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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Evangelho – XXIII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 18, 15-20

Continuação dos comentários ao Evangelho – XXIII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 18, 15-20
“Não poupes a vara a teu filho”
Cornélio a Lápide, em sua famosa obra de comentários sobre as Sagradas Escrituras, assim se exprime sobre esta questão: “Não poupes ao menino a correção; se o castigares com a vara, ele não morrerá, diz o Livro dos Provérbios (Noli subtrahere a puero disciplinam; si enim percusseris eum virga, non morietur). Castiga-o com a vara e salvarás sua alma do inferno (Tu virga percuties eum et animam eius de inferno liberabis) (23, 13-14). A correção é para o menino o que o freio é para o cavalo e o aguilhão para os bois.
“Os pais que são demasiadamente indulgentes com seus filhos não os castigam, mas os expõem aos suplícios do inferno. Quem tem excessiva indulgência para com seu filho, é o seu mais cruel inimigo. Assim, pais e mães, se amais vossos filhos, aplicai-lhes a vara das correções, para não acontecer que eles vão parar no inferno; se os livrais daquelas, será para condená-los a este. Escolhei!
“Repetimos: a salvação e a felicidade dos filhos resultam de uma boa educação e da justa severidade dos pais. Pelo contrário, uma condescendência licenciosa e a falta de correção são o princípio da má conduta e da condenação dos filhos: eles caem em excessos e crimes que os levam à desgraça eterna. Quantos filhos, no inferno, maldizem os seus pais e os encherão de imprecações durante os séculos dos séculos, por terem negligenciado repreendê-los, corrigi-los e castigá-los, tornando-se assim causa de sua eterna perdição!
“Compreende-se o ódio desses desgraçados, porque tais pais lhes deram, não a vida, mas a morte; não o Céu, mas o inferno; não a felicidade, mas a desgraça sem fim e sem limites. O menino guarda até sua velhice e até a morte os costumes de sua infância e de sua juventude, de acordo com as palavras da Sagrada Escritura: ‘O caminho pelo qual o jovem começou a andar desde o princípio, dele não se afastará mesmo quando envelhecer. (Adolescens juxta viam suam etiam cum senuerit non secedet ab ea) (Pr 22, 6). A árvore que cedo se entorta continua com sua má inclinação até ser cortada e lançada ao fogo”.2
Dever de gratidão de quem é corrigido
Na vida comum, não é raro acontecer o caso de sairmos de casa distraidamente com algum desalinho em nossa apresentação: meias de cores diferentes, roupa mal-colocada, etc. Basta que, por caridade, alguém nos advirta para nós nos manifestarmos cheios de gratidão; se, pelo contrário, ninguém nos avisasse, ficaríamos ressentidos. Ora, maior motivo temos para agradecer a quem nos admoesta pela nossa falta de virtude, sobretudo naquilo que possa vir a constituir escândalo.
Inclusive as considerações daqueles que trilham as veredas do paganismo mostram irem no mesmo sentido os ditames da sabedoria humana neste particular. Plutarco afirma que nós deveríamos pagar bem aos nossos adversários porque dizem as verdades a nosso respeito. Os amigos, segundo ele, só sabem bajular, adular e lisonjear. 3 É, aliás, o que encontramos nas relações habituais de hoje em dia, ou seja, não nos deparamos com alguma correção a não ser quando se estabelece uma inimizade, só aí acabamos por conhecer o que realmente os outros pensam sobre nós.
Hugo de São Vítor sintetiza de modo sábio os bons efeitos da correção. Quando é aceita com humildade e gratidão, ela detém os maus desejos, coloca freio às paixões da carne, derruba o orgulho, apazigua a intemperança, destrói a superficialidade e reprime os maus movimentos do espírito e do coração.4 Por isso é que ganhamos um irmão quando somos ouvidos com boa disposição da parte de quem corrigimos, pois lhe devolvemos a verdadeira paz de alma e o reconduzimos ao caminho da salvação.
III – Correção amistosa diante de testemunhas
“Se não te escutar, toma contigo uma ou duas pessoas, a fim de que toda a questão se resolva pela decisão de duas ou três testemunhas”.
O empenho de salvar nosso irmão deve ser penetrado de forte zelo. Caso tenha sido infrutífera a advertência a sós, não se deve abandoná-lo, pelo contrário, é preciso insistir.
A orientação dada aqui pelo Divino Mestre não visa preencher o procedimento exigido pelo Deuteronômio: “Sobre o depoimento de duas ou três testemunhas morrerá aquele que tiver de ser morto. Mas não será morto sobre o depoimento de uma só. [...] Ambos os contendores comparecerão diante do Senhor, na presença dos sacerdotes e dos juízes que estiverem em exercício naqueles dias” (Dt 17, 6; 19, 17). Pelo contrário, ela tem por objetivo utilizar o instinto de sociabilidade como poderoso elemento de pressão psicológica para tentar “ganhar o irmão”.
Ainda estamos num âmbito de privacidade, e por isso a reputação social do infrator encontra-se resguardada. Por outro lado, a presença de testemunhas poderá criar-lhe certo temor saudável e, quiçá, tornar-lhe impossível deixar de admitir sua culpa. Se ele vier a reconhecê-la, verificar-se-á o efeito visado na primeira investida, expresso no versículo anterior.
A eficácia deste meio baseia-se no apreço que o transgressor possa devotar ao conceito que desfruta junto aos outros. Não se trata, portanto, de colocá-lo entre a espada e a parede, judicialmente falando, pois bem poderia uma ação desse teor mais suscitar um irreversível ódio do que propriamente conduzi-lo a um sentimento de dor por sua falta. Esses tais outros a serem convocados não devem exercer a função de testemunhas de acusação em juízo, mas sim a de auxiliares na correção amistosa. Portanto, a fama e o decoro do infrator serão objeto de todo cuidado possível.
“O que devemos fazer, caso não tenhamos persuadido nosso irmão, o Senhor o diz com estas palavras: ‘E se não te escutar, toma contigo uma ou duas pessoas’, etc. Quanto mais desavergonhado e obstinado for ele, tanto mais convém aplicar-lhe o medicamento, mas sem movê-lo à cólera e ao ódio. Quando vê que a enfermidade não cede, o médico não desiste, mas é então que ele mais se prepara para vencê-la. Veja, pois, como nossa meta não deve ser a vingança, mas sim a emenda pela correção; isto obtido, não manda o Senhor que em seguida se tomem dois, mas só quando ele não quiser emendar-se. E nem mesmo neste caso quer que ele seja enviado ao povo, mas que seja corrigido diante de um ou de dois, conforme previne a Lei, a qual diz: ‘Que toda palavra saída da boca de duas ou três testemunhas seja tomada em consideração’. É como se dissesse: tendes um testemunho, fizestes a vossa parte”.5
Segundo São Jerônimo, isso pode ser entendido também desse modo: “Se ele não quis te escutar, apresenta-o tão-somente a um irmão; e se não atender a este, apresenta-o a um terceiro, seja para que ele se corrija por vergonha ou por teu conselho, seja para que veja que ages diante de testemunhas”.6 E a este comentário deve-se acrescentar o que diz a Glosa: “Ou para que, caso ele diga que não pecou, as testemunhas provem que pecou”.7
IV – O bem da própria Igreja
“Se recusa ouvi-las, dize-o à Igreja. E se recusar ouvir também a Igreja, seja ele para ti como um pagão e um publicano”.

Ao chegar a esse estágio, tornou-se patente que o método amigável fracassou; o culpado persistirá em seu ódio, em suas mazelas, ou em seus erros, e nesse caso não caberá senão recurso à Igreja, aquela instituição prometida por Nosso Senhor Jesus Cristo que seria fundada sobre a pedra chamada Pedro. Permanece ainda em foco o zelo pela alma do culpado e por seu bem particular, mas outro bem se torna presente: o da própria Esposa de Cristo.
Continua no próximo post

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