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domingo, 13 de julho de 2014

EVANGELHO XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM —ANO A — Mt 13, 24-43

COMENTÁRIO AO EVANGELHO — XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM
Joio, mostarda, fermento e o Reino
Retificar os conceitos errôneos do povo judeu sobre o reino messiânico, acentuar quanto devemos crer na força de expansão da Igreja, e insistir na necessidade da vigilância — são os principais objetivos destas parábolas.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias
A PARÁBOLA DO JOIO
Propôs-lhes outra parábola, dizendo: “O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. 25 Porém, enquanto os homens dormiam, veio o seu inimigo e semeou joio no meio do trigo, e foi-se. 26 Tendo crescido a erva e dado fruto, apareceu então o joio. 27 Chegando os servos do pai de família, disseram-lhe: Senhor, porventura não semeaste tu boa semente no teu campo? Donde veio, pois, o joio? 28 Ele respondeu-lhes: Foi um inimigo que fez isto. Os servos disseram-lhe: Queres que vamos e o arranquemos? 29 Ele respondeu-lhes: Não, para que talvez não suceda que, arrancando o joio, arranqueis juntamente com ele o trigo. 30 Deixai-os crescer juntos até à ceifa, e no tempo da ceifa direi aos ceifeiros: Colhei primeiramente o joio, e atai-o em molhos para o queimar; o trigo, porém, recolhei-o no meu celeiro”.
 O GRÃO DE MOSTARDA
31 Propôs-lhes outra parábola, dizendo: “O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. 32 É a menor de todas as sementes, mas, depois de ter crescido, é maior que todas as hortaliças e chega a tornar-se uma árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar nos seus ramos”.
FERMENTO
Disse-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha até que tudo esteja fermentado”. 34 Todas estas coisas disse Jesus ao povo em parábolas; e não lhes falava sem parábolas, 35 a fim de que se cumprisse o que estava anunciado pelo profeta, que diz: “Abrirei em parábolas a minha boca, publicarei as coisas escondidas desde a criação do mundo”.
EXPLICAÇÃO DA PARÁBOLA DO JOIO
36 Então, despedido o povo, foi para casa, e chegaram-se a Ele os seus discípulos, dizendo: “Explicanos a parábola do joio no campo”. 37 Ele respondeu: “O que semeia a boa semente é o Filho do Homem. 38 O campo é o mundo. A boa semente são os filhos do Reino. O joio são os filhos do Maligno. 39 O inimigo que o semeou é o Demônio. O tempo da ceifa é o fim do mundo. Os ceifeiros são os anjos. 40 De maneira que, assim como é colhido o joio e queimado no fogo, assim acontecerá no fim do mundo. 41 O Filho do Homem enviará os seus anjos e tirarão do seu Reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade, 42 e lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes. 43 Então resplandecerão os justos como o Sol no Reino de seu Pai. O que tem ouvidos para ouvir, ouça (Mt 13, 24-43).

I – INTRODUÇÃO
Assim como uma moldura pode contribuir para a apreciação de uma bela pintura, assim também as cenas evangélicas, em toda a sua simplicidade, freqüentemente realçam a figura de seus protagonistas.
Sabendo que as parábolas acima foram pronunciadas por Jesus de dentro de uma barca, ancorada bem próxima da margem do Mar da Galiléia, podemos nos perguntar como deveria ter sido a cena. Águas certamente serenas e, portanto, silenciosas, como também a multidão que curiosa se espremia para ouvi-Lo e vê-Lo, sentado num banco de rústica madeira, proferindo atraentes metáforas. Poesia e lógica, encanto e sabedoria, simplicidade e grandeza, osculavam-se num entranhado afeto, corrigindo os errôneos conceitos daquele povo a respeito do reino messiânico.
Ao longo dos séculos, desenvolvera-se entre os judeus uma mentalidade triunfalista a propósito do ansiado Messias. Sua chegada seria acompanhada da implantação de um reino estável, esplendoroso e justiceiro, eliminando-se os pecadores e inaugurando-se assim uma era na qual não mais haveria maldade humana. Evidentemente, esse raciocínio era falho em suas premissas, de onde resultava uma tão equívoca conclusão: em sua lógica não levavam em consideração a existência do pecado original e do atual. Por causa da influência dos fariseus, o triunfo dos bons — que de fato será fulgurante no Juízo Final — era visto erroneamente por aqueles hebreus como a essência de uma era histórica feita da supremacia da virtude. E aqui se encontra um dos principais objetivos da parábola do joio e do trigo: retificar a distorcida visualização farisaica sobre a possibilidade de uma purificação absoluta do Reino. Ademais, ela deita uma luz insuperável para o desenvolvimento da Igreja Católica ao longo dos tempos, em múltiplos aspectos, conforme diremos adiante.
II – A PARÁBOLA DO JOIO
Para bem aproveitarmos a sabedoria dos ensinamentos do Divino Mestre, é muito útil figurarmos a cena, os costumes, e até mesmo as psicologias daqueles tempos. Esse procedimento não só nos permite saborear amplamente as profundidades de cada passagem, como também torna mais fácil transpor suas aplicações à nossa vida atual.
No domingo anterior, o Evangelho (Mt 13, 1-23) nos introduzia na seqüência de sete parábolas do Salvador. Conforme vimos, Ele escolheu a beira do lago para proferi-las. Naquele tempo os ruídos do mundo moderno, com motores de toda espécie, não existiam nem sequer na imaginação. A vida era muito orgânica e transcorria serena.
Era, sobretudo, benfazejo o silêncio junto às águas tranqüilas. Ademais, as orlas em suave declive constituíam um esplêndido e natural anfiteatro, permitindo ao Divino Locutor sentar-se na barca e manter um contato visual com toda a platéia. Sua voz era clara e forte, fazendo-se ouvir comodamente até pelos mais distantes assistentes.
Tal como nos presentes dias, a possibilidade de irrigação convidava os agricultores a cultivarem seus campos naquelas cercanias. Portanto, é bem possível tratar-se de um público muito acostumado com as figuras empregadas por Jesus naquela ocasião. Assim, aproveitando-se dos elementos utilizados para expor a parábola do Semeador, começa Ele a elaborar uma outra, a fim de esclarecer mais alguns mistérios do Reino dos Céus.
24 O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo.
À primeira vista — e com fundamento — somos levados a crer que se trata de um homem rico, tanto mais quanto ele possuía servos. Qual a razão pela qual ele não os envia para semear e, pelo contrário, trabalha o campo com suas próprias mãos? Alguns autores chegam a manifestar essa perplexidade. Entretanto, conforme mais adiante veremos, é cheia de sentido a figura proposta pelo Divino Mestre.
Convém também deixar claro que, ao afirmar Jesus ser o Reino dos Céus “semelhante a um homem”, não quis delimitar-se exclusivamente a uma pessoa, mas à cena toda na qual esse homem desempenha um papel, conforme assevera o teólogo jesuíta Pe. Juan de Maldonado, com quem estão de acordo os comentaristas atuais.
Repare-se também tratar-se da “boa semente”, pois, caso contrário, os frutos não seriam bons. A terra se caracteriza por sua fidelidade, ou seja, ela retorna o que a ela foi dado. Se a semente é de má qualidade, do mesmo teor será a colheita.
Versar sobre a semeadura da boa semente não é o objetivo principal da parábola, mas sim sobre a atividade do inimigo, segundo veremos.
25 Porém, enquanto os homens dormiam, veio o seu inimigo e semeou joio no meio do trigo, e foi-se.
Os comentaristas se perguntam se não houve incúria da parte dos servidores. Os antigos são rigorosos na interpretação dessas palavras, como, por exemplo, Maldonado: “Todos os intérpretes antigos entendem os que dormiam como sendo os bispos e aqueles que têm na Igreja o cuidado das almas. E — advirto — mesmo se a muitos deles não agrada essa aplicação, oxalá ela não se mostre verdadeira. Faço essa afirmação, embora não ignore que Cristo só quis dizer que o diabo joga sua semente clandestinamente” (2).
Por outro lado — ponderam os autores mais recentes — Jesus não afirmou que o inimigo praticou o mal “porque os servos dormiam”, mas, sim, “enquanto dormiam”. Lembram, então, outra passagem da Escritura na qual Ele afirma ter sido a noite feita para dormir (3). Ademais, o normal é vigiar o campo nas proximidades da colheita, e não logo após ter sido semeado, pois ninguém será tentado a roubar sementes lançadas à terra.
Não se trata de um inimigo qualquer, mas “do inimigo”, o principal. Seu gesto não poderia ser mais maldoso. Uma péssima ação como a sua só poderia ser movida por um grande ódio ou uma grande inveja. Entretanto, segundo relatos muito antigos, de pessoas que viveram em Jerusalém, vinganças como essa, de cortar uma árvore frutífera (oliveira, figueira, vinha, etc.) eram pecados próprios daquela região. Não falava apenas hipoteticamente o Senhor. O público não estranhou a menção a isso na parábola, e nem sequer ao caso da cizânia. Muito conhecida é essa erva por aqueles que cultivam o trigo. Ao desenvolver- se a plantação, o joio — cujo nome científico é Lolium temulentum — até chegar à fase das espigas, assemelhase muitíssimo ao trigo, de onde resulta interessante sua utilização metafórica.
Aí estão algumas razões pelas quais o v. 25 não insiste na nocividade do joio que entrelaça suas raízes às do trigo. Seu objetivo é apenas ressaltar a presença dessa erva daninha na plantação. Ademais, chama a atenção para o fato de ele ter sido ali espalhado pelo inimigo de forma clandestina, à noite, enquanto todos dormiam.
Comentando este versículo, São João Crisóstomo assim se expressa: “Com essas palavras nos faz ver que o erro vem depois da verdade, fato demonstrado pela experiência. (...) Tal é a malícia do diabo: semeia quando nasceram as sementes, para dessa maneira causar mais danos aos interesses do agricultor”.
Deus, em sua infinita sabedoria, criou os seres inteligentes em estado de prova, a fim de receberem meritoriamente o prêmio da glória eterna. E, por essa mesma razão, permitiu que os homens fossem tentados. Daí a necessidade da preciosa virtude da vigilância. Assim, independentemente da discordância entre comentaristas antigos e mais recentes, no tocante a este versículo conter ou não uma recriminação aos que dormem, é patente a ação do inimigo: “semeou joio no meio do trigo, e foi-se”. Ora, ele aproveitou o sono de seus adversários para praticar sua má ação. E neste particular o Evangelho de hoje reafirma o preceito do Senhor: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).
Nós semeamos no entusiasmo; é a fase de “fervor de noviço” durante a qual não há obstáculo que faça esmorecer nossas decisões. A própria virtude da prudência parece-nos um empecilho nesses momentos, e, de fato, sentimos viver um tempo mais de ousadia que de ponderação, no qual comprovamos quanta razão tinha Santa Teresinha do Menino Jesus ao dizer: “Para o amor nada é impossível”. Aliás, referindo- se à situação oposta, São Bernardo costumava afirmar que “é impossível ao noviço prudente perseverar na vocação”.
Com ou sem culpa de nossa parte, há um momento em que essa sensibilidade diminui, não mais sentimos aquele impulso fervoroso, e nos vemos na contingência de nos apoiar somente na razão (iluminada pela fé, é verdade), e no esforço de nossa vontade. É o cair da “noite escura”, segundo a linguagem de São João da Cruz. Durante esse período, o demônio, o mundo e a carne encontram em nossa alma terra fértil para lançar o joio.
Aqui se entende melhor a figura do sono: quando a sensibilidade se evanesce, é chegado o momento da vigilância, tal como nos aconselha Santa Teresinha de Lisieux, que dizia às noviças: “Vós vos entregais com excesso às coisas que fazeis; vossos afazeres vos preocupam demasiado. Há algum tempo, eu li que os israelitas construíam os muros de Jerusalém trabalhando com uma das mãos, enquanto que na outra mantinham sua espada. Eis aí a imagem do que temos de fazer: trabalhar com uma das mãos; a outra, devemos usá-la para defender nossas almas dos perigos que possam impedir a união com Deus”.
Poderíamos dar ainda outra aplicação à parábola: há uma “semente de joio” que levamos em nosso interior em estado latente, a da concupiscência. O Senhor semeou o bom trigo no Paraíso, ao criar nossos primeiros pais, Adão e Eva, concedendo-lhes a graça e dons que constituíam o estado de justiça original. Por seu lado, o demônio semeou a cizânia do pecado e, com este, o homem perdeu o dom de integridade.
Daí a concupiscência, que não é senão a inclinação natural do apetite aos bens sensíveis contrários à razão e à Lei de Deus.
Como opera em nós a concupiscência?

Nosso conhecimento natural se realiza através dos cinco sentidos, como afirma a Escolástica: “Nada há em nosso intelecto que não tenha antes passado pelos sentidos”. Ora, antes mesmo de a razão ter emitido seu juízo sobre a liceidade ou não de qualquer bem sensível, nosso apetite já se sentiu inclinado a ele. Mais ainda, sobretudo quando fortemente impressionado pela atração do bem sensível, nosso apetite continuará agindo sobre a razão, depois de esta ter baixado sua sentença proibitiva, procurando arrastá- la. Daí, ou há uma férrea força de vontade — que só pela graça de Deus se obtém — para se opor às febricitações da sensibilidade, ou buscaremos uma justificativa para nosso comportamento ilícito.
Continua no próximo post

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