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quinta-feira, 21 de maio de 2015

EVANGELHO DE PENTECOSTES - ANO B - Jo 20, 19-23

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES
A mística atualidade da Liturgia
Ora, que relação têm estas reflexões com a Solenidade de Pentecostes? A consideração das festas litúrgicas não deve ser focalizada como um mero exercício de memória, de maneira semelhante a alguém que, chegado o aniversário de falecimento de um parente ou amigo, toma uma fotografia deste e relembra quanto ele era bom, mas depois continua seus afazeres sem dar mais importância ao fato. Se é verdade que na Liturgia cabe, em parte, também a recordação, no entanto há uma atualidade mística que se verifica no momento da Santa Missa, trazendo uma participação real, autêntica e direta nas graças distribuídas naquele dia — hoje, em concreto, a efusão do Espírito Santo —, porque nos congrega em torno de Cristo vivo, e não constitui apenas uma reminiscência do período em que Ele estava na Terra.
Tal é a doutrina da Igreja, conforme ensina o Papa Pio XI na Encíclica Quas primas: “para instruir o povo nas coisas da Fé e atraí-lo por meio delas aos íntimos gozos do espírito, muito maior eficácia têm as festas anuais dos sagra dos mistérios que quais quer ensinamentos, por autorizados que sejam, do Magistério Eclesiástico”.5 E o Papa Pio XII, na Encíclica Mediator Dei sobre a Sagrada Liturgia, afirma: “O Ano Litúrgico, que a piedade da Igreja alimenta e acompanha, não é uma fria e inerte representação de fatos que pertencem ao passado, ou uma simples e nua evocação da realidade de outros tempos.
É, antes, o próprio Cristo, que vive sempre na sua Igreja e que prossegue o caminho de imensa misericórdia por Ele iniciado, piedosamente, nesta vida mortal, quando passou fazendo o bem (cf. At 10, 38) com o fim de colocar as almas humanas em contato com os seus mistérios e fazê-las viver por eles, mistérios que estão perenemente presentes e operantes, não de modo incerto e nebuloso, de que falam alguns escritores recentes, mas porque, como nos ensina a doutrina católica e segundo a sentença dos Doutores da Igreja, são exemplos ilustres de perfeição cristã e fonte de graça divina pelos méritos e intercessão do Redentor; e porque perduram em nós no seu efeito, sendo cada um deles, de modo consentâneo à própria índole, a causa da nossa salvação”.6
A Igreja pede para “agora” as graças concedidas no Cenáculo
Não nos é dado penetrar integralmente em todo o significado e substância do acontecimento de Pentecostes, visto estar ele cheio de mistério. Na verdade, o que se teria passado com a Esposa de Cristo se não descesse o Paráclito sobre os Apóstolos? Não nos esqueçamos de que — digamo-lo com todo o respeito —, durante a Paixão de Nosso Senhor eles foram covardes, O abandonaram, desapareceram, fugiram (cf. Mt 26, 56; Mc 14, 50). Após a Morte e Ressurreição de Jesus tornaram a reunir-se, desejosos de ver a implantação do reino de Israel sobre todos os povos (cf. At 1, 6), e não do Reino dos Céus que o Divino Mestre havia pregado! Esta é a natureza humana... incapaz, por si, de atos sobrenaturais. Quiçá a Providência tivesse permitido que fossem tão pusilânimes para mostrar qual a distância existente entre a nossa condição — da qual às vezes tanto nos orgulhamos — e a força do Espírito Santo. Com efeito, muitas vezes julgamos que os Santos eram pessoas de vontade extraordinária, graças à qual venceram os obstáculos até conquistarem a coroa da justiça. Ora, nenhum homem, por mais hábil que seja, alcança a perfeição por seu esforço pessoal; só praticará as virtudes de forma estável se assistido pelo Espírito Santo. E Ele quem santifica a Igreja inteira, como se deu naquela manhã, quando o vento invadiu toda a casa onde estavam e as línguas de fogo pousaram sobre a cabeça dos Doze e de seus companheiros, como narra a primeira leitura (At 2, 1-11) desta Solenidade: de medrosos que eram, tornaram-se heróis!

Ao rezarmos a Oração do Dia, deparamo-nos com um pedido que goza de prodigiosa eficácia, muito maior que todas as nossas preces privadas, já que é uma súplica oficial da Igreja e, portanto, tem audiência absoluta junto ao Altíssimo: “O Deus, que, pelo mistério da festa de hoje, santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos e nações, derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo, e realizai agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do Evangelho” 7.
Nós, católicos, temos o dom incomparável de pertencer ao Corpo Místico de Cristo e de também recebermos o Espírito Santo pelos Sacramentos do Batismo e, sobretudo, da Crisma, embora não com as espetacularidades ocorridas no Cenáculo. Mas a Igreja implora que “agora” sejam derramadas copiosamente nos corações dos fiéis, por toda a Terra, as graças concedidas naquela ocasião aos Apóstolos e discípulos e, a fortiori, a Nossa Senhora.
Um dilúvio de fogo inundará a Terra
Assim, a comemoração da vinda do Espírito Santo nos oferece a solução para todos os problemas do mundo contemporâneo. Muito a propósito escreve São Luís Maria Grignion de Montfort, em sua Oração Abrasada: “O Reino especial de Deus Pai durou até o dilúvio e terminou por um dilúvio de água; o Reino de Jesus Cristo terminou por um dilúvio de sangue, mas vosso Reino, Espírito do Pai e do Filho, continua até o presente e será terminado por um dilúvio de fogo, de amor e de justiça”.8 O fogo queima, aquece e ilumina; e, mais adiante, São Luís Grignion 9 acrescenta que ele renova.
Não é possível que o plano original de Deus para a humanidade não venha a ser realizado por Ele de algum modo. O homem pecou e, como já dissemos, por causa de sua maldade a sua natureza foi se rebaixando. Mas fixemos de novo a atenção na onipotência divina, enquanto aos nossos ouvidos ressoam as palavras de Jesus aos Apóstolos: “O que é impossível aos homens é possível a Deus”. Se o Senhor permitiu tal decadência, teve como objetivo tornar patente, de um lado, o fracasso humano, e, de outro, a plenitude de seu poder. Como deixar clara a autenticidade destes dois polos? O primeiro é evidente, uma vez que ficou comprovado o quanto somos terrivelmente débeis. Porém, é chegada a hora de assistirmos a um advento do Espírito Santo; porque, se foi preciso que houves se sua efusão na Igreja primitiva para fazê-la passar da infância para o estado adulto, em nossos dias é indispensável que Ele venha para conferir a esta mesma Igreja o esplendor que Nosso Senhor Jesus Cristo desejou ao fundá-la e dar à face da Terra um novo brilho!
Pentecostes e nossos dias
É ainda São Luís Grignion de Montfort quem prognostica uma era histórica na qual as almas quererá praticar a virtude de uma maneira extraordinária. De onde virá esta força “Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da Terra toda a face renovai”, é o que pedimos há dois mil anos e o que cantamos no Salmo Responsorial (cf. Sl 103, 30). Sim, tudo pode ser renovado, nós podemos ser completamente mudados como o foram os discípulos! Então participaremos, de forma singular, da descida do Espírito Santo sobre Maria Santíssima e os Apóstolos, que hoje celebramos. Devemos nos firmar na fé de que para Deus nada é impossível e Ele está reservando suas mais especiais graças para esta fase da História chamada por tantos Santos de últimos tempos.10
“Acontecerá particularmente no fim do mundo e, logo, porque o Altíssimo com sua Santa Mãe devem formar grandes Santos que ultrapassarão tanto em santidade a maioria dos outros Santos, quanto os cedros do Líbano suplantam os pequenos arbustos. [...] Eles serão pequenos e pobres segundo o mundo [...]; mas, pelo contrário, serão ricos em graça de Deus, que Maria lhes distribuirá abundantemente; grandes e eminentes em santidade diante de Deus, superiores a toda criatura por seu zelo animoso, e tão fortemente apoiados pelo socorro divino que, com a humildade de seu calcanhar e em união com Maria, esmagarão a cabeça do demônio e farão triunfar Jesus Cristo”.11
A humanidade tem uma necessidade vital dessa efusão do Divino Espírito Santo. E esta é a razão de nos reunirmos ardorosamente em torno do altar, para pedir à Mãe das mães, Aquela a cujo amor todos nós fomos entregues pelo Filho no alto da Cruz (cf. Jo 19, 26-27), que, enquanto Mãe do Corpo Místico, obtenha de seu Divino Esposo graças de maior fervor, de maior consolo, de maior piedade, de maior força para enfrentarmos todos os males, e que venha sem tardar o Paráclito e a face da Terra seja renovada!
1) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 6 jun. 1978.
2) Cf. SAO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.76, a.1
3) Para outros comentários à Solenidade de Pentecostes, ver uma primeira opção deEvangelho (Jo 20, 19-23) oferecida pela Liturgia em: CLA DIAS, EP, João Scognamiglio. A fé e a verdadeira paz. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.52 (Abr.,2006); p.10-i6; Comentário ao Evangelho doll Domingo da Páscoa—Ano B, neste mesmo volume, e Anos A e C, nos Volumes I e V desta coleção, respectivamente; A paz esteja convosco. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.41 (Maio, 2005); p.6-il; Comentário ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes — Ano A, no Volume I desta coleção. Ver a segunda opção de Evangelho (Jo 4, 15-16.23b-26) oferecida pela Liturgia, no Ciclo C, em: O amor íntegro deve ser causa do bem total. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.113 (Maio, 2011); p.10-i7; Comentárioao Evangelho do VI Domingo da Páscoa — Ano A, no Volume I desta coleção. Ver ainda, no mesmo Volume I, o Evangelho da Vigília (Jo 7, 37-39) e a I Leitura (At 2, 1-11) da Missa do Dia; bem como esta última em: “E renovareis a face de Terra...”. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.5 (Maio, 2002); p.5-10. E, por fim, ver Comentário à Sequência Veni Sancte Spiritus, no Volume V desta coleção.
4) ROYO MARÍN, OP, Antonio. Dios y su obra. Madrid: BAC, 1963, p.466.
5) PIO XI. Quas primas, n.20.
6) PIO XII. Mediator Dei, n.150.
7) DOMINGO DE PENTECOSTES. Oração do Dia. In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.318.
8) SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Prière Embrasée, n.16. In: OEuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.681.
9) Cf. Idem, n.17, p.681-682
10) Cf. SÃO LUIS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.55-59. In: OEuvres Complètes, op. cit., p.520-522.

11) Idem, n.47; 54, p.512-513; 519.

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