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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Evangelho – XXXIII Domingo do Tempo Comum - Ano A - Mt 25, 14-30

Comentário ao Evangelho – XXXIII Domingo do Tempo Comum – Mt 25, 14-30
22 “Chegou também o que havia recebido dois talentos, e disse: ‘Senhor, tu me entregaste dois talentos. Aqui estão mais dois que lucrei’. 23 O patrão lhe disse: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!’”.
O mesmo ocorre com o servo que teve igual empenho em relação aos bens, entretanto menores, a ele entregues para administrar, porque Deus premia cada um segundo o uso que fez dos dons recebidos.
Terrível situação do servo infiel
24 “Por fim, chegou aquele que havia recebido um talento, e disse: ‘Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. 25Por isso fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence’”.
Quanto ao terceiro servo, terrível é sua situação! Chegada a hora de prestar contas, percebe que se tinha deixado levar pelo egoísmo e pela falta de zelo. Em lugar de utilizar os dons para a glória de Deus e salvação das almas, pensou apenas em suas próprias conveniências.
Ora, quando Deus nos concede determinadas qualidades, quer que elas sejam usadas em benefício dos outros, conforme adverte São Pedro: “Como bons administradores da multiforme graça de Deus, cada um coloque à disposição dos outros os dons que recebeu” (I Pd 4, 10). Afinal, a Lei não se resume no amor a Deus e ao próximo como a si mesmo? Como o bem é eminentemente difusivo, o servo negligente deveria ter exclamado com São Paulo: “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!” (I Cor 9, 16).
Sobre a necessidade de assim procedermos, explica um moralista contemporâneo: “O cristão deixa de ser fiel, não só na medida em que renega sua fé, mas também na medida em que não se esforça por fazê-la frutificar. [...] É uma lei, não de ‘moral’, mas da vida. [...] Toda fecundidade implica saída de si mesmo, saída que é risco e doação”.12
Em síntese, afirma Santo Agostinho: “Toda a culpa do servo reprovado reduz-se a isto: não quis dar. Guardou íntegro o valor recebido, mas o Senhor queria seus lucros. Deus é avaro no relativo à nossa salvação”.13

Medo e revolta ao ser descoberto
Diante do bom exemplo dos dois servos anteriormente chamados, aquele que recebeu um talento certamente se deu conta de seu mau procedimento. Poderia ter reconhecido sua culpa e pedido perdão, mas a parábola, como vimos, representa o momento do Juízo, quando não há mais tempo para fazer render os talentos recebidos. “Qualis vita, finis ita”: a pessoa será julgada pelo que fez e pelo que deixou de fazer.
Antes, quando deveria ter trabalhado em favor do seu senhor, o servo se iludiu, pensando que ele jamais retornaria; ou, então, julgou ser possível encontrar uma boa desculpa na hora de prestar-lhe contas; ou fez qualquer outra racionalização para justificar sua indolência. Agora ele está “com medo”, por ver a impossibilidade de ocultar sua negligência.
Ao invés de reconhecer que errou, revolta-se contra o patrão, acusando-o de injusto: “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste”. É o que sempre acontece quando a pessoa, por culpa própria, não faz render os talentos a ela confiados: procura falsas razões para justificar o mal realizado. Porque o ser humano é um monólito de lógica.14
Em ocasiões como essa, afirma o moralista acima mencionado, inculpa-se a Providência pela “injustiça existente no mundo, imputa-se ao Altíssimo a responsabilidade por esse mal quando, na realidade, é a ineficácia do homem que engendrou tanta miséria que se ergue insultante contra o plano de Deus”.15
Temerária insolência, porque Deus conhece perfeitamente o nosso interior. Diante d’Ele, inútil é qualquer racionalização. No Juízo, não haverá como ludibriá-Lo. A vida do pecador se apresentará sem justificativas, tal como tiver decorrido aos olhos d’Aquele por Quem ele deveria ter feito render os talentos recebidos. É o que mostram os versículos seguintes.
Incriminado por suas próprias palavras
26 “O patrão lhe respondeu: ‘Servo mau e preguiçoso! Tu sabias que eu colho onde não plantei e que ceifo onde não semeei? 27 Então devias ter depositado meu dinheiro no banco, para que, ao voltar, eu recebesse com juros o que me pertence’”.
A resposta do patrão é categórica! Além de repreender a preguiça do servo, faz voltar contra ele o pretexto sofístico apresentado.
Se, de fato, conhecia a presumida severidade do patrão, por que não agiu em consequência, tirando ao menos o lucro que os juros bancários lhe dariam? Quer dizer, se ao receber esses dons os tivesse posto à disposição de outros, ao menos teria obtido algum rendimento.
Comenta a esse propósito São Gregório Magno: “O servo é interpelado com suas próprias palavras, quando lhe diz o Senhor: ‘Colho onde não plantei e ceifo onde não semeei’. É como se lhe dissesse: ‘Se, na tua opinião, exijo aquilo que não dei, com muito maior razão exigirei de ti o que te entreguei para obter lucros’”.16
Novos benefícios para quem agiu bem
28 “Em seguida, o patrão ordenou: ‘Tirai dele o talento e dai-o àquele que tem dez! 29 Porque a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado’”.
Surpreendente é esta primeira parte do veredicto pronunciado pelo patrão: retirar do servo infiel o talento e dá-lo ao que já tinha dez.
Os dons que Deus nos outorga, mesmo os naturais, se não forem devidamente exercitados, tendem a definhar. Vemos acontecer algo semelhante no organismo humano: quando um membro fraturado é imobilizado, seus músculos se tornam flácidos no período de inação. Do mesmo modo, os predicados morais ou intelectuais não utilizados se debilitam e rumam para o desaparecimento.
Assim o afirma São Jerônimo: “Muitos, embora sendo sábios por natureza e dotados de agudeza de espírito, se foram negligentes e corromperam por indolência sua bondade natural [...] perdem a bondade natural e veem passar a outros o prêmio que lhes havia sido prometido”.17
A negligência do “servo mau e preguiçoso” se transformará em novas vantagens para quem soube bem aplicar seus talentos. Os dons deixados de lado revertem para os mais generosos. É um belo aspecto desta parábola: o que é rejeitado ou mal usado, Deus recolhe e dá a outros, para o fazerem render.
Ora, se assim acontece com os bens materiais ou espirituais, mais válido ainda é esse princípio no campo das realidades sobrenaturais: diante do egoísmo, Deus retrai suas graças e a alma se torna estéril.
Condenação eterna do servo inútil
30 “Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão. Ali haverá choro e ranger de dentes!”.
Última e triste consequência do pecado: desprovido do seu talento, o “servo inútil” é condenado ao inferno, onde servirá não ao seu patrão, mas sim a Satanás.
Tamanho castigo apenas por ter deixado de usar os talentos recebidos?
Sim, porque “os pecados de omissão, que com frequência acompanham uma vida moralmente ‘honrada’, contrariam diretamente o plano bíblico a respeito do homem, uma vez que Deus lhe confiou a perfeição de sua obra: continuá-la e completá-la”.18
O objetivo da parábola é justamente mostrar de forma viva e atraente nossa obrigação de utilizar os dons que Deus nos concedeu para sua glória e para a salvação das almas, bem como o castigo destinado àqueles que assim não procederem.
Por isso, adverte São Gregório Magno: “Quem não tem caridade, perde todo o bem que possui, fica privado do talento que havia recebido e, segundo as palavras do próprio Deus, é lançado nas trevas exteriores”.19
IV – Progredir sempre!
Desse modo, a Liturgia deste domingo nos lembra uma verdade essencial: o progresso na vida espiritual não é uma opção, mas uma obrigação; temos de devolver a Deus muito mais do que Ele nos confiou para fazer render. Tanto mais que Ele nos assiste a cada passo com a sua graça, ajudando-nos a bem cumprir essa missão.
Nossa gratidão deve ser proporcional; portanto, precisa ser maior em relação aos dons sobrenaturais, pois o que recebemos de graças é incalculável! Uma única Comunhão, por exemplo, já seria suficiente para justificar a vida inteira de um homem. Ele poderia passá-la toda preparando-se para, no fim, receber uma vez em seu coração Nosso Senhor sacramentado; e depois, na ação de graças, dizer-Lhe: “‘Nunc dimittis servum tuum’ (Lc 2, 29). Deixai agora partir em paz vosso servo, porque acolhi o próprio Jesus Cristo em Corpo, Sangue, Alma e Divindade nas Espécies Eucarísticas. Porque a Luz que veio iluminar as nações penetrou na minha alma assumindo-a e santificando-a”. E, contudo, a Sagrada Eucaristia está aí, continuamente à nossa disposição, para nos cumular de favores espirituais extraordinários...
Todos nós temos capacidades e dons, e a consequente obrigação de desenvolvê-los em favor do próximo, de fazer apostolado com nossos semelhantes, de maneira a também eles poderem participar desses benefícios que recebemos gratuitamente de Deus. Caso contrário, tomaremos o triste caminho do terceiro servo.
Trata-se, pois, de sacrificarmos os nossos interesses pessoais e fazermos bem aos irmãos, nunca nos colocando no centro das atenções, as quais devem se voltar unicamente para Deus, a Quem tudo pertence.
Na realidade, o Senhor verdadeiro, que vai cobrar-nos no dia do Juízo, esse Senhor não viajou, mas está sempre entre nós, e nos acompanha a cada passo rumo à eternidade, ajudando-nos em todas as necessidades.
Entretanto, se de algo nossa consciência nos acusar ao meditarmos sobre esta passagem do Evangelho, lembremos que na parábola falta uma figura: a Mãe do Senhor. Ela sempre está ao nosso lado, acompanhando-nos e advogando por nossa causa diante de seu Divino Filho. Peçamos, pois, que essa afetuosa Mãe nos obtenha, em qualquer situação na qual nos encontremos, um irresistível influxo de graças, de maneira a fazermos render ao máximo os talentos recebidos.
1 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q.79, a.4, Resp.
2 SÃO JERÔNIMO. Commentariorum in Evangelium Matthæi, l.4.
3 SÃO GREGÓRIO MAGNO. Homiliarum in Evangelia. l.1, h.9, c.1.
4 FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible commentée. Paris: Letouzey et Ané, 1912, t.VII, p.164.
5 Cf. Idem, ibidem.
6 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Obras Ascéticas. Madrid: BAC, 1956, v.II, p.642.
7 SÃO JERÔNIMO, op. cit., ibidem.
8 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilia 73, c.2. In: Homilias sobre el Evangelio de San Mateo. Madrid: BAC, 1956, v.II, p.558-559.
9 SANTO AMBRÓSIO. Expositio Evangelii Secundum Lucam. l.VIII, c.96.
10 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I, q.103, a.6, Resp.
11 SÃO JOÃO DE ÁVILA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953, v.II, p.289.
12 FERNÁNDEZ, Aurelio. Teologia Moral. Burgos: Aldecoa, 1992, v.I, p.249.
13 SANTO AGOSTINHO. Sermo 94.
14 “Todo pecado pressupõe um grande erro no entendimento, sem o qual seria psicologicamente impossível. [...] É psicologicamente impossível para o homem que a vontade humana se lance à possessão de um objeto se este não é apresentado pelo entendimento como um bem” (ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología moral para seglares. 7.ed. Madrid: BAC, 1996, v.I, p.232).
15 FERNÁNDEZ, op. cit., p.250.
16 SÃO GREGÓRIO MAGNO, op. cit., c.3.
17 SÃO JERÔNIMO, op. cit., ibidem.
18 FERNÁNDEZ, op. cit., p.250.

19 SÃO GREGÓRIO MAGNO, op. cit., c.6.

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