeta padre Fillion nos convida a admirar “a munificência régia do presente nupcial de Jesus”.27
De outro lado, cabe prestar atenção em um pormenor importante: o milagre foi feito sem nenhuma fórmula nem gesto externo, exceto a ordem dada por Nosso Senhor aos servidores; tendo eles obedecido, já não havia mais água nas talhas, mas sim vinho. O padre D’Hauterive resume em termos precisos o ocorrido: “Por um ato de sua soberana vontade, essa vontade com a qual dá ordens aos elementos, como Senhor deles, Jesus trocou num instante a substância da água em substância do vinho”.28 Entretanto, na Santa Ceia, ao transubstanciar o pão e o vinho, Ele usa uma fórmula fixa, que a Igreja utiliza até hoje na Liturgia.
Não procedeu da mesma forma em Caná porque aquele ato não deveria ser repetido pela posteridade. E embora o milagre de Caná tenha sido espetacular, foi muito menor do que aquele que se opera em cada Missa, com a Transubstanciação do vinho e do pão em Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor. Mas, na Eucaristia, o milagre não é visível: o sacerdote pronuncia as palavras da Consagração e tanto a hóstia quanto o vinho consagrados continuam com aparência de pão e de vinho, apesar de ter sido mudada a substância. Isso é assim para provar nossa fé.
24 D’HAUTERIVE, P. La suma del predicador. Paris: Luis Vivès, 1888, t.II, p.284.
25 JOURDAIN, op. cit., t.VII, p.368.
26 GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.451.
27 FILLION, Louis Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Rialp, v.I, p.335.
28 D’HAUTERIVE, op. cit., p.302.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Evangelho 2º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Jo 2, 1-11

Continuação dos Comentários ao Evangelho 2º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Jo 2, 1-11
Prefigura do milagre eucarístico
4 “Jesus respondeu-Lhe: ‘Mulher, por que dizes isto a Mim? Minha hora ainda não chegou’”.
Embora a palavra “mulher”, presente nesta resposta de Jesus, soe um tanto dura aos nossos ouvidos, na linguagem do tempo denotava, ao contrário, respeito e solenidade, inclusive grande estima e até um matiz de ternura. E não era raro usá-la para dirigir-se a princesas e rainhas.15
Nosso Senhor havia entendido perfeitamente a insinuação de sua Mãe, e ao usar a palavra “mulher” para se dirigir a Ela quis indicar, como afirma Maldonado, o desejo de “afastar de Si toda suspeita de amor humano, ao fazer o milagre”.16 Os professores da Companhia de Jesus manifestam igual opinião: “Jesus não nega o milagre que Lhe foi pedido, mas nega que vai operá-lo por um motivo meramente humano. Em tudo Ele Se move pela vontade de Seu Pai celestial”.17
Como não poderia deixar de ser, Nosso Senhor também deveria estar penalizado com a situação daquelas famílias. Porém, desejava instruir Seus discípulos e associar Nossa Senhora à Sua obra, mostrando o papel decisivo da mediação de Sua Mãe. Por isso, com certeza alegrou-Se ao ouvir o pedido de Maria e, segundo o renomado exegeta padre Lagrange, respondeu como quem diz: “Deixai por minha conta, tudo irá bem [...] com mais dignidade no tom, mas sem dúvida também com mais afeto na modulação da voz”.18
Ao dizer “minha hora ainda não chegou”, Jesus declara ser ainda cedo para a instituição da Eucaristia.19 Ademais, argumenta São João Crisóstomo, não sendo Ele ainda conhecido como o Messias, não era o momento de manifestar-Se fazendo um milagre.20
A confiança em Nossa Senhora deve ser total
5 “Sua Mãe disse aos que estavam servindo: ‘Fazei o que Ele vos disser’”. 
Conhecia muito bem Nossa Senhora o Sagrado Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade, gerado nesse templo sublime que é o Seu claustro materno. “Por conhecer privilegiadamente, como Mãe, o Coração de Seu Filho, sabe que será atendida e recomenda aos serventes fazer tudo quanto Ele lhes mandar. E assim, a pedido de Maria, antecipa-se excepcionalmente a hora dos milagres de Cristo”.21 É a eficácia da Onipotência suplicante.
Isso nos mostra como devemos confiar em Nossa Senhora sem restrições, mesmo quando pareçamos ser merecedores da rejeição de Nosso Senhor. Será Ela quem nos socorrerá quando, também a nós, “faltar o vinho”. Pois é absoluto, por desígnio divino, o poder de impetração da Medianeira de todas as graças. Em Sua insondável bondade, prometeu o Redentor: “Tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei” (Jo 14, 13). Ora, se isso é válido para nós, concebidos no pecado original e com tantas misérias pessoais, como não o será em altíssimo grau para sua incomparável Mãe?
Se na terra Jesus nada Lhe negou, agiria de outro modo estando no Céu?22 Se Ele fez esse estupendo milagre, embora não fosse ainda a hora, podemos ter certeza de que, agora sim, chegou a Sua hora, pois está no Céu como Sacerdote Eterno junto ao Pai para interceder por nós (cf. Hb 4, 14). Lá está para atender nossas solicitações, permanece à mercê dos pedidos de Nossa Senhora. Bem conclui o piedoso Cardeal de la Luzerne: “No píncaro da glória, teria Ela perdido seu poder? O prêmio de suas incomparáveis virtudes seria o de ter menos crédito perante Deus? [...] Aquele que na terra estava submisso às Suas ordens rejeitará, no Céu, Suas preces?”.23
Desse modo, estejamos certos de que, recorrendo a Maria, seremos atendidos em qualquer circunstância.
Continua no próximo post.
15 Cf. JOURDAIN, op. cit., p.59; TUYA, OP, Manuel de. Biblia comentada, II. Madrid : BAC, 1964, p.1006 ; CAROL, OFM, J.B. Mariología. Madrid: BAC, 1964, p.103-104; DEHAUT. L’Evangile expliqué, défendu, médité. Paris: Lethielleux, 1867, p.39-40.
16 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. III. Evangelio de San Juan. Madrid: BAC, 1954, p.155.
17 LEAL, SJ; PARAMO, SJ; ALONSO, SJ, op. cit., p.847.
18 LAGRANGE, OP, M.J. Évangile selon Saint Jean. Paris: Lecoffre, 1936, p.56.
19 “Que Cristo tenha cogitado em instituir a Eucaristia naquela ocasião é insinuado por Santo Agostinho [...]. E São Máximo de Turim afirma: ‘Ao dizer minha hora ainda não chegou, prometia aquela hora da sua gloriossíssima Paixão e o vinho da nossa Redenção’” (ALASTRUEY, op. cit., p.680).
20 Cf. SAN JUAN CRISÓSTOMO. Homilías sobre el Evangelio de San Juan (1-29). Madrid: Ciudad Nueva, s/d. p.268.
21 TUYA, OP, op. cit., p. 1003.
22 Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Pequeno ofício da Imaculada Conceição comentado. São Paulo: Artpress, 1997, p.283-285.
23 LUZERNE. Explication des Évangiles. Paris: Mequignon Junior, 1847, t.I, p.194.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Evangelho II Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Jo 2, 1-11


Continuação dos Comentário ao Evangelho 2º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Jo 2, 1-11

Jesus e Maria são convidados a um casamento

1 “Houve um casamento em Caná da Galileia. A Mãe de Jesus estava presente. 2 Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento”. 
Caná distava dez quilômetros de Nazaré e era uma cidade mais importante do que esta. A Mãe de Jesus certamente tinha relações de amizade com a família de um dos nubentes. Ou, conforme opina o Abbé Jourdain, “pode-se crer que Maria estava unida por laços de parentesco próximo às famílias do jovem casal e, tendo sido convidada a este título, julgou-Se no dever de comparecer”.4
Nosso Senhor acompanhou-A, levando consigo os seus primeiros discípulos: João, Tiago, Pedro, André, Filipe e Natanael. O objetivo da presença de Jesus e de sua Mãe é assim explicado pelo Abbé Jourdain: “Jesus Cristo dignouSe ir às Bodas de Caná, seja para honrar o matrimônio, como ensinam unanimemente os Santos Padres, seja para elevá-lo à dignidade de Sacramento e mostrar à Igreja e ao mundo que, sem a presença do Filho de Deus e de Sua Mãe Santíssima, não há núpcias santas e agradáveis a Deus.”5 A este respeito, porém, já tivemos oportunidade de discorrer em anterior artigo, por isso analisaremos agora especialmente o papel de Nossa Senhora.6
Oportuno é ressaltar no comentário deste versículo uma característica do espírito católico: a consideração de que a vida humana, conduzida dentro da observância da Lei de Deus, deve ser agradável, ter seus confortos e seus gáudios. Comparecendo à festa, Nosso Senhor e Nossa Senhora demonstraram que “as legítimas expansões da vida doméstica são santas” e quanto “o espírito cristão não é arredio nem antissocial”.7 A temperante alegria da boa comida e da boa bebida, o casto prazer da mesa e outros deleites lícitos como, por exemplo, a música ou um ambiente decorado com bom gosto e requinte, estão muito de acordo com o espírito da Igreja, pois propiciam o progresso no amor a Deus.
Naquela celebração matrimonial santificada pela Sua presença, não é concebível terem Nosso Senhor e Nossa Senhora passado despercebidos. Na fisionomia, no porte, no modo de ser, sobretudo no olhar de ambos, deveria transparecer a incomensurável superioridade d’Eles sobre os demais. Inevitavelmente, uma auréola sobrenatural deveria cercá-Los, atraindo uma discreta curiosidade dos comensais. Nosso Senhor, afirma o padre Ambroise Gardeil, OP —, “pela paz que espargia, mais que por seus milagres e suas afirmações, provava que era o Filho de Deus”.8
Sempre desejosa de fazer bem aos outros
 3“Como o vinho veio a faltar, a Mãe de  Jesus Lhe disse: ‘Eles não têm mais vinho’”. 
De acordo com o costume judaico, as mulheres não se sentavam à mesa nos banquetes, mas ficavam separadas dos homens preparando os alimentos. Cabia às damas de mais idade supervisionar o trabalho das mais jovens, tomar as necessárias providências e orientar o serviço que era feito à mesa.9 Entre elas deveria figurar Nossa Senhora, pois, percebe-se pelo teor deste versículo estar Ela ajudando os anfitriões para o bom êxito da festa.
Como sempre, despreocupada de Si, Maria Santíssima prestava atenção em tudo, desejosa de fazer o bem aos outros. Percebeu, então, talvez sem ninguém Lhe ter comunicado, a situação embaraçosa: acabara o vinho. Que vergonha para os anfitriões! Quão grande seria a decepção quando isto viesse a saber-se! Isto, porém, não aconteceu, pois, como diz São Bernardino de Siena, “o Coração de Maria não poderia ver uma necessidade, uma aflição” e, mesmo sem ser rogada, “Ela intervém, pedindo um milagre para tirar de embaraços esses humildes esposos”.10
Nossa Senhora tudo interpretava com sabedoria e por certo considerou que a Providência permitira a falta de vinho para dar a Jesus ocasião de manifestar Sua Divindade. “Ele ainda não operou prodígio algum, mas Ela não duvida de Seu poder sobrenatural, e Sua comunicação implica numa súplica de que faça o possível, mesmo um milagre” — comenta Beringer.11
Pois, como salientam os professores Jesuítas, “em sua intuição de Mãe e de Virgem iluminada, percebeu ter chegado a hora de Jesus revelar o segredo messiânico, oculto por tantos anos. A despedida anterior, o batismo, a pregação de João e os discípulos que seguiam Jesus, todos esses episódios Lhe dizem ter começado uma fase nova: a Vida Pública”.12
De outro lado, Nosso Senhor já teria revelado à Sua Mãe o grande mistério da Eucaristia, talvez para consolá-La por toda a Paixão pela qual deveria Ele passar, e pelo abandono em que ficaria Ela na terra durante cerca de quinze anos.13 Estaria Maria ansiosa, portanto, pelo momento de poder comungar. E tendo faltado o vinho, bem poderia Ela pensar que essa era uma boa ocasião para antecipar a instituição da Eucaristia.14

Continua no próximo post


4JOURDAIN, Zéphyr-Clément. Somme des grandeurs de Marie. Paris: Walzer, 1900, t.II, p.461.
5Idem, ibidem.
6Revista Arautos do Evangelho, nº 22 (Outubro de 2003).
7GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.I, p.454.
8GARDEIL,OP, Ambroise. El Espírito Santo en la vida cristiana. Madrid: Rialp, 1998, p.167.
9Cf. DIDON, OP, Henri. Jesus Christo. Porto: Chardron, 1895, v.I, p.187; TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, p.999-1000.
10Apud SAN BERNARDINO DE SIENA. Explication des Évangiles. Hong-Kong: Imprimerie de la Société des Missions Étrangères, 1920, t.I, p.272.
11BERINGER, R. Repertorio universal del predicador. Barcelona: Litúrgica española, 1933, v.I, p.198.
12Cf. LEAL, SJ, Juan; PARAMO, SJ, Severiano del; ALONSO, SJ, José. La Sagrada Escritura. Texto y comentario por los Profesores de la Compañía de Jesús. Nuevo Testamento I, Evangelios. Madrid: BAC, 1961, p.846.
13“Não há duvida de que Maria conheceu o propósito de Cristo de instituir a Eucaristia muito antes que fosse instituído tão augusto sacramento”. (ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de la Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1956, p.678-679).
14 Cf. ALASTRUEY, op. cit., p.680-681.