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quinta-feira, 9 de abril de 2015

EVANGELHO II DOMINGO DA PÁSCOA - ANO B - Jo 20, 19 - 31

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS DE MONS. JOÃO CLÁ DIAS AO EVANGELHO DO 2º DOMINGO DA PÁSCOA - ANO B - Jo 20, 19 - 31
A bem-aventurança que nos cabe
29 Jesus lhe disse: “Acreditaste, por que Me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”
Estas últimas palavras do Divino Mestre a São Tomé constituem a bem-aventurança de todos aqueles que viriam depois e não teriam oportunidade de tocar naquelas santas chagas. Ou seja, aplicam-se inteiramente a nós.
Os Apóstolos, Santa Maria Madalena, Santa Marta, São Lázaro e muitos outros conviveram com Jesus ressuscitado e puderam contemplá-Lo em carne e osso, andando e conversando. Por conseguinte, para crerem n’Ele era preciso um esforço mínimo. Tinham mérito? Sim, porque a divindade permanecia oculta. Entretanto, mais mérito adquirimos nós quando, pronunciadas as palavras da Consagração, contemplamos as Espécies Eucarísticas e, apesar de continuarem elas com aparência de pão e de vinho, a fé, a esperança e a caridade nos asseguram que o pão e o vinho cederam lugar ao Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus. Então, nos ajoelhamos e O adoramos. Assim, a este título nossa bem-aventurança é superior à deles!

Maravilhas que só na eternidade conheceremos
30 Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro.
Quantas maravilhas da existência terrena de Nosso Senhor se conservaram no silêncio! Como foi sua familiaridade com Nossa Senhora e São José em sua vida privada ao longo de trinta anos, da qual nada se sabe, a não ser a perda e o encontro no Templo, aos 12 anos? Quem poderá dizê-lo? É evidente que Ele não vivia enclausurado, mas em sociedade e em contato com a opinião pública — a tal ponto que O chamavam de “filho do carpinteiro” (Mt 13, 55) —, e devia relacionar-Se com outros jovens. Pensemos, ademais, nos dias passados por Ele em Betânia com Marta, Maria Madalena e Lázaro, e nos momentos de intimidade com os Apóstolos... E ainda nos numerosos milagres que, conforme enuncia o Evangelista neste versículo, ocorreram depois de sua Ressurreição. São histórias que conheceremos no Céu, se tivermos a graça de lá chegar, pelos merecimentos do preciosíssimo Sangue d’Ele e das lágrimas de Nossa Senhora! Lá ouviremos dos lábios d’Ela detalhes magníficos “que não estão escritos” em livro algum!
Jesus Cristo é o Filho de Deus feito Homem
31 Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
Terminando com estas palavras, o Evangelista indica qual foi seu objetivo ao relatar tão extraordinário episódio: “que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”. Ao escrever seu Evangelho, estava São João em meio a uma polêmica com os gnósticos que contestavam a divindade de Nosso Senhor, e sua preocupação era liquidar esta heresia, prejudicial à expansão da Igreja. Para os que professavam tais erros havia uma distinção entre Jesus e Cristo: Jesus era um puro homem a quem este Cristo — para eles uma espécie de mediador entre Deus e o mundo — assumira no dia de seu Batismo, sem que ele, porém, se tornasse Deus. Que Nosso Senhor era Homem, todos o admitiam, porque O viam. Mas como acreditar que era também Deus? Se fosse apenas Deus, seria até mais fácil de tolerar... A grande dificuldade consistia, pois, em aceitar a união hipostática, isto é, haver n’Ele a natureza humana íntegra — sem personalidade humana —, unida hipostaticamente à natureza divina íntegra, na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Na segunda leitura deste domingo (I Jo 5, 1-6), São João manifesta de forma mais acentuada tal mistério, no trecho escolhido de sua Primeira Carta: “Todo o que crê que Jesus é o Cristo, nasceu de Deus” (5, 1). Logo, a vida da graça depende da fé na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e não do mero conhecimento.
III – CULTIVEMOS NOSSA FÉ!
Com efeito, segundo os gnósticos da época, para se obter a salvação bastava o conhecimento pleno — gnosis — de certos segredos referentes à origem do universo e à libertação da alma humana. Quem alcançasse este grau de conhecimento seria perfeito e estaria dispensado das boas obras. Ou seja, a doutrina gnóstica importava na negação da moral. Parafraseando o famoso dito de Santo Agostinho — “Dilige, et quod vis fac”6 —, ela bem poderia ser resumida nestas palavras: “Conhece e faze o que queres”.
Ora, por mais esforço que o homem faça, ele, de si mesmo, não tem capacidade de entender as coisas divinas, de alcançar as alturas do sobrenatural, de abarcar o plano da fé. Para isso é indispensável o auxílio de Deus, que conjuga a inteligência — aperfeiçoada pela fé — e a vontade fortalecida pela graça. Por exemplo, a divindade de Cristo e sua Ressurreição são inexplicáveis do ponto de vista intelectual, mas aceitas por causa da fé, dom gratuito de Deus infundido na alma com o Batismo.
A fé cresce pela prática do amor
A fé, virtude passível de aumento e de diminuição, é a porta por onde entram as demais virtudes. Como se dá isto? O conhecer — embora na penumbra — aquilo que é de Deus desperta na alma o amor e a adesão ao magnífico panorama desvendado pela fé.7 Não obstante, é a caridade que nos faz amar a Deus com uma abertura de alma própria à elevação d’Ele. Assim, a caridade é, de si, superior à fé. Por quê? Porque a caridade faz voar até Deus e dilata nossa alma para poder amá-Lo como Ele Se ama, na proporção de criatura a Criador, enquanto a fé traz Deus até nós.8 Se nos limitamos a entender, sem amor, a fé perde sua seiva e sua vitalidade, e morre. Então é preciso compreender e, já no mesmo ato, amar.
Ainda na segunda leitura — combatendo os desvios dos gnósticos, que afirmavam ser absurdo o cumprimento dos preceitos da Lei —, São João nos dá outra importante lição: amar a Deus é “observar os seus Mandamentos. E os seus Mandamentos não são pesados, pois todo o que nasceu de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé” (I Jo 5, 3-4). Não nos esqueçamos de que, se guardar os Mandamentos da Lei de Deus por força de nossa natureza é impossível, desde que nos apoiemos na graça vencemos o mundo, o demônio e a carne! E para obter as graças necessárias, é-nos exigido ter uma vida interior intensa: muita oração e frequência aos Sacramentos, sobretudo à Eucaristia.
Deste modo, a Liturgia do 2° Domingo da Páscoa nos proporciona elementos excelentes para praticarmos as três principais virtudes, aquelas que nos relacionam diretamente com Deus: a fé, a esperança e a caridade. Agradeçamos a Cristo, Senhor nosso, a inestimável bem-aventurança de acreditar sem ver e peçamos a Ele o contínuo crescimento nesta fé.
1)STO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XIX, c.13, nl. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v.XVI-XVII, p.1398.
2) LAGRANGE, OP, Marie-JOSePh. Évangile selon Saint Jean. 5.ed. Paris: Lecoffre; J. Gabalda, 1936, p.515.
3) SÃO GREGÓRIO MAGNO. Homiliæ in Evangelia. LII, hom.6 [XXVI], n.7. In: Obras. BAC 1958. n.665.
4) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-JI, q.1, a.4, ad 1.
5) SAO TOMAS DE VILLANUEVA. Concio 169. Dominica in Octava Paschæ, nl. In; Obras Completas. Madrid; BAC, 2012, v.IV, p.175.
6) SANTO AGOSTINHO. In Epistolam bannis ad Parthos tractatus decem. Tractatus VII, n.8. In: Obras. Madrid: BAC, 1959, v.XVIII, p.304.
7) Cf. SAO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.4, a.7.

8) Cf. Idem, q.23, a.6, ad 1.

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