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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Evangelho Festa da Exaltação da Santa Cruz - Jo 3, 13-17

Continuação dos comentários ao Evangelho da Festa da Exaltação da Santa Cruz - Jo 3, 13-17

Um fariseu simpático ao Messias
Toda essa doutrina está bastante vincada na conversa noturna de Nosso Senhor com Nicodemos, da qual este Evangelho recolhe um curto trecho que se conjuga de maneira extraordinária com a primeira leitura. Além de suculentíssima em conteúdo, essa conversa deve ter durado várias horas. Infelizmente São João a sintetiza em escassos parágrafos, de per si repletos de maravilhas.
Segundo São João Crisóstomo, Nicodemos “estava já bem disposto em relação a Cristo, se bem que sua fé fosse ainda débil e tão rude como a de todos os judeus”.9 Sendo fariseu e membro do Sinédrio, ele sabia do mau conceito que este tinha acerca de Jesus, e não queria manifestar sua adesão a Ele para não ter de enfrentar o próprio ambiente. E por tal razão “foi ter com Jesus, de noite” (Jo 3, 2), deslocando-se de modo sorrateiro pelas ruas, as quais, naquela época, eram iluminadas somente pelo brilho da Lua e das estrelas. Talvez ele tenha esperado uma noite de Lua nova ou de céu enevoado, a fim de evitar que sua silhueta se projetasse nos caminhos e, aproveitando-se da queda noturna da temperatura, tenha se acobertado bem, até a cabeça.
Este bom fariseu vai à procura de Nosso Senhor não só pela curiosidade de ver de perto aquele Mestre, cuja fama se espalhava por todos os recantos de Israel, como também porque desejava descobrir de onde vinha o poder de operar milagres, a força de expressividade de Jesus e a capacidade de penetração de seus ensinamentos, e se perguntava se não seria Ele um profeta precursor do Messias. Nicodemos tinha a mente repleta de interrogações, pois era um homem de espírito lógico, de princípios doutrinários muito sólidos e exímio conhecedor da Lei e das Escrituras, constante objeto de seu estudo. E ele queria conferir seu saber com a novidade trazida por Cristo. Aos poucos, no decorrer da conversa, o Divino Mestre irá trabalhando sua alma e abrindo-lhe os olhos para a Fé.
Uma alusão à união hipostática
“Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 13 ‘Ninguém subiu ao Céu, a não ser Aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem’”.
Como Nicodemos era fariseu convicto, o Divino Mestre usa um método muito didático e prudente para lhe falar da Encarnação. Se Ele lhe revelasse o mistério da união hipostática, dizendo: “Eu sou Deus, sou a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e assumi a natureza humana”, seu interlocutor não entenderia e até julgaria tal afirmação uma blasfêmia. É por meio de uma linguagem figurada que Jesus conversa a esse respeito, de forma a permitir que a graça, criada por Ele próprio, atue na alma de Nicodemos. Eis um princípio para o apostolado: quando nos encontramos num ambiente hostil à Fé ou despreparado para receber a Boa-nova, o melhor modo de evangelizar é através de figuras. Por isso, a arte, toda feita de símbolos, é um estupendo meio de tirar do pecado as gerações mais pervertidas e levá-las à santidade.
De início, Nosso Senhor diz que “ninguém subiu ao Céu”, referindo-Se à situação dos homens depois do pecado original, que ali estavam impedidos de entrar. Todos os justos do Antigo Testamento se encontravam no Limbo, onde não havia fogo, nem escuridão ou tormentos, mas o anseio de felicidade eterna, inerente a toda criatura humana, permanecia insaciado.10 Entretanto, quando o Filho “desceu do Céu”, encarnando-Se, Ele não abandonou o Céu, pois é Deus. E como sua Alma humana foi criada na visão beatífica desde o primeiro instante de sua existência, Jesus podia dizer com propriedade que “subiu ao Céu”. Logo, “ninguém” subiu ao Céu antes da Redenção, a não ser Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta afirmação levanta uma interrogação na cabeça de Nicodemos, enquanto Nosso Senhor prosseguia o discurso, remontando ao episódio das serpentes no deserto.
A realização da pré-figura
14 “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, 15 para que todos os que n’Ele crerem tenham a vida eterna”.
Assim como aqueles animais peçonhentos se propagaram pelo acampamento dos hebreus, o mal penetrou na face da Terra com o pecado de Adão. E não há outra salvação para os homens senão olhar para a verdadeira serpente de bronze, Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado.
A pré-figura da serpente, porém, é nada em comparação com o que se verificou de fato, porque a realidade sempre é muito mais rica do que o símbolo. Nosso Senhor poderia perdoar apenas nossa culpa, de maneira que, com a alma em ordem, tivéssemos uma eternidade feliz do ponto de vista natural. Mas Ele, além de nos curar do pecado, oferece a possibilidade de participarmos de sua própria vida divina, que jamais obteríamos pelos nossos esforços. Somos convidados a crer n’Ele, acolhendo tudo quanto nos trouxe ao vir ao mundo, quer sua doutrina, quer sua graça, recebida, sobretudo, através dos Sacramentos. Numa palavra, aceitar a Igreja e viver em união com ela. Para isso, era necessário que o Filho do Homem fosse levantado no Madeiro, como Jesus revela aqui a Nicodemos. Nesta afirmação também transparece a divina didática de Nosso Senhor, que toma o cuidado de não usar o termo crucifixão, mas emprega a expressão “ser levantado”, que poderia significar também sua Ascensão aos Céus, dependendo de como Nicodemos a interpretasse. No apostolado, muitas vezes, devemos agir desta forma, de proche en proche, a fim de predispor as almas a aceitar a verdade plena, sem lhe pôr obstáculos.
O infinito amor do Pai pelos homens
16 “Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho Unigênito, para que não morra todo o que n’Ele crer, mas tenha a vida eterna”.
Para aproveitarmos a imensa riqueza teológica deste versículo, pensemos, em primeiro lugar, que o Pai celeste não pode Se esquecer de nenhuma de suas criaturas. Se, por absurdo, isso acontecesse, elas voltariam ao nada no mesmo instante, pois é Ele quem tudo sustenta no ser. Lembremo-nos também de que Deus não pode criar algo que não seja para Si, para seu proveito e sua glória. Sendo assim, Ele nunca deixará de ter apreço pelos seres aos quais deu a existência. E tão grande é esse amor que Ele dá ao mundo seu Filho Unigênito, para que todos tenham vida e “a tenham em abundância” (Jo 10, 10).

Sem essa oblação, nós — na melhor das hipóteses — estaríamos destinados a passar a eternidade no Limbo, à luz de nossa própria inteligência, o que não pode ser chamado de verdadeira vida. Nosso Senhor Jesus Cristo nos oferece a vida eterna no Céu, onde receberemos a luz do próprio Deus para contemplá-Lo por todo o sempre, como diz o Salmo: “in lumine tuo videbimus lumen — na vossa luz veremos a luz” (35,10), a luz da visão beatífica.
Continua no próximo post

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