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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Evangelho XXX Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 22,34-40

Continuação dos comentários ao Evangelho XXX Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 22,34-40
Sabedoria de Cristo e insuficiência dos que O invejavam
“Jesus disse-lhe: ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Este é o máximo e o primeiro Mandamento’”.
A pergunta que foi dirigida a Jesus sai de lábios talvez trabalhados pela sabedoria humana, para ouvidos plenos de Sabedoria divina. O doutor da Lei não pergunta para conhecer a verdade, mas sim para tentar a Deus. O Evangelho é pervadido dessa polêmica entre a Sabedoria de Cristo e a pobre insuficiência dos que O invejavam. Num determinado momento, será um problema judaico de teor religioso-moral, o da adúltera apanhada em flagrante (Jo 8, 3-11); em outra ocasião virão os saduceus com o episódio dos sete irmãos que se casaram sucessivamente com a viúva do primeiro deles (Mt 22, 23-32); ou então o famoso dilema do pagamento do tributo (Mt 22, 15-22); e assim por diante.
Está diante deles, porém, um Homem-Deus que penetra o mais fundo dos corações, como o pôde comprovar Natanael que chegou a concluir ser Jesus “o Filho de Deus, o Rei de Israel” (Jo 1, 45-50). Na mesma linha, a samaritana, tomada de surpresa pelo conhecimento minucioso de sua vida, revelado por Jesus, não hesitou em considerá-Lo um grande Profeta. Ou então, Cristo deixa transparecer como sabia qual era o pensamento dos Apóstolos quando ardia em seus corações o desejo de serem os maiores no Reino dEle (Lc 9, 46-48). E ainda muito mais.
No preceito da caridade estão concernidas as demais virtudes
Por isso, a resposta de Jesus é simples e ao mesmo tempo grandiosa: o amor a Deus! São Tomás de Aquino nos ensina que o fim da vida espiritual é a união com Deus, a qual se torna efetiva pela caridade, ou seja, pelo amor a Ele. Assim, toda vida espiritual deve estar submetida a este último fim. Daí afirmar o Apóstolo: “O fim do preceito é a caridade que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera” (I Tim 1, 5).
Em vista disso, todas as virtudes se conjugam para purificar a caridade dos males e das desordens oriundas das más inclinações. Ademais, ela auxilia cada um a proceder com boa consciência e, dessa forma, agir com fé reta e sincera, no relacionamento com Deus. Portanto, no preceito da caridade encontram-se concernidas as demais virtudes.11
“Amarás o Senhor teu Deus com todas as tuas forças”
Sobre esta passagem, comenta Maldonado:
“Marcos diz primeiro: ‘Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor’ (12, 29). [...] Os dois mandamentos estão na mesma passagem, em Moisés. O primeiro é que creiamos num só Deus; o segundo, que O amemos de todo o coração, pois é claro que quem cresce em muitos dividiria o amor e não amaria nenhum com todo o seu coração, porque ninguém pode amar a dois senhores (cf. Mt 6, 24). “‘De todo o teu coração e com toda a tua alma’. Alguns intérpretes fazem aqui distinções por demais sutis, a meu juízo. Parece-me que isso significa que amemos a Deus o quanto possamos e empreguemos em seu serviço as nossas posses. Assim o ensina Santo Agostinho: ‘Ao dizer com todo o coração, com toda a alma, com toda a inteligência, não deixa parte alguma do homem livre e desocupada para amar outra coisa segundo o seu capricho: qualquer objeto que se nos apresente digno de amor deve ser arrastado pela corrente de nosso único afeto’.
“Finalmente, o que em diversas passagens ou com diferentes palavras se diz no Deuteronômio (6, 5), aqui está resumido numa só, consignada por Lucas: ‘Amarás o Senhor teu Deus com todas as tuas forças’ (Lc 10, 27)”.12
Alma e espírito
Pareceria, à primeira vista, haver uma certa redundância didática na repetição: “de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito”, contida no versículo 37. Entretanto, explicam-nos certos autores a diferença existente entre alma e espírito e, assim, podemos compreender a razão mais profunda da afirmação de Nosso Senhor.
“Melhor se deve entender por ‘alma’ a parte inferior da alma, a que olha a vida natural. E por ‘espírito’ a parte superior, a que considera as coisas espirituais e divinas. A alma indica, pois, a natureza da alma. O espírito, a mente imbuída da graça e o impulso comunicado à mente pelo Espírito Santo.
“Portanto, a alma é natural e considera as coisas naturais. O espírito, as coisas sobrenaturais e celestes. Assim, pois, o espírito significa: em primeiro lugar, a mente; em segundo lugar, o veemente impulso da mente e o fervor do gozo e do júbilo; em terceiro lugar, o fato de que esse impulso da mente é comunicado e infundido pelo próprio Espírito Santo”.13
Portanto, a “alma”, subjetivamente falando — em si mesma — é una e simples. O que varia é o objeto sobre o qual ela atuará. Ora, o Divino Mestre nos recomenda que até na própria vida natural tudo façamos em função de Deus que nos criou.
Quanto ao “espírito”, seguindo a linguagem da Escritura, é movimento do ânimo, impulso, etc. É nesse sentido que poderá haver um bom ou um mau espírito: “Não sabeis de que espírito sois animados” (Lc 9, 55), disse Jesus aos Apóstolos irmãos, Tiago e João, que desejavam, por pura vingança, mandar descer fogo do céu para consumir as cidades que lhes negavam hospedagem. Neles, não havia um espírito sobrenatural, mas puramente humano, de cólera má e vingança, contrário ao espírito dAquele que viera para salvar e não para perder.
O homem há de viver somente para amar a Deus
A expressão “de todo o teu coração” encontra belíssima explicação em São Gregório Magno: “O que a morte faz nos sentidos do corpo, o amor faz nas concupiscências da alma. Alguns amam de tal maneira a Deus, que desprezam tudo quanto é sensível; e enquanto em sua intenção miram o eterno, fazem-se insensíveis para tudo quanto é temporal. Pois nesses, o amor é forte como a morte; porque, assim como a morte mata todos os sentidos exteriores do corpo e o priva de sua própria e natural apetência, assim também o amor em tais pessoas as força a menosprezar todo desejo terreno, tendo a alma ocupada em outra coisa à qual atende. A esses, mortos e vivos, dizia o Apóstolo: ‘Estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus’ (Col 3, 3). [...] Pois, morto o homem para si mesmo, há de viver somente para amar a Deus, e há de amá-Lo com todo o coração e alma... Em todas as suas potências estará o seu Amado, sem fechar-Lhe porta alguma... Quem ama a Deus não deve recebê-Lo apenas num aposento de sua alma, mas também em sua memória, em seu entendimento e em sua vontade. Em todos há de hospedar o seu Criador e Senhor do mundo. Não empregará em seu serviço somente um afeto da vontade, mas todos os seus afetos e sentidos. Porque — como dissemos — se alguém, tendo cinco ou seis criados, hospedasse um rei, não mandaria a um só criado servi-lo, mas quereria que todos se desdobrassem em seu serviço”.14
Os dois principais Mandamentos

“Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças” (Dt 6, 4-5). Esta era a determinação de Deus, transmitida ao Povo Eleito pela voz e pluma de Moisés. Os doutores da Lei bem a conheciam, ou seja, era uma obrigação religiosa que esse amor a Deus penetrasse toda atividade consciente daquele povo e, assim, fosse tomado como “o máximo e primeiro Mandamento”, por sua alta dignidade e por pervadir toda a atividade do homem, sobretudo no cumprimento de seus deveres e obrigações para com Deus.
Continua no próximo post.

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