-->

quarta-feira, 13 de maio de 2015

EVANGELHO – SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR - Mc 16, 15-20 - ANO B

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO – SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR -  Mc 16, 15-20 - ANO B

Nossa esperança se fundamenta no poder de Deus
A esperança! Esta virtude teologal nos faz possuir, por antecipação, as maravilhas inimagináveis que receberemos em plenitude no fim do estado de prova e para as quais o Apóstolo aponta em sua carta.
Deus nos predestinou à salvação desde toda a eternidade e, antes mesmo de sermos criados, já havia determinado a via de santificação de cada um, antegozando o momento em que nasceríamos e começaríamos a trilhá-la. Alimentando nossa esperança em meio às dores da vida, Ele age conosco como alguém que, tendo construído um palácio para nós em local de difícil acesso, nos conduz a ele por um caminho no meio de um matagal, cheio de espinheiros e charcos próprios a causar apreensão. E anseia por nos levar quanto antes até uma clareira de onde possa mostrar, à distância, o edifício, a fim de nos encorajar a continuar o caminho.
Mais adiante, menciona São Paulo o “imenso poder que Ele exerceu em favor de nós que cremos, de acordo com sua ação e força onipotente” (Ef 1, 19). Com efeito, se a salvação estivesse sujeita aos nossos esforços nós não iríamos para o Céu, como mostra o episódio do moço rico que, ao ser chamado por Nosso Senhor, negou-se a abandonar tudo para segui-Lo, o que levou Jesus a dizer: “É mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar o rico no Reino de Deus” (Mc 10, 25). A afirmação surpreendeu os Apóstolos, que “se admiravam, dizendo a si próprios: ‘Quem pode então salvar-se?’. Olhando Jesus para eles, disse: ‘Aos homens isso é impossível, mas não a Deus; pois a Deus tudo é possível’” (Mc 10, 26-27). Sim, graças ao seu poder progredimos nas veredas da perfeição e, sobretudo, perseveramos até o término de nossa peregrinação terrena. Eis a principal razão que deve nos mover a depositar n’Ele toda a nossa esperança. Entretanto, haverá alguma garantia de que ela será recompensada?
A Ascensão de Jesus é fonte de esperança
São Paulo responde a esta questão nos versículos seguintes, aludindo ao acontecimento grandioso comemorado nesta Solenidade: Deus “manifestou sua força em Cristo, quando O ressuscitou dos mortos e O fez sentar-Se à sua direita nos Céus, bem acima de toda a autoridade, poder, potência, soberania ou qualquer título que se possa nomear não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro” (Ef 1, 20-21).
Com a Ascensão, magnífico mistério de nossa Fé recordado num dos artigos do Credo — “subiu aos Céus e está sentado à direita do Pai” —, Nosso Senhor Jesus Cristo passou a ocupar seu lugar à destra do Pai como Homem, pois enquanto Deus já Se encontrava junto d’Ele desde toda a eternidade.4 Tendo-Se unido à natureza humana pela Encarnação, desejava que esta natureza, por Ele representada, fosse introduzida na glória. Até então ninguém havia transposto os umbrais do Céu, inacessível aos homens em consequência do pecado original; só Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo e seus Anjos lá habitavam. As almas dos justos permaneciam no Limbo à espera da Redenção e ali mesmo gozaram da visão beatífica, ao serem visitados por Nosso Senhor no instante de sua Morte.5 Mas só quando Jesus ascendeu ao Céu estes eleitos lá penetraram,6 preenchendo os lugares vazios deixados por Lúcifer e seus sequazes. Precedida por Nosso Senhor Jesus Cristo, aquela plêiade de almas santas entrou na glória, a começar por São José, seu pai adotivo, seguido por Adão e Eva, pelos profetas, patriarcas, mártires da Antiga Lei e uma milícia de homens e mulheres, constituindo “um povo tão numeroso entre esta raça justamente condenada, que vem ocupar a vacância deixada pelos anjos [decaídos]. E, assim, esta Cidade amada e soberana, longe de se ver defraudada no número de seus cidadãos, se regozija em reunir um número talvez maior”.7
Sendo Jesus Cristo a “Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo” (Ef 1, 22) — como declara o Apóstolo, com muita clareza e senso teológico —, e uma vez que o Corpo não pode subsistir destacado da Cabeça, nós, enquanto seus membros, também ingressaremos na Morada Celeste.8 Sua Ascensão é para nós penhor de que seguiremos o mesmo caminho: no dia do Juízo Final retomaremos nosso corpo em estado glorioso e subiremos ao Céu, “ao encontro do Senhor nos ares” (I Tes 4, 17). A realização desta promessa é uma questão de tempo. No entanto, se o tempo existe para nós na vida presente e nos faz sentir a demora, ele desaparece depois da morte e, em face da eternidade, tal intervalo não significa nem sequer um “esfregar de olhos”. Seja este destino motivo de contentamento e entusiasmo para nós, conforme o pedido da Oração do Dia: “Fazei-nos exultar de alegria e fervorosa ação de graças, pois, membros de seu Corpo, somos chamados na esperança a participar da sua glória”.9
II – A ASCENSÃO INDICA O NOSSO FIM E OS MEIOS PARA ALCANÇÁ-LO
Muitos seriam os aspectos dignos de análise na rica Liturgia desta Solenidade, mas fixemos a atenção em alguns deles ainda não comentados em outras ocasiões.10 No trecho dos Atos dos Apóstolos escolhido para a primeira leitura (At 1, 1-11), São Lucas, tendo já narrado a vida pública de Jesus em seu Evangelho, se dispõe a historiar o desenvolvimento da Igreja nascente, começando por alguns episódios ocorridos no período de quarenta dias que Jesus passou na Terra após a Ressurreição. De suas aparições restaram-nos os relatos feitos pelos evangelistas, entre estes os do próprio São Lucas; todavia, é certo que não foram as únicas, pois não seria razoável que Ele ressurgisse com tamanha glória e Se manifestasse apenas as escassas vezes consignadas na Escritura.
São conhecidas as narrações contidas em revelações particulares — às quais, apesar de não pertencerem ao depósito da Fé, se pode dar crédito, pois ilustram legitimamente a nossa piedade —, como as da Venerável Sóror Maria de Jesus de Ágreda ou as da Beata Ana Catarina Emmerick.11 Segundo esta última, o Divino Mestre apareceu refulgente e silencioso a Simão de Cirene, que o merecia por tê-Lo ajudado a carregar a Cruz, e a diversas pessoas de Belém e Nazaré, com quem Ele ou sua Mãe Santíssima tiveram alguma proximidade. Jesus também esteve longo tempo com os Apóstolos, os discípulos e as Santas Mulheres — os quais se entristeciam por perceberem estar próximo o instante da separação —, para transmitir os derradeiros ensinamentos antes de partir.
De acordo com São Lucas, alguns Apóstolos perguntaram se havia chegado a hora da restauração do reino de Israel (cf. At 1, 6). Embora fossem testemunhas de um milagre portentoso como a Ressurreição, insistiam numa visão política e naturalista de Nosso Senhor, querendo saber se, por fim, veriam a conquista da supremacia do povo judeu sobre todos os outros. E Jesus respondeu: “Não vos cabe saber os tempos e os momentos que o Pai determinou com a sua própria autoridade. Mas recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós” (At 1, 7-8). Em seguida, elevou-Se à vista deles, provavelmente circundado de uma luz extraordinária.
E depois da Ascensão?
Imaginemos a alegria no Céu, a grande homenagem da Santíssima Trindade a Cristo-Homem e a todos os justos do Antigo Testamento que, pelos méritos infinitos da Paixão, entravam na Pátria Celeste. Enquanto as coortes angélicas se tomavam de júbilo, entoando cânticos, na Terra os discípulos mantinham os olhos fixos naquele ponto que ia desaparecendo, até que uma nuvem encobriu Nosso Senhor (cf. At 1, 9). Surgiram então dois Anjos, portadores de uma mensagem: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o Céu? Esse Jesus que vos foi levado para o Céu virá do mesmo modo como O vistes partir para o Céu” (At 1, 11).
A promessa — “virá” — talvez lhes tenha dado ideia de que o retorno seria no dia seguinte ou dali a uma semana. Porém já se somam quase dois mil anos que Jesus Cristo subiu envolto em glória e ainda não regressou... Santo Agostinho explica como isso sucederá, no dia do Juízo: “‘Este Jesus virá como o haveis visto ir ao Céu’. O que significa virá como? Que será Juiz da mesma forma como foi julgado. Visível não só para os justos, visível também para os perversos, virá para ser visto por justos e malvados. Os maus poderão vê-Lo, mas não poderão reinar com Ele”.12 Nesta perspectiva, cabe-nos estar com a atenção centrada nos últimos acontecimentos de nossa vida — morte, juízo, inferno ou Paraíso —, conforme o conselho do Eclesiástico: “Em todas as tuas obras lembra-te dos teus Novíssimos, e nunca jamais pecarás” (7, 40).
Se hoje recebêssemos a notícia de que viajaremos para algum país distante dentro de um mês, passaríamos a organizar a partida com antecedência, tomando providências com relação ao vestuário, remédios, dinheiro, documentos... Contudo, a viagem que faremos é mais longa! Dela não voltaremos! Portanto, torna-se indispensável prepará-la de maneira adequada. Agimos como insensatos quando nos preocupamos tão só com os problemas concretos que terminam nesta vida e não nos interessamos em obter um bom lugar na outra. É normal que quem empreende viagem queira conhecer o hotel no qual se hospedará. Lembremo-nos, sem embargo, de que existe um alojamento eterno chamado inferno, muito mais incômodo que qualquer situação terrível pela qual possamos atravessar na Terra. Assim, ao contemplar a Ascensão de Jesus, tenhamos descortino de horizontes e procuremos merecer uma eternidade feliz, como admoesta o Papa Bento XVI: “Durante o ‘tempo intermediário’, requer-se dos cristãos, como atitude fundamental, a vigilância. Essa vigilância significa que o homem não se fecha no momento presente, entregando-se às coisas sensíveis, mas levanta o olhar para além do momentâneo e da sua urgência”.13 Em consequência, abramos a alma aos últimos ensinamentos do Filho de Deus registrados por São Marcos e recolhidos pela Liturgia de hoje.
O que é evangelizar?
15b “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!”
O que entendemos por “anunciai o Evangelho”? Sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo nada deixou escrito, nem sequer um bilhete, quando poderia ter redigido textos de extraordinário valor. Que seria a obra de um Dante Alighieri, um Camões ou um Calderón de la Barca perto de sua divina literatura? Nos Evangelhos consta que Ele só escreveu uma vez e sobre a areia (cf. Jo 8, 6.8), pois um de seus objetivos era constituir uma obra e, muito além de qualquer livro, ter modelos, tipos humanos para realizar uma ação direta, de pessoa a pessoa. Foi o que Ele fez: fundou a Igreja, instituição imortal que se baseia muito mais no apostolado pessoal e na ação de presença do que numa produção intelectual. É importante a doutrina, mas ela, de si, não é suficiente para converter as almas, porque “a letra mata, mas o Espírito vivifica” (II Cor 3, 6). Logo, ela precisa ser difundida “pelo mundo inteiro”, mediante o invólucro do Evangelho, isto é, os princípios tornados vida.

Mais ainda, São Marcos é o único dentre os evangelistas a afirmar que Nosso Senhor deu o mandato de levar a Boa-nova “a toda criatura”, o que abrange não só os homens, mas também os minerais, vegetais, animais e inclusive os Anjos. À primeira vista julgaríamos que o Evangelho se destina apenas aos seres humanos, pois como pregá-lo, por exemplo, a uma grade, a um panorama ou a um bando de aves? A universalidade do anúncio se prende a que tudo foi concebido em função do Homem-Deus. O Verbo é a causa eficiente, a causa exemplar e a causa final de toda a criação (cf. Col 1, 16-17). D’Ele parte e para Ele tem de voltar-se sua obra. Deste modo, a nossa atuação, enquanto batizados, deve visar a disposição de todas as coisas tendo-O como centro. Pregar, então, o Evangelho a uma grade implica em fazê-la bela e ao mesmo tempo funcional, a fim de que dê glória a Deus pelo fato de existir. A beleza é um dos reflexos mais salientes e penetrantes da existência de Deus, e quem contempla algo esplendoroso facilmente se eleva até Ele. Para levar o Evangelho a toda criatura é necessário abraçar a via pulchritudinis, um dos meios mais eficazes de propagar as maravilhas trazidas ao mundo por Cristo. Isto significa sacralizar os gestos, o modo de se comportar ou de executar qualquer tarefa, desde cultivar a terra de maneira a obter frutos de aspecto atraente até erigir prédios de acordo com padrões inspirados no Evangelho. Numa palavra, é querer que a Terra se transforme num verdadeiro Paraíso.

Continua no próximo post

Nenhum comentário: