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sábado, 19 de outubro de 2013

Evangelho XXX Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013

  Continuação dos comentários ao Evangelho 30º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013
Sublime exemplo do Divino Mestre
Eis algumas razões pelas quais encontramos nas Escrituras Sagradas tantas vezes o incentivo à humildade. Como teria sido outra a História, se os fariseus tivessem ouvido e amado o convite do Divino Mestre: “Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para vossas almas” (Mt 11, 29). Se estivessem presentes no ato praticado por Jesus, por ocasião da Santa Ceia, e recolhessem no coração as palavras por Ele proferidas logo após: “Deivos o exemplo para que, como Eu vos fiz, assim façais vós também. Em verdade, em verdade vos digo: o servo não é maior do que o seu Senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou. Se compreenderdes estas coisas, sereis felizes, sob condição de as praticardes” (Jo 13, 15-17), teriam ademais, a verdadeira paz de alma e inteira felicidade.
Voltemos agora, nossos olhos à parábola proposta pela liturgia de hoje.
A parábola do fariseu e do publicano
9 Disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos por se considerarem justos, e desprezavam os outros...
São interessantes as considerações feitas pelos comentaristas a propósito da presente parábola. Dentre elas se destaca a de Santo Agostinho que se relaciona com o versículo anterior: “Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?” (Lc 18, 8). A fé é a virtude de quem põe em Deus sua confiança, e não em si próprio. “A fé não é do soberbo, mas sim do humilde. Contra a soberba, [Jesus] põe a parábola sobre a humildade” 8, que vai dirigida àqueles que não agradam a Deus com suas orações devido à sua presunção. A estima desequilibrada dos próprios méritos vai contra a realidade, sobretudo, quando o orgulhoso se julga impecável. Em tese, pela graça de Deus e pela existência do livre arbítrio, poderia haver um homem sem pecado mas, à exceção feita do Filho do Homem e de sua Mãe Santíssima, não há outro, conforme o Salmista: “Não entreis em juízo com o vosso servo, porque ninguém que viva é justo diante de Vós” (Sl 142, 2), ou melhor ainda, como afirma São João: “Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1 Jo 1, 8) 9.
A parábola se destina aos que supervalorizam suas qualidades, julgando-se santos e até mesmo impecáveis, tratando os demais com desprezo. Trata-se de uma luva feita à medida para caber em mão farisaica, ou daqueles que podem ser classificados como seus discípulos, imbuídos, portanto, do mesmo espírito. Três são os vícios visados: confiança em si próprio, presunção de santidade e desprezo pelos outros; vícios esses, contrários às virtudes: fé, humildade e caridade.
10 Subiram dois homens ao templo a fazer oração: um era fariseu e o outro publicano.
Eis uma simples frase penetrada de substanciosos significados. À mesma hora e no mesmo empenho de rezar, sobem ao monte Moriah, onde se localiza o Templo, dois homens: um fariseu e um publicano. O primeiro já é conhecido. O segundo pertencia à classe por todos considerada como de pecadores, odiada por cobrar impostos a serviço dos romanos. Segundo o juízo humano, o fariseu é justo, cheio de virtude e piedoso, e certamente irá proferir uma excelente prece. O outro, pelo contrário, pecador tão desprezível, não conseguirá senão atrair sobre si o escândalo de todos e a cólera do próprio Deus.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Evangelho XXX Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013

Comentários ao Evangelho 30º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013
                                                                                           Mons João Clá Dias
Evangelho - Lc 18, 9-14
Oração do publicano
9 Disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos por se considerarem justos, e desprezavam os outros: “Subiram dois homens ao templo a fazer oração: um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava no seu interior desta forma: Graças Te dou, ó Deus porque não sou como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros; nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que possuo. O publicano, porém, conservando-se à distância, não ousava nem sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito dizendo: Meu Deus, tende piedade de mim, pecador. Digo-vos que este voltou justificado para sua casa e o outro não; porque quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado” (Lc 18, 9-14).

Quando é inútil rezar?

Se quisermos ter certeza de que nossa oração é atendida por Deus, devemos imitar o modo de rezar do publicano, humilhando-nos diante dEle e pedindo perdão por nossos pecados.
O orgulho: causa de todos os vícios
Oração do fariseu
Serpentes! Raça de víboras!” Eis alguns dos títulos saídos dos divinos lábios de Jesus para designar os fariseus. Nesse mesmo capítulo (23) de Mateus, estão agrupadas as principais recriminações de que foram objeto: eram “hipócritas”, despojavam as viúvas, fechavam as portas do Reino do Céu, transformavam seus prosélitos em filhos do inferno, eram “insensatos guias de cegos”, “sepulcros caiados”, herdeiros da maldição pelo “sangue inocente derramado sobre a terra”.
Na realidade, foram eles os mais ferrenhos opositores ao Reino de Deus, trazido pelo Messias. E apesar de as provas a respeito do Reino serem numerosas e evidentes, eles não só as rejeitavam como, se lhes era possível, silenciavam-nas ou ofereciam malévolas interpretações às mesmas.
Em suas almas, onde estaria fixada a raiz desse terrível pecado contra o Espírito Santo?
A mais perigosa das vaidades
Os fariseus tiveram uma origem virtuosa, quando procuraram se separar daqueles que se deixavam influenciar pelo mundano relativismo propagado pela Grécia, por volta de duzentos anos antes de Cristo. Porém, por falta de vigilância e ascese, como não raras vezes acontece, caíram numa das mais perigosas vaidades: a que se junta ao desejo de perfeição.
Ao abraçar as vias da santidade, é indispensável ao cristão colocar o interesse de Deus acima de toda a criação, como também, devotar aos interesses do próximo uma atenção maior do que aos seus, de ordem pessoal, e estes, confiá-los à Providência Divina, tal como ensina o salmista: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória” (Sl 113, 1).
Esqueceram-se os fariseus ser necessário pôr um freio em seu ânimo, para evitar sua imoderada exacerbação, praticando, assim, a essencial virtude da humildade, tal como a define São Tomás de Aquino: “A humildade reprime o apetite, para que ele não busque grandezas além da reta razão” 1. “Importa que conheçamos o que nos falta, em comparação com o que excede nossa capacidade. É próprio, pois, da humildade, como norma e diretriz do apetite, conhecer as próprias deficiências” 2.
Na ausência da virtude da humildade, lento mas profundo e fatal foi o processo de uma separação dos demais, em princípio boa e até necessária, para metamorfosear-se numa supervalorização de suas autênticas ou supostas qualidades morais. É suficientemente ilustrativo desse estado de alma, ouvir estas palavras, saídas dos lábios de um rabino, e recolhidas pelo Talmud: “Dizia R. Jeremias, chamado Simão, filho de Jochai: Eu posso compensar os pecados do mundo todo, desde o dia em que nasci até hoje; e se meu filho Eleazar morresse, poderia livrar todos os homens que existiram no mundo, desde a sua criação até hoje. E se estivesse conosco Jotan, filho de Uzias, poderíamos fazer isso de todos os pecados, desde a criação do mundo até o seu final [...]. Via os filhos do banquete divino, e eram poucos. Se fossem mil, meu filho e eu estaríamos entre eles; se fossem apenas dois, seríamos meu filho e eu” 3.
Quem se deixa levar pelo orgulho não respeita limites
Uma vez perdida a humildade, pela vã complacência consigo, o orgulho nos fariseus — como em qualquer caso — não mais respeitou nenhum limite. Ensoberbecido, colocou-se no centro do universo, exaltando as próprias qualidades. Não só desprezava as do próximo, como buscava exagerar os defeitos deste, sendo que às vezes o fariseu os possuía em maior grau.
Devido à sua incontida jactância, ele invariavelmente tinha razão em suas opiniões. Os fracassos sempre se davam pelo fato de não o terem procurado para consulta. Se muitos discordavam do fariseu, no fundo era porque — segundo ele — a sabedoria pertence a uma minoria seleta. Se todos eram unânimes com ele, sentia-se o dirigente. Se houvesse uma autoridade à qual ele devesse submissão, procuraria dominá-la, porém, como na maioria das vezes isto não era fácil, partia ele para a censura, a crítica e a sabotagem, acabando por ingressar pelas vias da desobediência. Ademais, sempre se manifestava ingrato, pois qualquer benefício que se lhe fizesse seria um ato de pura justiça e, por isso, nunca agradecia.
Como todo orgulhoso, o fariseu, ao se constituir o foco das atenções, não tolerava quem não girasse ao seu redor e, tomado de inveja, fomentava discórdias sempre que as circunstâncias as exigissem, lançando mão, inescrupulosamente, de detrações, calúnias, etc.
Nos fariseus, a hipocrisia se soma ao orgulho
Em essência, ele era um ególatra, mas, por sua refinada hipocrisia, apresentava-se respeitoso diante de Deus e justo em relação aos homens. Como nem sempre conseguia ocultar alguns de seus vícios evidentes, negava que assim o fossem.
Pobre fariseu! Não se dava conta dos males que despencavam sobre ele, pelo fato de procurar a glória onde não existia. Não percebia ele, o quanto o vício da soberba é o primeiro, não só em se manifestar exteriormente, como também em ser discernido por todos, com rapidez. Ele morreria, talvez, sem tê-lo explicitado, mas aqueles que com ele conviviam já o haviam catalogado.
Como poderia corrigir-se o fariseu desse defeito, uma vez que não queria reconhecer-se vítima de tão grave mal? Já se tinha por santo... Era-lhe muito difícil converter-se, pois tal como diz Santa Teresa, a humildade é a verdade 4.
Ser-lhe-ia indispensável que se visse, e até se sentisse, tal qual era; que discernisse claramente a procedência dos lados bons e maus de sua alma. Se assim fosse, reconheceria o bem que havia nele, para de imediato atribuí-lo a Deus. Da mesma forma, ao constatar sua maldade própria, suas faltas e seus pecados, atribui-los-ia à sua vontade deteriorada e perversa. Impostando assim, seu espírito, com flexibilidade admitiria que sem o auxílio da graça, o cristão não só deixa de cumprir de modo estável os Mandamentos da Lei de Deus, como até mesmo, é incapaz de pronunciar uma palavra boa. Ele jamais falaria de si próprio ou de suas virtudes e, se por razões de força maior, fosse obrigado a fazê-lo, imitaria São Paulo: “Gratia Dei sum id quod sum” — “Pela graça de Deus, sou o que sou” (1 Cor 15, 10).
Se entrasse por essas vias, seu “interior seria luminoso” porque seu olho seria limpo (cf. Mt 6, 22); já não mais teria vendadas suas vistas pelo amor próprio. Discerniria a presença de Deus a cada passo, em todas as circunstâncias de sua vida e, por outro lado, não faria ilusões sobre a debilidade, as inclinações e a malícia da criatura humana.
Faltava ao fariseu aprender com Santa Teresa o quanto é necessário andar na verdade: “Certa vez eu estava considerando a razão pela qual Nosso Senhor era tão amigo dessa virtude da humildade, e ocorreu-me — na minha opinião, sem ponderações, mas de repente — o seguinte: é porque Deus é a suprema Verdade, e a humildade consiste em andar na verdade; e é uma verdade muito grande saber que em nós nada há de bom, mas só miséria e nada; e quem assim não entenda, anda na mentira. E quem mais assim entenda agrada mais à suprema Verdade, porque nela anda” 5.
Se esse caminho trilhasse o fariseu, jamais poria sua confiança em si próprio, mas só em Deus, submetendo-se em tudo à Sua santíssima vontade. Teria para com os outros uma real caridade, como recomenda São Tomás de Aquino: “Devemos não só reverenciar a Deus em Si mesmo, mas também o que é de Deus, em toda e qualquer pessoa” 6 . “Pode alguém, sem falsidade, ‘reconhecer-se e mostrar-se como o mais indigno de todos’, levando em conta os defeitos ocultos que traz em si mesmo e os dons de Deus ocultos nos outros. Por isso, Agostinho diz: Estimai, interiormente, superiores os que vos são, exteriormente, inferiores. Do mesmo modo, sem fingimento, pode alguém se confessar e se acreditar indigno e inútil para tudo, pelas forças próprias, atribuindo a Deus toda a sua capacidade, conforme se diz: ‘Não é por causa de uma capacidade pessoal, que poderíamos atribuir a nós mesmos, que somos capazes de pensar; é de Deus que vem a nossa capacidade’” 7. Por isso mesmo, o fariseu, ao constatar os progressos espirituais realizados por auxílio da graça, na prática da virtude, deveria considerá-los como relativos, e reconhecer o quanto poderia ter correspondido mais aos dons de Deus.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Evangelho XIX Domingo Tempo Comum - Ano C - 2013



  Continuação dos comentários ao Evangelho 29º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 (Lc, 18, 1-8) - Mons João Clá Dias

 Mas, depois disse consigo: Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os homens, todavia, visto que esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar- me.
A ressonância é um fenômeno físico que tem se mostrado poderoso até em relação a pontes sólidas e robustas. Aquele bater contínuo e ritmado sobre uma superfície rígida, ameaça toda a sua constituição. Há na psicologia humana uma reversibilidade dessa figura: a insistência importuna. A viúva não dava sossego ao juiz , obrigando-o a saltar de dentro de sua inação para, entre dois incômodos — ou ter de lhe dar ganho de causa, ou encontrá-la suplicante a toda hora —, escolher o menor. Ele ficou enfarado e, para evitar revê-la a todo instante, resolveu atender ao seu pedido. O motivo que o levou a tomar tal decisão não foi nada nobre, nem elegante, mas a viúva não se acanhou e nem se deixou tomar pelo respeito humano; seu único empenho era de obter um justo pronunciamento.
Essa parábola retrata, de passagem, alguns aspectos daquela jurisprudência consuetudinária. Apesar das variações em confronto com o Direito Processual vigente nos países ocidentais, o caso imaginado pelo Divino Mestre nos é inteiramente assimilável, não necessitando de nenhuma adaptação. Em vista de sua fácil compreensão, Jesus passa diretamente à aplicação.
O Supremo Juiz e as almas escolhidas
Ouvi o que diz este juiz iníquo. E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, e tardará em socorrê-los?”
O contraste é um ótimo instrumento de didática. Jesus se serve das reacções de um julgador iníquo face à obstinada insistência da fragilidade feminina, para compará-las às atitudes do Supremo Juiz. Se um homem mau pratica uma boa ação para deixar de ser importunado, quanto mais não fará Deus, a Bondade em substância? Muito diferentemente da parábola, na aplicação trata-se do Verdadeiro Juiz, o qual é a própria Dadivosidade. Por outro lado, quem pede não é uma importuna viúva mas sim os escolhidos de Deus. Estes não são indesejáveis. Ao contrário, a eles cabem os títulos de “privilegiados”, “amigos” e “fiéis”.
Jesus focaliza de maneira especial os escolhidos, neste versículo. Quem são eles? Aqueles que amam e temem a Deus, seus servidores, os quais vivem no estado de graça, lastimam-se de suas fraquezas e se penitenciam de suas faltas, purificando-se no divino perdão. Com o avanço claro e firme da Teologia, pode-se afirmar serem eleitos todos os fiéis, conforme declara São Pedro: “Vós, porém, sois uma geração escolhida, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido por Deus” (I Ped 2, 9).
Supõe-se erroneamente que um eleito jamais cometeria uma falta, e seu espírito nada teria de comum com a miséria. Não é real! A debilidade é útil para realçar o poder de Deus: “Porque é na fraqueza que o meu poder se manifesta por completo”, diz Nosso Senhor a São Paulo, o qual, por sua vez, complementa: “Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo” (II Cor 12, 9).
Esses eleitos são aqueles que, muitas vezes, “sofrem perseguição por amor à justiça” (Mt 5,10) e, não tendo a quem recorrer nesta terra, voltam-se para Deus, rogando socorro, amparo e proteção. E com frequência, assim procedem dia e noite. Tal será que o juiz iníquo da parábola atenda ao clamor da viúva, e Deus, sendo Pai, não ouça as súplicas de seus amigos eleitos!
Mas, poderá alguém se perguntar, quando atenderá Deus a essas preces? Sem demora, conforme está no versículo 8: “Digo-Vos que depressa lhes fará justiça.”
Mas quando vier o Filho do Homem, porventura encontrará fé sobre a terra?
Esta frase causou uma certa dificuldade de interpretação a numerosos exegetas. Alguns afirmam ser a parábola e sua respectiva aplicação referentes aos acontecimentos do fim do mundo.
Em concreto, essa vinda do Filho do Homem tanto poderá significar a parusia (volta gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo no fim dos tempos), quanto uma notável intervenção d’Ele em benefício de seus eleitos.
Encontrará Ele a fé sobre a terra?
Jesus nos descreve com detalhes os acontecimentos imediatamente próximos ao fim do mundo (Mt 24, 3-51), e nesse seu discurso encontramos elementos a respeito da raridade da fé ao longo dos últimos dias: “Porque se levantarão falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes milagres e prodígios, de tal modo que, se fosse possível, até os eleitos seriam enganados” (Mt 24, 24). Conclui-se facilmente ser a fé perseverante desses atribulados fiéis cheios de confiança na bondade de Deus, em sua intervenção e poder. Fé paciente nas adversidades, transbordante de amor a Deus e por isso contínua na súplica, calorosa de esperança em obter logo o que pede.
A essa pergunta feita pelo próprio Jesus: “encontrará fé sobre a terra?”, não nos deixou Ele resposta alguma. Seus ouvintes devem ter saído pensativos à busca de elementos para melhor entender seu significado, e um tanto estimulados a fazerem um exame de consciência. Erroneamente julgaríamos ser essa pergunta dirigida apenas aos circunstantes. Ela nos atinge também a nós, ao lermos o Evangelho de hoje. Se Jesus viesse a nós na época atual, encontraria Ele fé sobre a face da terra?
VIGILÂNCIA E ORAÇÃO
Constituía um verdadeiro sonho, para todo judeu, a implantação de um reino messiânico, de caráter político, sobre a terra. O anseio constante dos israelitas era o de ver seu povo dominando sobre as outras nações. Os próprios Apóstolos, em ocasiões diversas, procuravam saber do Divino Mestre se não havia chegado a hora para a implantação dessa nova era.
A parábola do juiz e da viúva se insere bem exatamente nas considerações a esse propósito. Nos versículos anteriores (Lc 17, 20-37), Jesus discorre sobre o Reino de Deus estendido a todos os homens pela vinda do Salvador, já presente entre eles. Adverte os circunstantes a respeito de quanto é indispensável estarem prevenidos para o grande dia do Juízo, dado que não se pode saber sua data. Sobre a vigilância, impossível haver melhores conselhos.
Mas só esta não é suficiente: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação”, disse Nosso Senhor (Mt 26, 41). Faltava uma palavra de incentivo à oração. Daí a “parábola para mostrar que importa rezar sempre e não cessar de o fazer”.
Esse “sempre” não significa que devemos rezar a cada segundo das vinte e quatro horas do dia, mas torna-se indispensável manter uma continuidade moral, uma incansável frequência na oração. Esse “sempre” pode ser sinônimo de “vida inteira”. “Não cessar de o fazer”, apesar dos atrasos em ser atendido, enfrentando ou não obstáculos, na saúde ou na enfermidade, na consolação ou na aridez.
 Ninguém pode se dispensar da oração
Não julguemos tratar-se aqui de um simples conselho de Jesus. Não! É um preceito, uma obrigação, ninguém pode se dispensar da oração. E quanto mais se sobe na vida interior, maior será o dever e constância da prece.
Vigiai e orai, diz-nos o Divino Mestre, e São Paulo insistirá: “Permanecei vigilantes na oração” (Col 4, 2) e “Orai sem interrupção” (I Tes 5, 17). Nossa própria natureza tisnada pelo pecado exige de nós essa postura face à oração; e, mais ainda, assim nos manda proceder a Santa Igreja, conforme determina o Concílio de Trento: “Deus não manda impossíveis; e ao mandar-nos uma coisa, determina-nos fazer o que podemos e pedir-Lhe o que não podemos, bem como ajuda para poder”.
Por outro lado, o atendimento da parte de Deus será completo. Ele não olha para o tipo de necessidade, nem para a origem ou o tamanho da mesma, pois nada Lhe é impossível. Acontecimentos, ameaças, riscos, homens, demônios, etc., tudo está nas mãos d’Ele e bastará um ínfimo ato de sua vontade para resolver qualquer problema. Porém, não nos esqueçamos de que se quisermos nos lançar contra uma dificuldade, usando exclusivamente de nossos dons naturais e forças, não estará aí engajada a palavra de Deus! É preciso importuná-Lo! Ele assim o exige. Ainda mais, é preciso ser incessante e fazer-Lhe uma espécie de “pressão moral”, sem nos cansarmos.
A contínua oração dos eleitos, em meio às dificuldades clamando a seu Pai, é infalível! Ademais, consideremos a absoluta necessidade da oração, no que diz respeito à salvação eterna, conforme as calorosas palavras de um grande Doutor da Igreja, Santo Afonso Maria de Ligório:
Terminemos este ponto, concluindo, de tudo quanto dissemos, que quem ora certamente se salva e quem não ora por certo será condenado. Todos os bem-aventurados, excepto as crianças, salvaram-se pela oração. Todos os condenados perderam-se por não orarem; se tivessem rezado não se teriam perdido. E este é e será no inferno o maior desespero, poderem ter alcançado a salvação com tanta facilidade quando bastava pedir a Deus as graças necessárias, e agora esses miseráveis não têm tempo de pedir.”
Lembremo-nos do maternal conselho de Maria: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Com essas palavras, Ela nos confirma ainda mais, ao encerrarmos os comentários ao Evangelho de hoje, o quanto é indispensável rezar sempre. E se quisermos ser atendidos em maior profusão e prontamente, façamo-lo por intermédio de sua poderosa intercessão. Assim, estaremos agradando a Jesus que se tornará ainda mais propício às nossas súplicas.