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terça-feira, 14 de abril de 2015

Evangelho III Domingo Da Páscoa - Ano B - Lc 24, 35-48

Continuação dos comentários ao Evangelho — 3º Domingo Da Páscoa - Ano B - Lc 24, 35-48
O Sinédrio considera de frente o milagre
Paralelamente ao que se tratava com tensão, suspense e certo medo no Cenáculo, os príncipes dos sacerdotes e o Sinédrio em geral discorriam sobre a narração feita pelos soldados, a qual tornava patente que Jesus havia ressuscitado. Era uma hipótese árdua igualmente para eles, mas sabiam considerá-la de frente, medindo bem todos os prejuízos que de uma realidade dessas poderiam decorrer.
Na cidade, celebrado já o sábado, os trabalhos haviam sido retomados com toda normalidade, no transcurso do dia. Só no Cenáculo e no Sinédrio dominava a febricitação, àquelas horas de após-ceia. O tema era o mesmo, as testemunhas, porém, bem diferentes, e muito mais os destinatários dos relatos. O dogma da Ressurreição seria fundamentalíssimo para o futuro da Religião e era indispensável haver vários que testemunhassem com solidez de declaração o terem visto Jesus vivo, nos dias logo posteriores à Sua morte. Apesar de Seus insistentes avisos e profecias, se não houvesse testemunhas visuais, difícil seria crer em tão grande milagre.
É bem a essa altura que, estando trancadas as portas e janelas, entrou Jesus no Cenáculo, iniciando-se o trecho evangélico da Liturgia de hoje.
II – Aparição do Senhor no Cenáculo
As sete palavras proferidas por Nosso Senhor no Calvário têm, com muita razão, merecido belíssimos comentários ao longo da História. Mas a primeira palavra por Ele dita aos Apóstolos, ao penetrar no Cenáculo, não merece menos atenção.
Jesus deseja aos Apóstolos a verdadeira paz
36 “Enquanto falavam nisto, apresentou-Se Jesus no meio deles e disse-lhes: 37 ‘A paz seja convosco!’”.

A paz desejada por Nosso Senhor é a única verdadeira entre tantas outras distorcidas e falsas. Quem a deseja para os Apóstolos é o próprio Príncipe da Paz: trata-se da paz messiânica, riquíssima de toda espécie de bens.
Cifra-se ela na tranquilidade nascida de uma vida ordenada, como nos ensina São Tomás, ao afirmar ser impossível sua existência fora do estado de graça: “Ninguém é privado da graça santificante a não ser em razão do pecado, razão pela qual o homem se afasta do verdadeiro fim e estabelece o fim em algo não verdadeiro. Assim sendo, seu apetite não adere principalmente ao verdadeiro bem final, mas a um bem aparente. Por esta razão, sem a graça santificante, não pode haver verdadeira paz, mas somente uma paz aparente”.1
Quando alguém comete um pecado, o corpo, com suas paixões, rebela-se contra a alma, à qual deveria estar submisso. Por sua vez, a alma, que deveria estar na obediência a Deus, fazendo Sua vontade, revolta-se contra Ele. Assim, fica destruída a ordem e, em consequência, a própria paz. Por isso diz-nos o Espírito Santo: “Não há paz para os ímpios” (Is 48, 22).
A única e verdadeira paz foi, portanto, a que Jesus desejou aos discípulos, ao transpor as paredes do Cenáculo, devido à subtileza de Seu corpo glorioso. Ali penetrou Ele da mesma forma como um raio de Sol atravessa o cristal: sem sofrer a menor alteração. Quão grande, divina e paternal doçura deveria caracterizar Seu timbre de voz nessa ocasião!
Os discípulos estavam absorvidos pelo temor
“Mas eles, turbados e espantados, julgavam ver algum espírito”.
A um medo, sucedia outro! Os discípulos enclausuram-se, tomados pelo pânico de que o Sinédrio pudesse acusá-los de haver roubado o corpo do Senhor, e, de forma súbita, veem um “fantasma” que se introduz no hermético recinto através das paredes ou portas e janelas fechadas, sem sequer se anunciar. Por mais essa reação de todos, torna-se demonstrado o quanto lhes era difícil crer na Ressurreição do Senhor, apesar de ser a quarta vez que Ele aparecia.
“O Evangelista indica que o temor influiu nos discípulos para não reconhecerem Jesus, mas julgar que estavam vendo algum espírito. O medo costuma prejudicar o conhecimento claro, e faz com que a pessoa imagine estar vendo fantasmas ou monstros estranhos. [...]
“O motivo para os discípulos suspeitarem que se tratava de algum espírito é certamente o fato de Ele ter entrado — como diz São João — com as portas fechadas, coisa que só um espírito poderia fazer”.2 Apesar de havê-los saudado com insuperável afeto e feito ouvir o inconfundível timbre de voz do qual tantas saudades tinham, o temor os absorvia. Outro fato determinaria tratar-se do próprio Salvador, e não de um fantasma: Jesus penetrara em seus corações e discernira seus pensamentos, prova patente de ser Ele o próprio Deus,3 pois isto não é possível nem a um espírito.
As chagas, símbolo do poder do Homem-Deus contra o demônio
38 “Jesus disse-lhes: ‘Por que estais turbados, e por que se levantam dúvidas nos vossos corações? 39 Olhai para as Minhas mãos e os Meus pés, porque sou Eu mesmo; apalpai e vede, porque um espírito não tem carne, nem ossos, como vós vedes que Eu tenho’. 40 Dito isto, mostrou-lhes as mãos e os pés”.
Segundo nossos critérios estritamente humanos, parecer-nos-ia mais lógico, após a Ressurreição, Jesus retomar Sua integridade física, fazendo desaparecer os sinais dos tormentos de Sua Paixão. Por outro lado, considerando os sentimentos de nossa natureza, o exibir as chagas aos discípulos poderia causar-lhes um maior sofrimento, por relembrar-lhes os dramas daqueles terríveis dias de provação. Mas a boa conduta teológica toma como base o princípio infalível: se Deus fez, era o melhor; por isso, resta-nos perguntar quais os motivos de tal conduta.

Antes de mais nada, para Sua própria glória, como também se dará com os santos mártires ao retomarem seus respectivos corpos, no dia do Juízo. As cicatrizes oriundas dos tormentos por eles sofridos em defesa da Fé reluzirão por toda a eternidade. “Com efeito, as cicatrizes das feridas recebidas por causa digna e justa são um eloquente e glorioso testemunho dos méritos e valor de quem as ostenta”.4 Jesus Cristo tinha todo poder para fazer desaparecer Suas chagas cicatrizadas, mas desejou conservá-las para levar em Si próprio um magnífico símbolo de Seu poder contra o demônio.
Obstáculo à divina cólera
Ademais, quis beneficiar-nos junto ao Pai. A conservação dessas cicatrizes é-nos de fundamental importância, pois constituem elas um poderoso obstáculo a que a santa e divina cólera desabe sobre nós, devido às nossas culpas.
“Com esse detalhe, Ele os robustece na Fé e estimula à devoção, pois, em vez de eliminar as feridas que por nós recebeu, preferiu levá-las para o Céu e apresentá-las a Deus Pai como resgate de nossa liberdade. Por isso, o Pai deu-Lhe um trono à Sua direita, abraçando os troféus de nossa salvação”.5
Na Terra, servia-Se Ele da palavra a fim de pedir ao Pai perdão para os carrascos: “Perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). No Céu, não necessita abrir os lábios para nos obter o beneplácito: suficiente é mostrar-Lhe Suas cicatrizes.
Continua no próximo post

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