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sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Evangelho 33º Domingo do Tempo Comum - Ano B - Mc 13, 24-32

Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: 24“Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai se escurecer, e a lua não brilhará mais, 25as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas.
26Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. 27Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra.
28Aprendei, pois, da figueira esta parábola: quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto. 29Assim também, quando virdes acontecer essas coisas, ficai sabendo que o Filho do Homem está próximo, às portas. (Mc 13, 24-32).
30Em verdade vos digo, esta geração não passará até que tudo isto aconteça. 31O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. 32Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai”.
Comentários ao Evangelho - 33º Domingo do Tempo Comum -  Mc 13, 24-32
Os novíssimos do homem
Ninguém sabe quando deverá comparecer diante do Senhor. Falando do fim do mundo, Jesus deseja também nos estimular à vigilância, preparando-nos para o momento em que chegar a nossa hora.
I – Os novíssimos no inicio e fim do ciclo litúrgico
No próximo domingo, celebraremos a Solenidade de Cristo Rei, marco do término de um ciclo litúrgico e da abertura de outro. Foi instituída por Pio XI, em 1925, se bem que tradicionalmente seja tão antiga quanto a própria Liturgia, conforme Schüster: “O Santo Sacrifício e o Ofício Divino são o solene e quotidiano tributo que a Igreja paga a Cristo, a título de Pontífice e de Rei” (1). As próprias Escrituras são ricas em citações sobre as grandezas e extensão do império d’Aquele que “traz escrito em seu manto e em sua coxa o nome: Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap 19, 16).
Nossa atual liturgia, reformada após o Concílio Vaticano II, é muito substanciosa quanto a textos da Revelação, e por isso se tornou ainda mais fácil descobrir e glosar aspectos da realeza de Cristo. Quer esteja Ele nas glórias de um Tabor, ou Menino nas palhas de um Presépio, ou até mesmo na agonia de um Calvário, sempre n’Ele veremos os resplendores de sua natureza divina por trás de sua realeza.
A liturgia deste domingo

É fato de uma beleza transcendental que um ciclo litúrgico termine, e outro se inicie, entremeados pela consideração sobre a realeza de Cristo. É também belo que a Igreja encerre um ano com uma Liturgia centrada nos Novíssimos do homem, e abra o seguinte com a mesma temática. O Livro do Eclesiástico nos afirma: “Em todas as tuas obras lembrate dos teus Novíssimos, e nunca jamais pecarás” (7, 40). O primeiro deles é a morte, seguida do Juízo Particular, do qual resultará o prêmio ou o castigo eterno. Além disso, haverá o Juízo Final. Cada um deles pode ser considerado através de prismas diferentes.
Duas formas de considerar a morte
A morte, por exemplo, para uns representará a aniquilação completa e, portanto, será encarada com desespero e aflição. Para os verdadeiros católicos, entretanto, não passará de um descanso: “Não queremos, irmãos, que estejais na ignorância acerca dos que dormem, para que não vos entristeçais como os outros, que não têm esperança” (1 Ts 4, 12). As Sagradas Letras consideram a morte como um sono transitório (2 Mc 12, 45-46; Mt 9, 24; Jo 11, 11; Sl 75, 6; etc.) e, por conseguinte, uma separação temporária entre seres queridos, mas não um definitivo desaparecimento. O desespero em face da morte é uma reação pagã e atéia. Seja como for, de si, a morte causa temor, às vezes até em almas santas, como afirma o próprio Santo Agostinho, pois repugna à natureza, além de levantar muitas incertezas quanto ao futuro desconhecido. É ela um passo decisivo rumo à eternidade, um castigo de Deus, e não temê-la seria não possuir temor de Deus. Enquanto castigo, ela permanecerá no mundo até a conflagração final, apresentando-se ao justo como o mais doce dos consolos, e ao pecador como uma vingança divina por Lhe ter virado as costas.
Dos Novíssimos, o único que nos é possível constatar com os nossos sentidos é a morte. Podemos presenciá-la como o término desta vida terrena, mas não vemos o que se lhe segue além dos umbrais da eternidade.
Entretanto, há no fundo de nossas almas um benfazejo temor desse futuro incógnito. Daí surgem energias e estímulos para evitar o mal e abraçar o Bem.
O tríplice Juízo de Cristo
Análoga reação se verifica no tocante aos outros Novíssimos. Assim, a Idade Média considerou com dor e espanto as perspectivas da Liturgia de hoje, ressaltando o sentimento de culpa diante de Deus, como resultado dos incontáveis pecados e, consequentemente, a enorme prestação de contas a ser feita, no dia do Juízo. Na realidade, a divina obra da Redenção estará inacabada enquanto não forem julgados todos os homens.
Segundo São Tomás de Aquino, o Juízo é tríplice:
1. Para governo dos homens
“A vida humana é regulada pelo justo juízo de Deus, pois é Ele quem julga todos os homens. Não se deve pôr em dúvida que esse juízo, pelo qual são governados os homens neste mundo, faz parte também do poder judicial de Cristo, já que, segundo sua natureza humana, está sentado à direita de Deus enquanto tendo recebido d’Ele o poder judicial, o qual exerce ainda agora, antes de aparecer visivelmente.”
 2. Juízo Particular
“Há outro juízo de Deus em virtude do qual se dará à alma de cada um, após a morte, o que ela mereceu. Os justos mortos permanecem em Cristo, os pecadores são sepultados no inferno. Não se pense que essa discriminação é feita sem juízo de Deus, ou que esse juízo não é próprio ao poder de Cristo.”
3. Juízo Universal
“Como a recompensa dos homens compreende não apenas os bens da alma, mas também os do corpo que a alma reassume pela ressurreição, e como toda retribuição requer um juízo, é necessário estabelecer outro juízo no qual se retribua aos homens segundo suas obras, não somente na alma, mas também no corpo. Esse juízo compete a Cristo para que, assim como Ele morreu por nós, ressuscitou e subiu aos Céus, assim também faça ressuscitar com seu poder os corpos de nossa vileza e os assuma com seu Corpo glorioso a fim de levá-los ao Céu, onde Ele nos precedeu, abrindo diante de nós o caminho. Ora, a ressurreição será no fim do mundo, e de todos os homens ao mesmo tempo. Portanto, esse juízo será também comum a todos, e final” (2).
A unidade do Ano Litúrgico
Assim, a evocação dos últimos acontecimentos que devem encerrar a obra redentora de Cristo Jesus é convenientemente celebrada neste 33º Domingo do Tempo Comum. Da mesma forma deverá iniciar-se o Ano Litúrgico seguinte, pois deseja a
Santa Igreja tornar presente a seus fiéis, no começo de um ciclo e no término de outro, o quanto esse todo constitui uma só unidade. Não podemos julgar-nos meros indivíduos sem a menor relação com toda a ordem e história do universo. Enquanto partes integrantes dele, devemos ter consciência de nossa responsabilidade em face da obra da Criação, no seu todo.
Os mistérios de nossa Redenção que nos são apresentados em cada ciclo litúrgico partem da contemplação do Juízo Final e nessa mesma perspectiva se concluem.
Dupla perspectiva de esperança e temor
Como devemos nós encarar os Novíssimos? Com animada esperança, ou com aflito temor? Se bem que esteja presente nesta Liturgia uma clara nota de esperança, parece ser a consideração da terribilidade do Juízo a mais apropriada. A primeira Leitura deste domingo foi escolhida com muito discernimento, e suas palavras nos colocam diante desta dupla perspectiva, a de esperança e a de temor: “Será uma época de tal desolação, como jamais houve igual desde que as nações existem (...) serão salvos todos aqueles que se acharem inscritos no livro. (...) despertarão, uns para uma vida eterna, outros para a ignomínia, a infâmia eterna. (...) Os que tiverem introduzido muitos (nos caminhos) da justiça luzirão como as estrelas, com um perpétuo resplendor” (Dn 12, 1-3).
Por essas palavras, percebe-se quanto a nota tônica da terribilidade do Juízo Final estimula o temor de Deus, tão benfazejo para a vida espiritual.
Harmonia entre misericórdia e justiça
Ao longo de todo o Ano Litúrgico, a Igreja nos leva pelas vias da bondade, do perdão e da confiança sem limites na divina misericórdia de Jesus. Os próprios Evangelhos transbordam de benquerença, à margem de algumas expressões enérgicas e fortes, mas o cerne é feito de suavidade, clemência e afeto, emanados do Sagrado Coração de Jesus. E se não fossem certas celebrações, seríamos levados a esquecer, por nosso relaxamento, a substancial Justiça de Deus. Ora, no curso desta vida, estamos sendo provados com vistas ao prêmio ou ao castigo eternos. Por isso, essas três Liturgias consecutivas nos estimulam, ademais, a sermos gratos a Deus pelos benefícios da Redenção, a fazermos um exame de consciência para analisarmos se temos ou não correspondido às inúmeras graças até aqui recebidas.
Eis algumas razões pelas quais o Ano Litúrgico se inicia e termina centrado na lembrança dos Novíssimos do homem.
II – Profecia Sobre a destruição de Jerusalém e sobre o fim dos tempos
O fim dos tempos
 24“Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai se escurecer, e a lua não brilhará mais, 25as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas.
O trecho escolhido para servir como Evangelho deste 33º Domingo vem precedido de uma detalhada revelação, feita por Jesus, a propósito dos últimos acontecimentos que deverão encerrar o curso dos tempos. Ao sair do Templo (cf. Mc 13, 1), Ele deixa estupefatos os discípulos, afirmando que daqueles edifícios não ficaria pedra sobre pedra. A partir dessa profecia, outras mais graves são proferidas por Jesus, nessa ocasião, delineando o terrível quadro do fim do mundo, como também o da destruição de Jerusalém. São os acontecimentos que constituem a “tribulação” referida no v. 24.
As palavras presentes nesses dois versículos devem ser tomadas ao pé da letra, se bem que elas não excluam também um sentido simbólico, inerente a tão catastróficos acontecimentos. Se não fossem uma descrição da realidade, não teriam sido objeto de expressões tão fortes, empregadas não só por Jesus, como também pelos Profetas: “Eis que virá o dia do Senhor, dia implacável, de furor e de cólera ardente, para reduzir a terra a um deserto, e dela exterminar os pecadores. Nem as estrelas do céu, nem suas constelações brilhantes, farão resplandecer sua luz; o sol se obscurecerá desde o nascer, e a lua já não enviará sua luz” (Is 13, 9-10). São Pedro assim escreve: “Os céus e a terra que agora existem são guardados pela mesma palavra divina e reservados para o fogo no dia do Juízo e da perdição dos ímpios” (2 Pd 3, 7).
Esse tremendo abalo produzido na ordem natural, conseqüência dos pecados da humanidade, como o será a queda das estrelas, produzirá um altíssimo grau de calor suficiente para derreter até os mais resistentes elementos (cf. 2 Pd 3, 10).
Insensibilidade do homem ante os perigos distantes
Todas essas profecias, porém, são consideradas pelos homens como algo muito distante e, talvez, irrealizável. Não é débil a força do unanimismo sobre nossa psicologia; somos levados a ter medo somente dos fatos diante dos quais todos tremem. Daí a reação dos contemporâneos de Noé, como também a dos habitantes de Jerusalém, próximo à sua queda.
Os prazeres lícitos da vida, e mais ainda os ilícitos, além do atual desenvolvimento tecnológico e do deus de todos os tempos — o dinheiro —, avassalam os corações e os inclinam a um forte desejo de que isso tudo jamais termine. Ora, nenhum argumento arrasta tanto ao erro quanto a persuasão da ansiedade; e ainda quando as evidências lhe demonstrem o contrário, prefere o homem viver um sonho ilusório, afastando para longe de si qualquer idéia que possa perturbar seu gozo da vida. Sua sofreguidão em deliciar-se com os bens deste mundo leva-o a querer prolongar ad aeternum a atual existência.
Em extremo oposto, Deus não Se faz guiar pelos nossos sonhos; assim como as águas do Dilúvio inundaram a terra, o Reino de Israel foi abalado em seus fundamentos e tantas nações foram aniquiladas ao longo da História, assim também a terra inteira perecerá num dilúvio de fogo, no fim do mundo.
Os ímpios se unem para atacar a Religião
O pecado debilita a fé e, ao tornar-se frequente, chega a extingui-la. No começo dessa rotina, o pecador ainda sentirá certo remorso, mas, com o decorrer do tempo, para tentar sufocar a voz da consciência, acabará por dar de ombros às ameaças e castigos, bem como às recompensas de Deus. E, como tem ocorrido em todas as eras, não sendo possível ao homem destruir a ideia incômoda da existência de um Deus onipotente, ele formará para si deuses de metal ou de pedra. Estará já na fase das blasfêmias, mas não conseguirá com estas mudar em nada a natureza de Deus; muito pelo contrário, serão elas causa da proximidade da intervenção d’Ele.
Quando se chega a esses extremos, e ao se tornar generalizado esse mal, os ímpios se unem para atacar a verdadeira Religião, porque sua existência os inquieta, perturba e freia. Esse ódio leva a uma explosão, e exige de Deus a transformação de suas ameaças em ato concreto. Tal como se deu tantas vezes na História, assim se dará no fim do mundo.
Evocando esse acontecimento na Liturgia de hoje, quer a Igreja esculpir indelevelmente em nossos corações o temor de Deus, que é o começo da Sabedoria. Conservemo-lo por meio da meditação e da oração. Ele preservará nossa inocência e piedade, além de vir a ser nossa proteção no dia da ira.
A vinda triunfal de Cristo
26Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória.
Imediatamente após a Ascensão do Senhor, os Anjos proclamaram aos Apóstolos: “Homens da Galiléia, por que estais aí parados olhando para o céu? Esse Jesus que, separando- se de vós, foi arrebatado ao céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o céu” (At 1, 11). Portanto, esta deve ser nossa crença. Ele virá enquanto Filho do Homem, em seu corpo glorioso, pois, segundo alguns comentaristas, essa deverá ser a forma pela qual será visto e reconhecido, até pelos maus. Os bons adorarão a divindade do Filho do Homem. Por estarem na visão beatífica, verão a gloriosa humanidade d’Ele unida hipostaticamente a Deus, na Segunda Pessoa da Trindade Santíssima. Pelo contrário, os maus só verão sua humanidade, se bem que “conhecerão manifestamente que Cristo é Deus, não por verem a divindade, mas pelos sinais claríssimos dela” (3). Para uns, alegria; para outros, angústia e amargura, conforme nos ensina São Tomás de Aquino: “Assim como a glória de um amigo nos causa prazer, assim a glória e o poder de quem odiamos nos faz imensamente sofrer. Por onde, assim como a contemplação da gloriosa humanidade de Cristo será um prêmio para os justos, assim há de ser um suplício para os inimigos de Cristo. Por isso, a Escritura diz: ‘Vejam e sejam confundidos os que têm inveja do teu povo; e devore o fogo (isto é, da inveja), os teus inimigos’ (Is 26, 11)” (4).
Cristo é Juiz enquanto Homem
Sempre com indiscutível clareza, afirma São Tomás que o julgar pertence a quem coube legislar. Cristo Jesus, ao trazer-nos o Evangelho como fruto de sua Encarnação, enquanto homem será Juiz também. Por outro lado, se por Pilatos foi julgado como homem, virá julgar também como tal (5). Portanto, não devemos nos equivocar, imaginando que o seu poder de julgar é exclusivamente divino. É real que “Cristo, na sua natureza divina, tem autoridade de Senhor sobre todas as criaturas, por direito de autor da criação. Mas, pela sua natureza humana, tem a autoridade do domínio merecida pela sua Paixão, se bem que esta seja secundária e adquirida, ao passo que a primeira é natural e eterna” (6).
Papel dos Anjos na ressurreição dos mortos
27Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra.
Sempre segundo São Tomás (7), a ressurreição dos mortos será operada por Deus, servindo-se do ministério dos Anjos. O Doutor Angélico divide em dois atos a ressurreição: reunir os respectivos restos de cada corpo que se encontram espalhados e, em seguida, reconstituir todos os corpos. Estas duas tarefas estarão a cargo dos Anjos. No que diz respeito à união de cada alma ao respectivo corpo, caberá exclusivamente a Deus realizá-la, assim como a glorificação dos corpos dos bem-aventurados.
A imagem da figueira
28Aprendei, pois, da figueira esta parábola: quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto. 29Assim também, quando virdes acontecer essas coisas, ficai sabendo que o Filho do Homem está próximo, às portas.
Nosso Senhor retorna à metáfora da figueira pela terceira vez ao longo dos Evangelhos, pelo fato de ser ela muito eloquente. Quiçá tenha criado essa árvore, entre outras razões, para servir nessas circunstâncias à sua divina didática.
A figueira era muitíssimo comum na Palestina de outrora, e continua a sobreviver ali apesar das guerras e da industrialização. Tratava-se, portanto, de um exemplo bem ao alcance de qualquer um. Por uma lei botânica criada por Deus, no fim do inverno a seiva dessa árvore, com eficaz vitalidade, põe-se a percorrer os galhos e ramos, conferindo-lhes flexibilidade. Não tarda muito a aparecerem as folhas, e, ao cobrir-se ela de verde, é sinal de estar às portas do verão. Da mesma forma, saber-se-á discernir as cercanias do fim dos tempos, quando se cumprirem os sinais apontados pelo Salvador em suas palavras anteriores (ver também Mt 24, 32-33 e Lc 21, 29-31).
São sinais para as almas cheias de fé, a fim de as ajudar naqueles dias terríveis. Tanto mais que as expressões de Jesus possuem uma nota de firmeza e segurança tais que não deixam possibilidade à menor dúvida. Costumamos dizer que verba volant (as palavras voam), por não terem a estabilidade da escrita. Pois bem, aí está a palavra do Homem-Deus, também escrita, para atravessar os séculos e os milênios.
“Não passará esta geração...”
30 Em verdade vos digo, esta geração não passará até que tudo isto aconteça. 31 O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão.
São variados os comentários dos autores a respeito desses versículos. Recolhemos alguns mais significativos.
Teofilacto, por exemplo, assim se exprime sobre o v. 30: “Não passará esta geração (a dos cristãos) enquanto não se tenha cumprido tudo quanto foi dito acerca de Jerusalém e da vinda do Anticristo. Ele não se referiu à ‘geração dos Apóstolos’, pois a maior parte deles não viveu até a destruição de Jerusalém, mas à de todos os cristãos, querendo assim consolar seus discípulos, para que não pensassem que a fé faltaria naqueles tempos, uma vez que, antes que a palavra de Cristo, faltarão os elementos estáveis deste mundo” (8).
A propósito do v. 31, parece-nos bem clara a interpretação de Beda: “O céu que passará não é o etéreo ou sideral, mas o do ar, porque, assim como caiu por todas as partes a água do Dilúvio, assim também, segundo o Apóstolo São Pedro, cairá por todas as partes o fogo do Juízo. O céu e a terra perderão sua forma atual, mas subsistirão eternamente, quanto à sua essência” (9).
Ainda quanto ao v. 30, um autor da atualidade, o Pe. Raniero Cantalamessa, opina da seguinte forma: “[Jesus] equivocou-Se? Não. Com efeito, não passou senão a geração do mundo de seus ouvintes, o mundo judaico passou tragicamente com a destruição de Jerusalém no ano 70. Quando, em 410, houve o saque de Roma por obra dos Vândalos, muitos grandes espíritos do tempo pensaram que fosse o fim do mundo. Não se enganavam muito: terminava um mundo, o criado por Roma com seu império. “Isso não diminui, pelo contrário, aumenta a seriedade da permanência cristã. Seria uma grande estupidez tranquilizar-se, dizendo que, entretanto, ninguém sabe quando será o fim do mundo, esquecendo-se de que este pode acontecer, para mim, nesta mesma noite” (10).
Poderia o Filho ignorar a hora de seu triunfo?
32Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai”.
Que os homens e até mesmo os Anjos não o saibam, é perfeitamente admissível; mas como entender a existência da ignorância n’Aquele que é a Sabedoria eterna e encarnada? Essa é a perplexidade belamente expressa e, em seguida, bem solucionada por Santo Hilário. Diz ele que o Pai não poderia usar de maldade, negando-se a revelar ao Filho, a quem fizera conhecer o dia de sua morte injusta, o momento de seu triunfo. Todos os tesouros da Sabedoria estão ocultos também no Filho, e se algo Ele não nos comunica, não será jamais por falta de capacidade, mas por ainda não ser oportuno (11).
A melhor explicação, nós a encontramos na obra do Revmo. Pe. Andrés Fernández Truyols SJ: “Soa de modo estranho essa asserção, no que diz respeito ao Filho. Disseram alguns Padres da Igreja que, embora Ele o ignorasse como homem, não o ignorava como Deus. Mas isso não basta. Enquanto homem, Jesus Cristo possuía, além da ciência experimental, a visão beatífica e a ciência infusa; e assim, tanto por uma quanto pela outra, conhecia perfeitamente o tempo da parusia. Essa expressão deve, portanto, ser entendida no sentido de que, como legado do Pai, não estava chamado a revelar aos homens essa verdade; na prática, era como se não a conhecesse. Em outros termos, não a conhecia como ciência comunicável” (12).
III – Não devemos buscar as glórias deste mundo como um fim
O povo eleito aguardava um Messias com as glórias de Davi levadas ao auge. Daí surgiria um pleno domínio social, político, religioso e até mesmo financeiro sobre todos os outros povos. Ora, Jesus faz questão de referir-Se a Si próprio como sendo o Filho do Homem, para combater essa má tendência naqueles que tanto amava. A Sagrada Escritura usa muitas vezes essa expressão. Por exemplo, o profeta Ezequiel, ressaltando sua humilde condição de criatura com todas as suas debilidades, por 93 vezes se autodenomina “filho do homem”.
Mas nem sempre as glórias deste mundo significam condenação eterna. Pode-se dizer também o contrário, ou seja, nem sempre os fracassos durante a existência terrena importam na glória beatífica na outra vida.
Diante dessa realidade, que outro ensinamento devemos extrair da Liturgia de hoje? Além de nos estimular à vigilância, a fim de estarmos preparados para o dia de nosso encontro com o Supremo Juiz — quer seja logo após nossa morte, quer no Vale de Josafá —, Jesus, ao ter abraçado o aparente fracasso da Cruz, nos confere uma divina lição. Não devemos buscar as glórias deste mundo como um fim último. Triunfo ou derrota, prazer ou dor, riqueza ou miséria, e assim por diante, pouco importam. Sejam os meios quais forem, nosso único objetivo deve ser o de fazer a vontade de Deus a nosso respeito, e aí sim, irmos de encontro ao “Filho do Homem vindo sobre as nuvens com grande poder e glória” (v. 26).
1) Liber Sacramentorum, Herder, 1948, t. IX, p. 91.
2 ) Opúsculo 13, l. 1, c.242.
 3) Suma Teológica, Supl., q. 90, a. 3, ad 1
4 ) Idem, q. 90, a. 2, ad 4.
5 ) Cf. Suma Teológica, Supl. q. 90, a.1, sc.
6 ) Idem, a. 1, ad 1.
7 ) Cf. Suma Teológica, Supl. q. 76, a.3.
8 ) São Tomás de Aquino, Catena Áurea, in Mc.
9 ) Idem.
10 ) Echad las Redes – Reflexiones sobre los Evangelios, Ciclo B, EDICEP, C.B. Valencia, 2003.
11) Cf. Liber 9, de Trinitate, n. 60-63 et passim.
12 ) Vida de Nuestro Señor Jesucristo, BAC, Madrid, 1954, vol. III, p. 550.


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