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sexta-feira, 18 de julho de 2014

Evangelho – XVII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 13, 44-52

Comentário ao Evangelho – XVII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 13, 44-52
 As parábolas sobre o Reino
Três parábolas sobre o Reino — a do tesouro escondido, a da pérola e a da rede —, preciosos ensinamentos para a nossa vida espiritual a fim de alcançarmos a eterna salvação. Quando os “pescadores” separarem os “peixes”, no fim do mundo, estaremos nós entre os bons, ou entre os maus?
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Naquele tempo disse jesus a seus discípulos: 44“O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo que, quando um homem o acha, esconde-o e, cheio de alegria pelo achado, vai e vende tudo o que tem e compra aquele campo.
45 O Reino dos Céus é também semelhante a um negociante que busca pérolas preciosas, e tendo encontrado uma de grande preço, vai, vende tudo o que tem e a compra.
47 “O Reino dos Céus é ainda semelhante a uma rede lançada ao mar, que apanha toda a espécie de peixes. Quando está cheia, os pescadores tiram-na para fora e, sentados na praia, escolhem os bons para cestos e deitam fora os maus. Será assim no fim do mundo: Virão os Anjos e separarão os maus do meio dos justos, e lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes.
51 Compreendestes tudo isto?”. Eles responderam: “Sim”. Ele disse-lhes: “Por isso todo o escriba instruído nas coisas do Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13, 44-52).
 I – O Reino revelado pelo Divino Mestre
Tendo sido enviados alguns soldados pelas autoridades religiosas do Templo para prender Jesus, retornaram sem cumprir a missão, alegando ter sido impossível executá-la, pelo simples fato de nunca ninguém ter falado como Ele. Transparece, nesse episódio, o grande poder de expressão da verdade ensinada pela Verdade Encarnada. Ninguém jamais chegou a ser Mestre, ou virá a sê-lo, em toda significação do termo, como o foi Jesus Cristo. Quem, de fato, conseguirá ultrapassar em pedagogia o Pregador Divino?
Consideremos também quanto o homem é moralmente incapaz de conhecer por si só e plenamente as verdades religiosas, necessitando para tal do concurso da Revelação. E também a esse respeito devemos questionar: quem melhor do que o próprio Jesus para oferecer essa Revelação? Ele trazia do alto uma rica variedade de temas para nos instruir, entre os quais se encontrava o do Reino de Deus.
Objetivo dos ensinamentos de Jesus
Seu grande desejo era nos fazer conhecer diretamente as maravilhas que o Pai tinha nos preparado, pois não é fácil exprimi-las em linguagem humana, como o próprio São Paulo diria: “Nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem entrou no coração do homem, o que Deus preparou para aqueles que O amam” (I Cor 2, 9). Mas se Ele nos mostrasse o Reino dos Céus, ao invés de no-lo revelar, perderíamos os méritos. Por isso, tornava-se indispensável servir-se de imagens aproximativas, muito penetradas de lógica e verossimilhança, e facilmente acessíveis à nossa inteligência. Os recursos de uma oratória empolada não eram necessários ao Mestre, por ser Ele quem era e por comunicar uma doutrina eterna, grandiosa, portanto, na sua própria substância.
Em face do anteriormente dito, e analisando os fatos como se realizaram, torna-se claro para um simples leitor dos Evangelhos o quanto Jesus não teve por objetivo, em Sua vida pública, formar profissionais, artistas ou especialistas em ciência. Ele Se empenhou em constituir as pedras vivas de Sua Igreja para encaminhá-las ao Seu Reino eterno. Compreendemos também melhor algumas das razões que O levaram a Se apresentar, em Sua missão, como perfeito e excelente modelo para todos os que são chamados a ensinar. Pelo Seu modo de agir, advertia os erros, enganos e desvios daqueles que visam fazer-se conhecidos através da docência, ou daqueles que procuram se apropriar da verdade, quando na realidade é ela um bem comum.
Depois de Jesus, os Santos e os Doutores muito nos esclareceram sobre este ponto particular, como o fez Santo Agostinho ao escrever: “Quem reivindica para si próprio aquilo que Vós ofereceis para uso de todos, querendo como particular o que é de todos, é reduzido do que é de todos para o que é seu, isto é, da verdade para a mentira”.1 Sim, debaixo deste prisma, Jesus nos deu o mais alto exemplo de despretensão, tal como nos diz São Paulo: “Sendo de condição divina, não reivindicou o direito de ser igual a Deus, mas aniquilou-Se a Si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-Se semelhante aos homens” (Fl 2, 6-7). Por isso, invariavelmente, nós O encontramos reportando-Se ao Pai.
Supremacia do Divino Magistério
Eis alguns elementos que nos levam a melhor entender o porquê de Jesus Se fixar nos céus da História como o Divino Mestre. Assim, afirma o Doutor Angélico: “Cristo é o principal doutor da doutrina espiritual e da fé, conforme a Carta aos Hebreus: ‘Tendo começado a ser anunciada pelo Senhor, foi depois confirmada entre nós pelos que a ouviram, confirmando Deus o seu testemunho por meio de sinais, prodígios’, etc. (Hb 2, 3-4)”.2
E, de fato, com toda segurança pode-se falar numa excelência do Magistério de Cristo, pois “o poder de Cristo ao ensinar se vê, seja pelos milagres com que confirmava a doutrina, seja pela eficácia com que persuadia, seja pela autoridade com que falava, pois o fazia como quem tinha domínio sobre a lei, afirmando: ‘Eu, porém, vos digo’ (Mt 5, 34), seja finalmente pela retidão de seu proceder, vivendo sem pecado”.3
Reforçando ainda mais essa visualização sobre o Sagrado Magistério do Divino Mestre, São Tomás nos mostra como a ciência sagrada supera todas as outras, seja quanto ao seu objeto, pois se ocupa de temas elevados que são inacessíveis à pura razão humana, enquanto as outras só abrangem o que se encontra em seus limites; seja quanto à certeza, pois a ciência sagrada baseia-se na Luz divina que é infalível, e as outras na luz da razão, que é passível de erro. Daí concluir: “Logo, é evidente que, sob todos os aspectos, a ciência sagrada é mais nobre que as demais”.4
Diante dessa supremacia do Divino Magistério de Jesus, reconsideremos por que razão servia-se Ele de parábolas em Seu ensino.
Método que entrelaça simplicidade e eternidade
As parábolas eram muito comuns no Antigo Testamento. Entre elas podemos mencionar a do canto da vinha de Isaías (cf. 5, 1-7), ou a usada por Natã para invectivar Davi por seus pecados (cf. II Sam 12, 1-4). Tudo leva a crer que, nos tempos da vida pública de Nosso Senhor, elas haviam se tornado ainda mais utilizadas, sobretudo entre os rabinos. Eram de tipo muito variado, incluindo uma comparação com o intuito de tornar acessível um ensinamento árduo de ser entendido. Enquanto instrumento pedagógico, apesar de sua simplicidade –– e talvez até por essa razão —, acabavam por ser atraentes, pois, devido a certa nota de ambigüidade que sempre as acompanhava, resultavam enigmáticas. Assim, ficavam curiosamente intrigados aqueles que não alcançavam seu inteiro significado, e os que captavam seu conteúdo gozavam de alguma alegria. Daí dirigir-se o Divino Mestre aos Seus ouvintes nestes termos: “Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça” (Mc 4, 9).
Discutem entre si os autores a esse propósito. Alguns, através de um prisma feito de justiça, analisam as parábolas enquanto sendo um procedimento utilizado pelo Messias com o objetivo de castigar os que se negavam a acreditar na Revelação, apesar de Seus milagres. Entre eles sobressai Maldonado, bem como Knabenbauer e Fonk. Outros, pelo contrário, a partir da misericórdia explicam que o suave véu das parábolas visava estimular o interesse dos circunstantes, levandoos a fazer perguntas, e por isso afirma São Jerônimo: “Mistura o claro com o obscuro para que, por meio do compreensível, alcancem o que não entendem”.5
Também era indispensável que Jesus formasse Seus discípulos passo a passo — e não de maneira brusca — dentro dos novos horizontes. E sob este ponto de vista, o método por Ele adotado não poderia ser melhor. De si, a parábola deveria ser simples, desprovida de qualquer caráter rebuscado e, ao tratar de matéria ligada à eternidade, tornava-se sempre atual. Simplicidade e eternidade eram termos que se entrelaçavam no cerne da Revelação trazida por Jesus a respeito do Reino.
Duas visões opostas do Reino
Os judeus tinham uma concepção equivocada sobre este ponto em particular. Julgavam ser a vinda do Messias uma oportunidade única para a realização do sonho nacionalista do povo eleito: uma intervenção divina para instaurar uma era histórica na qual a supremacia política, social e financeira sobre todos os povos seria atingida com glória e triunfo.
Bem no sentido oposto estava o conteúdo da Revelação sobre o verdadeiro Reino. Neste, tudo é despretensão, lentidão e enfrentamento de obstáculos. Daí sua aproximação com as figuras do grão de mostarda, do joio e do trigo, parábolas contrapostas aos erros de visualização do povo judeu.
Jesus prega à multidão
Essa é a temática tratada ao longo de todo o capítulo 13, de São Mateus. Neste, acompanhamos a pregação de Jesus na Galiléia. Ao sair de casa, Jesus se senta à margem do mar de Tiberíades. Envolve-O tal multidão que se vê Ele na contingência de subir a uma das barcas, para dali falar a todos. Discorre novamente em parábolas: o semeador, a cizânia, o grão de mostarda, o fermento. Depois disso, despede os ouvintes e retorna para casa. Uma vez a sós com os discípulos, Lhe é feito o pedido de explicações sobre a metáfora da cizânia. Se continuarmos a ouvi-Lo, penetraremos no trecho do Evangelho da Liturgia de hoje.

Se bem que São Mateus apresente esses ensinamentos como tendo sido proferidos em casa, somente aos discípulos, e não à multidão, Maldonado opina em sentido contrário: “Eu creio ser mais provável que os tenha dito a todos antes, junto com as outras parábolas”.6
Continua no próximo post

quinta-feira, 17 de julho de 2014

EVANGELHO XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM —ANO A — Mt 13, 24-43

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO — XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A
III – A PARÁBOLA DO GRÃO DE MOSTARDA
31 Propôs-lhes outra parábola, dizendo: “O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. 32 É a menor de todas as sementes, mas, depois de ter crescido, é maior que todas as hortaliças e chega a tornar-se uma árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar nos seus ramos”.
Os ouvintes desta parábola conheciam bem a denominada Sinapis nigra em botânica, vulgarmente chamada mostarda (Mustum ardens), característica por sua minúscula semente que, entretanto, ao ser plantada, produz um viçoso arbusto sempre verde. Não é raro acontecer de um exegeta, por pura curiosidade, cultivá-la em seu jardim e arrancá-la depois de um ou dois anos, pelo receio de sua vigorosa fecundidade. É erva muito comum na Palestina, sobretudo nas regiões de maior calor, chegando a atingir três a quatro metros de altura, de modo que as aves fazem ninhos em suas ramagens.
Quiçá Deus tenha criado a mostarda principalmente para servir de elemento para esta bela parábola do Salvador. Pequeníssima em seu ponto de partida, surpreendente em seu desenvolvimento final, esse vegetal bem serve para ilustrar a etiologia e força do apostolado católico, e o próprio Reino dos Céus. Quem esteve presente quando Jesus, pouco antes de subir aos Céus, transmitiu suas instruções aos onze Apóstolos (9), não poderia imaginar que, no futuro, haveria multidões de fiéis assistindo aos funerais de João Paulo II, ou à Missa inaugural do Pontificado de Bento XVI.
O crescimento é um elemento essencial no ensinamento desta parábola. O Reino de Deus e o apostolado são quase imperceptíveis em seu começo, mas ao longo do tempo sua expansão será incalculável, sobretudo pela desproporção entre a escassez dos meios e a grandeza dos efeitos.
Quando um bebê é levado à pia batismal e ali é tocado pelas águas da graça, Deus o santifica. Anos mais tarde algumas dessas tenras e delicadas crianças serão gigantes na fé, e não há quem não conheça um São João Bosco, ou uma Santa Teresinha do Menino Jesus, por exemplo. Árvores frondosíssimas, nascidas de cerimônia tão simples... Seguindo o conselho de São Jerônimo, comparemos as máximas evangélicas com as sentenças dos grandes sistemas filosóficos, ou até mesmo com as grandes descobertas científicas dos dias de hoje. Nada mais oposto em termos de simplicidade e complexidade. Entretanto, é só dar tempo ao tempo para comprovarmos os efeitos diversos.
IV – A PARÁBOLA DO FERMENTO
33 Disse-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha até que tudo esteja fermentado”.
Certos antigos e conceituados comentaristas julgaram, erroneamente, tratar-se esta parábola de uma repetição da anterior. Elas possuem muita afinidade entre si, mas aqui Jesus tem outro objetivo: “até que tudo esteja fermentado”. Não se trata, portanto, da mera união da farinha com o fermento, mas da força e do vigor na capacidade de ação do elemento menor sobre o maior. Do mesmo modo o Reino dos Céus tem essa intensidade de penetração e transformação das almas, fermentando-as com os ensinamentos evangélicos.
A anterior parábola retrata a capacidade de expansão universal do Reino dos Céus. Esta última mostra o vigor interno que ele possui para influenciar as almas.
V – CONCLUSÃO
Foram de fácil assimilação para os Apóstolos as parábolas da mostarda e do fermento; entretanto, a do joio deixou-os muito intrigados. Por isso quiseram saber seu exato significado (vv. 36-43). O Divino Mestre insiste na questão do fim do mundo e do Juízo final, importante Novíssimo, cuja meditação nos ajuda a evitar o pecado.
No seu todo, a Liturgia de hoje acentua o quanto devemos crer na força de expansão e de penetração da Igreja, enquanto insiste também na necessidade da vigilância — sobretudo nas horas de diminuição da sensibilidade — quer quanto a nós individualmente, quer no tocante à opinião pública.
Com olhos de fé, esperança e caridade, pensemos no período final do acontecer humano e preparemo-nos para o dia da grande ceifa, dentro de uma plena santidade de vida, costumes e relações sociais, de tal modo que, quando chegar a hora, possamos “resplandecer como o Sol no Reino do Pai”.
1 ) Comentario a los cuatro Evangelios — I Evangelio de San Mateo, BAC, Madrid, 1950.
2) Idem.
3 ) Cf. Mc 4, 27.
4 ) Hom. 47 in Mt.
5 ) Cf. Suma Teológica II-II, q 165, a 1c.
6 ) Conselhos e lembranças, n. 37.
7 ) Hom. 47, in Mat.
8 ) Cf. P. Luis de la Puente, Meditaciones, Apostolado de la Prensa, Madrid, 1950, t. I, p. 3ª méd. 45, pág. 976.

9 ) Cf. Mc 16, 15-18.

terça-feira, 15 de julho de 2014

EVANGELHO XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM —ANO A — Mt 13, 24-43

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO — XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A
Para nossa humildade e vigilância, Deus permite a permanência do joio da concupiscência em nós, pois seu aguilhão nos faz compreender a existência de um incentivo ao pecado no nosso próprio ser. E por isso necessitamos recorrer sempre ao auxílio da graça.
26 Tendo crescido a erva e dado fruto, apareceu então o joio.
Comenta São João Crisóstomo (7) este versículo, dizendo que assim costumam agir os hereges, ou seja, no princípio ocultam suas doutrinas e intenções, mas, quando se vêem apoiados, aí se declaram como tais. Também assim se desenvolve nossa vida espiritual. Como já vimos, no início temos o “fervor de noviço” a nos inundar de consolação; todavia, quando se reduz a sensibilidade, deparamo-nos com o joio da concupiscência existente em nosso interior.
27 Chegando os servos do pai de família, disseram-lhe: Senhor, porventura não semeaste tu boa semente no teu campo? Donde veio, pois, o joio? 28 Ele respondeu-lhes: Foi um inimigo que fez isto. Os servos disseram-lhe: Queres que vamos e o arranquemos?
Há um certo momento em nossa existência no qual a inclinação para o mal, em nós e nos outros, nos espanta, e não raramente desejamos extirpá-la ato contínuo. Nascem então em nossa consciência múltiplos “por quês”. Jesus, na simplicidade comovedora de sua pregação, imagina um diálogo ingênuo entre os servos e o senhor, procurando ressaltar a perplexidade impaciente e aflita de uns, e a sábia calma do outro.
Os servos querem um mundo sem a menor mancha, sem pecado, feito somente de bons. Este foi, aliás, o erro defendido pelos donatistas (séc. IV). Ora, isto só se realizará no Céu, segundo ensinam o Antigo Testamento e São João Evangelista. Nesta terra, o bem e o mal caminham juntos.
29 Ele respondeu-lhes: Não, para que talvez não suceda que, arrancando o joio, arranqueis juntamente com ele o trigo. 30 Deixai-os crescer juntos até à ceifa, e no tempo da ceifa direi aos ceifeiros: Colhei primeiramente o joio, e atai-o em molhos para o queimar; o trigo, porém, recolhei-o no meu celeiro”.
Possuindo um robusto discernimento dos espíritos e serenidade de temperamento, o senhor da parábola pondera sobre a conveniência de deixarem a separação para a época da colheita. Muitos são os autores que comentam esta passagem, mostrando não só a impossibilidade de se eliminar todo o mal deste mundo, como também a conveniência de sua coexistência com o bem. Pelos maus, são exercitados os bons, dirão uns; muitas ocasiões de sofrimentos, paciência e caridade, etc., são proporcionadas pelos maus aos bons, afirmarão outros.
Em realidade, transparece aqui a grande misericórdia de Deus, não permitindo que as criaturas se precipitem sobre o pecador logo após o pecado, mas concedendo-lhe a oportunidade de se arrepender e obter o perdão.
Eis o ponto central do Evangelho de hoje: “Não arranqueis a cizânia”. Por que o Senhor não deseja que seja arrancada a cizânia? O zelo dos servos é exagerado, uma vez que é impossível desarraigar da lei ordinária todos os vícios e paixões (8).
III – A PARÁBOLA DO GRÃO DE MOSTARDA
31 Propôs-lhes outra parábola, dizendo: “O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. 32 É a menor de todas as sementes, mas, depois de ter crescido, é maior que todas as hortaliças e chega a tornar-se uma árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar nos seus ramos”.

Continua no próximo post

domingo, 13 de julho de 2014

EVANGELHO XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM —ANO A — Mt 13, 24-43

COMENTÁRIO AO EVANGELHO — XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM
Joio, mostarda, fermento e o Reino
Retificar os conceitos errôneos do povo judeu sobre o reino messiânico, acentuar quanto devemos crer na força de expansão da Igreja, e insistir na necessidade da vigilância — são os principais objetivos destas parábolas.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias
A PARÁBOLA DO JOIO
Propôs-lhes outra parábola, dizendo: “O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. 25 Porém, enquanto os homens dormiam, veio o seu inimigo e semeou joio no meio do trigo, e foi-se. 26 Tendo crescido a erva e dado fruto, apareceu então o joio. 27 Chegando os servos do pai de família, disseram-lhe: Senhor, porventura não semeaste tu boa semente no teu campo? Donde veio, pois, o joio? 28 Ele respondeu-lhes: Foi um inimigo que fez isto. Os servos disseram-lhe: Queres que vamos e o arranquemos? 29 Ele respondeu-lhes: Não, para que talvez não suceda que, arrancando o joio, arranqueis juntamente com ele o trigo. 30 Deixai-os crescer juntos até à ceifa, e no tempo da ceifa direi aos ceifeiros: Colhei primeiramente o joio, e atai-o em molhos para o queimar; o trigo, porém, recolhei-o no meu celeiro”.
 O GRÃO DE MOSTARDA
31 Propôs-lhes outra parábola, dizendo: “O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. 32 É a menor de todas as sementes, mas, depois de ter crescido, é maior que todas as hortaliças e chega a tornar-se uma árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar nos seus ramos”.
FERMENTO
Disse-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha até que tudo esteja fermentado”. 34 Todas estas coisas disse Jesus ao povo em parábolas; e não lhes falava sem parábolas, 35 a fim de que se cumprisse o que estava anunciado pelo profeta, que diz: “Abrirei em parábolas a minha boca, publicarei as coisas escondidas desde a criação do mundo”.
EXPLICAÇÃO DA PARÁBOLA DO JOIO
36 Então, despedido o povo, foi para casa, e chegaram-se a Ele os seus discípulos, dizendo: “Explicanos a parábola do joio no campo”. 37 Ele respondeu: “O que semeia a boa semente é o Filho do Homem. 38 O campo é o mundo. A boa semente são os filhos do Reino. O joio são os filhos do Maligno. 39 O inimigo que o semeou é o Demônio. O tempo da ceifa é o fim do mundo. Os ceifeiros são os anjos. 40 De maneira que, assim como é colhido o joio e queimado no fogo, assim acontecerá no fim do mundo. 41 O Filho do Homem enviará os seus anjos e tirarão do seu Reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade, 42 e lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes. 43 Então resplandecerão os justos como o Sol no Reino de seu Pai. O que tem ouvidos para ouvir, ouça (Mt 13, 24-43).

I – INTRODUÇÃO
Assim como uma moldura pode contribuir para a apreciação de uma bela pintura, assim também as cenas evangélicas, em toda a sua simplicidade, freqüentemente realçam a figura de seus protagonistas.
Sabendo que as parábolas acima foram pronunciadas por Jesus de dentro de uma barca, ancorada bem próxima da margem do Mar da Galiléia, podemos nos perguntar como deveria ter sido a cena. Águas certamente serenas e, portanto, silenciosas, como também a multidão que curiosa se espremia para ouvi-Lo e vê-Lo, sentado num banco de rústica madeira, proferindo atraentes metáforas. Poesia e lógica, encanto e sabedoria, simplicidade e grandeza, osculavam-se num entranhado afeto, corrigindo os errôneos conceitos daquele povo a respeito do reino messiânico.
Ao longo dos séculos, desenvolvera-se entre os judeus uma mentalidade triunfalista a propósito do ansiado Messias. Sua chegada seria acompanhada da implantação de um reino estável, esplendoroso e justiceiro, eliminando-se os pecadores e inaugurando-se assim uma era na qual não mais haveria maldade humana. Evidentemente, esse raciocínio era falho em suas premissas, de onde resultava uma tão equívoca conclusão: em sua lógica não levavam em consideração a existência do pecado original e do atual. Por causa da influência dos fariseus, o triunfo dos bons — que de fato será fulgurante no Juízo Final — era visto erroneamente por aqueles hebreus como a essência de uma era histórica feita da supremacia da virtude. E aqui se encontra um dos principais objetivos da parábola do joio e do trigo: retificar a distorcida visualização farisaica sobre a possibilidade de uma purificação absoluta do Reino. Ademais, ela deita uma luz insuperável para o desenvolvimento da Igreja Católica ao longo dos tempos, em múltiplos aspectos, conforme diremos adiante.
II – A PARÁBOLA DO JOIO
Para bem aproveitarmos a sabedoria dos ensinamentos do Divino Mestre, é muito útil figurarmos a cena, os costumes, e até mesmo as psicologias daqueles tempos. Esse procedimento não só nos permite saborear amplamente as profundidades de cada passagem, como também torna mais fácil transpor suas aplicações à nossa vida atual.
No domingo anterior, o Evangelho (Mt 13, 1-23) nos introduzia na seqüência de sete parábolas do Salvador. Conforme vimos, Ele escolheu a beira do lago para proferi-las. Naquele tempo os ruídos do mundo moderno, com motores de toda espécie, não existiam nem sequer na imaginação. A vida era muito orgânica e transcorria serena.
Era, sobretudo, benfazejo o silêncio junto às águas tranqüilas. Ademais, as orlas em suave declive constituíam um esplêndido e natural anfiteatro, permitindo ao Divino Locutor sentar-se na barca e manter um contato visual com toda a platéia. Sua voz era clara e forte, fazendo-se ouvir comodamente até pelos mais distantes assistentes.
Tal como nos presentes dias, a possibilidade de irrigação convidava os agricultores a cultivarem seus campos naquelas cercanias. Portanto, é bem possível tratar-se de um público muito acostumado com as figuras empregadas por Jesus naquela ocasião. Assim, aproveitando-se dos elementos utilizados para expor a parábola do Semeador, começa Ele a elaborar uma outra, a fim de esclarecer mais alguns mistérios do Reino dos Céus.
24 O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo.
À primeira vista — e com fundamento — somos levados a crer que se trata de um homem rico, tanto mais quanto ele possuía servos. Qual a razão pela qual ele não os envia para semear e, pelo contrário, trabalha o campo com suas próprias mãos? Alguns autores chegam a manifestar essa perplexidade. Entretanto, conforme mais adiante veremos, é cheia de sentido a figura proposta pelo Divino Mestre.
Convém também deixar claro que, ao afirmar Jesus ser o Reino dos Céus “semelhante a um homem”, não quis delimitar-se exclusivamente a uma pessoa, mas à cena toda na qual esse homem desempenha um papel, conforme assevera o teólogo jesuíta Pe. Juan de Maldonado, com quem estão de acordo os comentaristas atuais.
Repare-se também tratar-se da “boa semente”, pois, caso contrário, os frutos não seriam bons. A terra se caracteriza por sua fidelidade, ou seja, ela retorna o que a ela foi dado. Se a semente é de má qualidade, do mesmo teor será a colheita.
Versar sobre a semeadura da boa semente não é o objetivo principal da parábola, mas sim sobre a atividade do inimigo, segundo veremos.
25 Porém, enquanto os homens dormiam, veio o seu inimigo e semeou joio no meio do trigo, e foi-se.
Os comentaristas se perguntam se não houve incúria da parte dos servidores. Os antigos são rigorosos na interpretação dessas palavras, como, por exemplo, Maldonado: “Todos os intérpretes antigos entendem os que dormiam como sendo os bispos e aqueles que têm na Igreja o cuidado das almas. E — advirto — mesmo se a muitos deles não agrada essa aplicação, oxalá ela não se mostre verdadeira. Faço essa afirmação, embora não ignore que Cristo só quis dizer que o diabo joga sua semente clandestinamente” (2).
Por outro lado — ponderam os autores mais recentes — Jesus não afirmou que o inimigo praticou o mal “porque os servos dormiam”, mas, sim, “enquanto dormiam”. Lembram, então, outra passagem da Escritura na qual Ele afirma ter sido a noite feita para dormir (3). Ademais, o normal é vigiar o campo nas proximidades da colheita, e não logo após ter sido semeado, pois ninguém será tentado a roubar sementes lançadas à terra.
Não se trata de um inimigo qualquer, mas “do inimigo”, o principal. Seu gesto não poderia ser mais maldoso. Uma péssima ação como a sua só poderia ser movida por um grande ódio ou uma grande inveja. Entretanto, segundo relatos muito antigos, de pessoas que viveram em Jerusalém, vinganças como essa, de cortar uma árvore frutífera (oliveira, figueira, vinha, etc.) eram pecados próprios daquela região. Não falava apenas hipoteticamente o Senhor. O público não estranhou a menção a isso na parábola, e nem sequer ao caso da cizânia. Muito conhecida é essa erva por aqueles que cultivam o trigo. Ao desenvolver- se a plantação, o joio — cujo nome científico é Lolium temulentum — até chegar à fase das espigas, assemelhase muitíssimo ao trigo, de onde resulta interessante sua utilização metafórica.
Aí estão algumas razões pelas quais o v. 25 não insiste na nocividade do joio que entrelaça suas raízes às do trigo. Seu objetivo é apenas ressaltar a presença dessa erva daninha na plantação. Ademais, chama a atenção para o fato de ele ter sido ali espalhado pelo inimigo de forma clandestina, à noite, enquanto todos dormiam.
Comentando este versículo, São João Crisóstomo assim se expressa: “Com essas palavras nos faz ver que o erro vem depois da verdade, fato demonstrado pela experiência. (...) Tal é a malícia do diabo: semeia quando nasceram as sementes, para dessa maneira causar mais danos aos interesses do agricultor”.
Deus, em sua infinita sabedoria, criou os seres inteligentes em estado de prova, a fim de receberem meritoriamente o prêmio da glória eterna. E, por essa mesma razão, permitiu que os homens fossem tentados. Daí a necessidade da preciosa virtude da vigilância. Assim, independentemente da discordância entre comentaristas antigos e mais recentes, no tocante a este versículo conter ou não uma recriminação aos que dormem, é patente a ação do inimigo: “semeou joio no meio do trigo, e foi-se”. Ora, ele aproveitou o sono de seus adversários para praticar sua má ação. E neste particular o Evangelho de hoje reafirma o preceito do Senhor: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).
Nós semeamos no entusiasmo; é a fase de “fervor de noviço” durante a qual não há obstáculo que faça esmorecer nossas decisões. A própria virtude da prudência parece-nos um empecilho nesses momentos, e, de fato, sentimos viver um tempo mais de ousadia que de ponderação, no qual comprovamos quanta razão tinha Santa Teresinha do Menino Jesus ao dizer: “Para o amor nada é impossível”. Aliás, referindo- se à situação oposta, São Bernardo costumava afirmar que “é impossível ao noviço prudente perseverar na vocação”.
Com ou sem culpa de nossa parte, há um momento em que essa sensibilidade diminui, não mais sentimos aquele impulso fervoroso, e nos vemos na contingência de nos apoiar somente na razão (iluminada pela fé, é verdade), e no esforço de nossa vontade. É o cair da “noite escura”, segundo a linguagem de São João da Cruz. Durante esse período, o demônio, o mundo e a carne encontram em nossa alma terra fértil para lançar o joio.
Aqui se entende melhor a figura do sono: quando a sensibilidade se evanesce, é chegado o momento da vigilância, tal como nos aconselha Santa Teresinha de Lisieux, que dizia às noviças: “Vós vos entregais com excesso às coisas que fazeis; vossos afazeres vos preocupam demasiado. Há algum tempo, eu li que os israelitas construíam os muros de Jerusalém trabalhando com uma das mãos, enquanto que na outra mantinham sua espada. Eis aí a imagem do que temos de fazer: trabalhar com uma das mãos; a outra, devemos usá-la para defender nossas almas dos perigos que possam impedir a união com Deus”.
Poderíamos dar ainda outra aplicação à parábola: há uma “semente de joio” que levamos em nosso interior em estado latente, a da concupiscência. O Senhor semeou o bom trigo no Paraíso, ao criar nossos primeiros pais, Adão e Eva, concedendo-lhes a graça e dons que constituíam o estado de justiça original. Por seu lado, o demônio semeou a cizânia do pecado e, com este, o homem perdeu o dom de integridade.
Daí a concupiscência, que não é senão a inclinação natural do apetite aos bens sensíveis contrários à razão e à Lei de Deus.
Como opera em nós a concupiscência?

Nosso conhecimento natural se realiza através dos cinco sentidos, como afirma a Escolástica: “Nada há em nosso intelecto que não tenha antes passado pelos sentidos”. Ora, antes mesmo de a razão ter emitido seu juízo sobre a liceidade ou não de qualquer bem sensível, nosso apetite já se sentiu inclinado a ele. Mais ainda, sobretudo quando fortemente impressionado pela atração do bem sensível, nosso apetite continuará agindo sobre a razão, depois de esta ter baixado sua sentença proibitiva, procurando arrastá- la. Daí, ou há uma férrea força de vontade — que só pela graça de Deus se obtém — para se opor às febricitações da sensibilidade, ou buscaremos uma justificativa para nosso comportamento ilícito.
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