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sábado, 21 de março de 2015

DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR

COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR
O verdadeiro Messias e seu glorioso triunfo
Sedentos de glória humana e incapazes de aceitar o Reino de Deus que lhes era oferecido, os inimigos de Nosso Senhor terminaram por crucificá-Lo... propiciando assim seu verdadeiro e perene triunfo.
I - OS PARADOXOS DO DOMINGO DE RAMOS
Domingo de Ramos é o pórtico da Semana Santa, ao longo da qual contemplamos o cerne da vida e missão de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, o ponto central de nossa Fé Católica Apostólica Romana. E o Salvador, Ele mesmo, quem decide iniciar sua Paixão, entrando em Jerusalém montado num jumento, assim como foi Ele quem escolheu a carne humana para realizar a Redenção e a Gruta para nascer.
Algumas semanas antes de Se dirigir à Cidade Santa, Jesus ressuscitara Lázaro, falecido havia quatro dias. Bem podemos imaginar o espanto dos circunstantes quando Ele mandou abrir o túmulo, pois àquelas alturas o corpo já deveria estar em de composição. A despeito do constrangimento geral, removeram a lápide e, à ordem de Nosso Senhor — “Lázaro, vem para fora!” (Jo 11, 43) —, este não só ressuscitou como subiu a escada de acesso à saída do sepulcro, “tendo os pés e as mãos ligados com faixas, e o rosto coberto por um sudário” (Jo 11, 44). 0 fato alcançou grande repercussão em Israel, causando tal estupor que a opinião pública se tomou de sofreguidão por conhecer aquele extraordinário Taumaturgo. Como a Páscoa estava próxima, os judeus que subiam ao Templo para se purificar procuravam o Divino Mestre e se perguntavam uns aos outros: “Que vos parece? Achais que Ele não virá à festa?” (Jo 11, 56). Ao saber que Ele vinha chegando, a multidão saiu-Lhe ao encontro com ramos de palmas nas mãos, aclamando-O, “porque tinha ouvido que Jesus fizera aquele milagre” (Jo 12, 18).
Cena simples na aparência, grandiosa na essência
Nosso desejo seria de que esta entrada se verificasse de modo apoteótico, com um cortejo triunfal em que os jumentinhos carregassem, quando muito, os últimos auxiliares do Salvador. Ele mereceria desfilar num animal imponente, um elefante ou um belo corcel branco, semelhante àquele sobre o qual aparece figurado no Apocalipse, com uma espada entre os dentes (cf. Ap 19, 11-15). Pelo contrário, o Senhor prefere uma singela montaria, Se apresenta com suas vestes habituais, sem ostentar um manto real, e não Se faz anunciar. As autoridades — o sumo pontífice, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo —, a quem caberia promover uma solenidade para recebê-Lo, não Lhe prestam homenagem. Nada do que acontecia estava à altura d’Ele!
Contudo, se esta cena foi simples na sua exterioridade, foi riquíssima no que diz respeito à substância, pois ali estava o próprio Deus feito Homem, “nascido para ser Rei, da maneira mais admirável e augusta do mundo, já que o era pela admiração que despertavam seus exemplos, sua santa vida, sua santa doutrina, suas grandes obras e seus grandes milagres [...]. Nada em sua aparência impressionava à vista; este Rei pobre e benigno montava um burrico, humilde e mansa cavalgadura, e não aqueles cavalos fogosos, atrelados a uma charrete cuja suntuosidade atraía os olhares. Não se viam servos nem guardas, nem a imagem das cidades derrotadas, nem seus despojos ou seus reis cativos. [...] A Pessoa do Rei e a lembrança de seus milagres faziam toda a consideração desta festa”.1
Jesus pede “um jumentinho que nunca foi montado” — pois estava reservado para Ele — e o animal não se mostra arisco, mas caminha docemente, trazendo no dorso o Soberano do universo e nosso Redentor, em função de quem todas as coisas foram criadas. Quanto simbolismo há por detrás disso! Como gostaríamos de ter aquele burrico empalhado e conservado numa catedral!
À passagem de Nosso Senhor, o povo exclama maravilhado: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o Reino que vem, o Reino de nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos Céus!”. Conforme a narração de São Lucas, em certo momento os fariseus interpelaram Jesus pra exigir que reprimisse as ovações, e Ele lhes respondeu: “Digo-vos: se estes se calarem, clamarão as pedras!” (Lc 19, 40). Sim, não só as pedras, como também as plantas, os insetos, as aves do céu, enfim, todos os animais, se congregariam em torno d’Ele naquela ocasião e saltariam de alegria cantando-Lhe as glórias, não os houvesse Ele refreado por um milagre. Com efeito, se no Paraíso Terrestre o homem tinha tal domínio sobre os seres irracionais que estes obedeciam às suas ordens, tanto mais Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo Deus, em relação à natureza criada por Ele!
O povo esperava um rei temporal
Não há dúvida de que, com aqueles brados, a multidão reconhecia a realeza de Jesus como autêntico descendente de Davi. Entretanto, eram aclamações baseadas numa perspectiva deformada, segundo a concepção — generalizada entre os judeus — de um Messias político que os libertaria do jugo romano e restauraria o reino de Israel, obtendo-lhe a supremacia sobre todas as outras nações. Eles associavam a vinda desse Messias, portanto, mais a uma salvação temporal do que à salvação eterna. Assim, receberam Jesus com honras, na expectativa de que Ele, afinal, tomasse conta do poder e se iniciasse para os judeus uma época diferente.
De fato, o Redentor abria uma era diferente, mas do ponto de vista sobrenatural. E eles, muito naturalistas, não percebiam isto. Em consequência, aquele contentamento que manifestavam não estava timbrado pela admiração à divindade de Cristo. Arrebatados por graças místicas e consolações extraordinárias, acolheram-No entre gritos e cânticos de entusiasmo, transbordando de alegria; porém, devido a esta mentalidade errada, aplicaram tais graças num rumo destoante dos desígnios de Deus. Desejosos de um reino humano, imaginavam como sendo o máximo sucesso ter um monarca dotado da capacidade de operar qualquer espécie de milagres, pois, deste modo, todos os seus problemas seriam resolvidos. No fundo, almejavam uma felicidade meramente terrena e, com tal ardor a procuravam, que se fosse possível, quereriam passar a eternidade neste mundo. Numa palavra, eram “limbolatras”, ou seja, adoradores de uma situação que fizesse desta vida uma espécie de limbo, sem sofrimento nem gozo sobrenatural.

Estas reflexões contêm uma lição para nós: devemos ser muito cuidadosos em não nos aproveitarmos das graças para nossos interesses pessoais e jamais nos apropriarmos dos dons de Deus para com eles nos autoprojetarmos, buscando satisfazer nosso amor-próprio, vaidade e orgulho.
Continua no próximo post

sexta-feira, 20 de março de 2015

EVANGELHO DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR

 COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR
O verdadeiro Messias e seu glorioso triunfo
Sedentos de glória humana e incapazes de aceitar o Reino de Deus que lhes era oferecido, os inimigos de Nosso Senhor terminaram por crucificá-Lo... propiciando assim seu verdadeiro e perene triunfo.
I - OS PARADOXOS DO DOMINGO DE RAMOS
Domingo de Ramos é o pórtico da Semana Santa, ao longo da qual contemplamos o cerne da vida e missão de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, o ponto central de nossa Fé Católica Apostólica Romana. E o Salvador, Ele mesmo, quem decide iniciar sua Paixão, entrando em Jerusalém montado num jumento, assim como foi Ele quem escolheu a carne humana para realizar a Redenção e a Gruta para nascer.
Algumas semanas antes de Se dirigir à Cidade Santa, Jesus ressuscitara Lázaro, falecido havia quatro dias. Bem podemos imaginar o espanto dos circunstantes quando Ele mandou abrir o túmulo, pois àquelas alturas o corpo já deveria estar em de composição. A despeito do constrangimento geral, removeram a lápide e, à ordem de Nosso Senhor — “Lázaro, vem para fora!” (Jo 11, 43) —, este não só ressuscitou como subiu a escada de acesso à saída do sepulcro, “tendo os pés e as mãos ligados com faixas, e o rosto coberto por um sudário” (Jo 11, 44). 0 fato alcançou grande repercussão em Israel, causando tal estupor que a opinião pública se tomou de sofreguidão por conhecer aquele extraordinário Taumaturgo. Como a Páscoa estava próxima, os judeus que subiam ao Templo para se purificar procuravam o Divino Mestre e se perguntavam uns aos outros: “Que vos parece? Achais que Ele não virá à festa?” (Jo 11, 56). Ao saber que Ele vinha chegando, a multidão saiu-Lhe ao encontro com ramos de palmas nas mãos, aclamando-O, “porque tinha ouvido que Jesus fizera aquele milagre” (Jo 12, 18).
Cena simples na aparência, grandiosa na essência
Nosso desejo seria de que esta entrada se verificasse de modo apoteótico, com um cortejo triunfal em que os jumentinhos carregassem, quando muito, os últimos auxiliares do Salvador. Ele mereceria desfilar num animal imponente, um elefante ou um belo corcel branco, semelhante àquele sobre o qual aparece figurado no Apocalipse, com uma espada entre os dentes (cf. Ap 19, 11-15). Pelo contrário, o Senhor prefere uma singela montaria, Se apresenta com suas vestes habituais, sem ostentar um manto real, e não Se faz anunciar. As autoridades — o sumo pontífice, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo —, a quem caberia promover uma solenidade para recebê-Lo, não Lhe prestam homenagem. Nada do que acontecia estava à altura d’Ele!
Contudo, se esta cena foi simples na sua exterioridade, foi riquíssima no que diz respeito à substância, pois ali estava o próprio Deus feito Homem, “nascido para ser Rei, da maneira mais admirável e augusta do mundo, já que o era pela admiração que despertavam seus exemplos, sua santa vida, sua santa doutrina, suas grandes obras e seus grandes milagres [...]. Nada em sua aparência impressionava à vista; este Rei pobre e benigno montava um burrico, humilde e mansa cavalgadura, e não aqueles cavalos fogosos, atrelados a uma charrete cuja suntuosidade atraía os olhares. Não se viam servos nem guardas, nem a imagem das cidades derrotadas, nem seus despojos ou seus reis cativos. [...] A Pessoa do Rei e a lembrança de seus milagres faziam toda a consideração desta festa”.1
Jesus pede “um jumentinho que nunca foi montado” — pois estava reservado para Ele — e o animal não se mostra arisco, mas caminha docemente, trazendo no dorso o Soberano do universo e nosso Redentor, em função de quem todas as coisas foram criadas. Quanto simbolismo há por detrás disso! Como gostaríamos de ter aquele burrico empalhado e conservado numa catedral!
À passagem de Nosso Senhor, o povo exclama maravilhado: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o Reino que vem, o Reino de nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos Céus!”. Conforme a narração de São Lucas, em certo momento os fariseus interpelaram Jesus pra exigir que reprimisse as ovações, e Ele lhes respondeu: “Digo-vos: se estes se calarem, clamarão as pedras!” (Lc 19, 40). Sim, não só as pedras, como também as plantas, os insetos, as aves do céu, enfim, todos os animais, se congregariam em torno d’Ele naquela ocasião e saltariam de alegria cantando-Lhe as glórias, não os houvesse Ele refreado por um milagre. Com efeito, se no Paraíso Terrestre o homem tinha tal domínio sobre os seres irracionais que estes obedeciam às suas ordens, tanto mais Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo Deus, em relação à natureza criada por Ele!
O povo esperava um rei temporal
Não há dúvida de que, com aqueles brados, a multidão reconhecia a realeza de Jesus como autêntico descendente de Davi. Entretanto, eram aclamações baseadas numa perspectiva deformada, segundo a concepção — generalizada entre os judeus — de um Messias político que os libertaria do jugo romano e restauraria o reino de Israel, obtendo-lhe a supremacia sobre todas as outras nações. Eles associavam a vinda desse Messias, portanto, mais a uma salvação temporal do que à salvação eterna. Assim, receberam Jesus com honras, na expectativa de que Ele, afinal, tomasse conta do poder e se iniciasse para os judeus uma época diferente.
De fato, o Redentor abria uma era diferente, mas do ponto de vista sobrenatural. E eles, muito naturalistas, não percebiam isto. Em consequência, aquele contentamento que manifestavam não estava timbrado pela admiração à divindade de Cristo. Arrebatados por graças místicas e consolações extraordinárias, acolheram-No entre gritos e cânticos de entusiasmo, transbordando de alegria; porém, devido a esta mentalidade errada, aplicaram tais graças num rumo destoante dos desígnios de Deus. Desejosos de um reino humano, imaginavam como sendo o máximo sucesso ter um monarca dotado da capacidade de operar qualquer espécie de milagres, pois, deste modo, todos os seus problemas seriam resolvidos. No fundo, almejavam uma felicidade meramente terrena e, com tal ardor a procuravam, que se fosse possível, quereriam passar a eternidade neste mundo. Numa palavra, eram “limbolatras”, ou seja, adoradores de uma situação que fizesse desta vida uma espécie de limbo, sem sofrimento nem gozo sobrenatural.
Estas reflexões contêm uma lição para nós: devemos ser muito cuidadosos em não nos aproveitarmos das graças para nossos interesses pessoais e jamais nos apropriarmos dos dons de Deus para com eles nos autoprojetarmos, buscando satisfazer nosso amor-próprio, vaidade e orgulho.
Das aclamações aos gritos de condenação
Digno de nota é também outro aspecto que a Liturgia de hoje nos ressalta. De que adiantou àquela gente aclamar o Senhor com ramos de palma nas mãos e estender seus mantos pelo caminho? Dentro de poucos dias a multidão estaria diante de Pilatos, vociferando: “Crucifica-O! Crucifica-O!”. Tal é a volubilidade das coisas do mundo, e assim são os aplausos estúpidos atrás dos quais correm os insensatos. Querer a aprovação dos homens é querer um dia receber o grito condenatório de todos!
Quão diferente é a estabilidade de Deus! Quando Ele aplaude alguém, o faz pela eternidade inteira. Se a Paixão de Jesus tivesse ocorrido depois de alguns anos de sua entrada solene em Jerusalém, o tempo nos permitiria considerar esta mudança de atitude da opinião pública como fruto de um processo. Mas como explicar uma transição tão fulminante dos louvores ao ódio? Como entender que tenham chegado à infâmia de passar diante de Nosso Senhor crucificado para soltar as blasfêmias referidas no Evangelho?
É esta a lógica do mal, a lógica do egoísmo, a lógica do pecado! Eis um ponto para nosso exame de consciência: eu, que me alegro ao ser tocado pela graça no fundo da alma,se não for vigilante e rígido comigo e consentir numa má solicitação — seja por pensamento, desejo ou olhar —, neste momento estarei encetando o mesmo caminho daqueles judeus e, em breve, o “Hosana!” cederá lugar ao “Crucifica-O!”
II – O IRREMEDIÁVEL CONFRONTO ENTRE DUAS VISUALIZAÇÕES
Ao analisar a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, não é difícil perceber que a pedra de escândalo em função da qual os campos se dividem é a concepção a respeito do Messias. De um lado, temos a visão política; de outro, a religiosa. E esta última — a verdadeira — é perseguida com ódio de extermínio por aqueles que aderiram à visão falsa.
Esta noção equivocada do povo não se diferenciava muito dos anseios dos membros do Sinédrio. Também eles esperavam que o Salvador de Israel fosse um habilidoso político, capaz de modificar completamente o estado da nação. E como se davam conta de que Nosso Senhor não usaria de nenhuma espécie de favoritismo em relação a eles se, de fato, subisse ao poder, O invejavam e não suportavam sua presença.
Jesus: Profeta por excelência e Vítima de sua própria missão
Na primeira leitura (Is 50, 4-7) deste domingo, encontramos prefigurada em Isaías a missão de Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto Profeta por excelência, chamado a conduzir os homens nas vias de Deus.
O Altíssimo, ao suscitar os profetas, os constitui seus intermediários junto aos homens. Ora, este encargo tão excelente aos olhos de Deus exige de quem o recebe a disposição de se entregar como vítima expiatória: “Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas” (Is 50, 6). Ou seja, o profeta é incompreendido. Por quê? Pelo fato de andar contra a corrente, de alertar o povo de seus desvios e indicar o caminho da moral, do direito, da retidão, da santidade, oposto ao das paixões desregradas.
E foi o que aconteceu ao Salvador: “Veio para o que era seu, mas os seus não O receberam” (Jo 1, 11). Ele vinha oferecendo não só aos judeus, mas à humanidade inteira, a “gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8, 21); todavia, muitos preferem a pseudoliberdade de todos os seus instintos, isto é, a libertinagem. Ele Se encarnou para nos dar a filiação divina, pela qual nos tornamos príncipes, não de uma casa que hoje reina e amanhã se extingue, e sim herdeiros do trono celeste, “co-herdeiros de Cristo” (Rm 8, 17). E mais: Deus quis não só adotar-nos como filhos, mas também outorgar uma participação real em sua vida, como se em nossas veias corresse o próprio Sangue divino: “Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato” (I Jo 3, 1). No entanto, foi o convite a esta divinização, pela graça, que os homens rejeitaram!
Signo da História do Cristianismo
Ao escolher entrar em Jerusalém de forma tão modesta, como símbolo de contradição, visava, pois, mostrar o quanto sua realeza é muito distinta da esperada pelos judeus. Ele mesmo o declarará diante de Pôncio Pilatos, autoridade máxima da Judeia: “O meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36). Se, pelo contrário, Ele houvesse Se apresentado como rei deste mundo, teria sido estimado e carre gado em triunfo, inclusive por seus inimigos.
O antagonismo entre a verdadeira e a falsa visualização do Salvador é o signo da História do Cristianismo, e o será até o fim dos tempos. Sempre haverá quem queira servir-se da Igreja e dos dons de Deus para interesses materiais e profanos e, em consequência, odiará aqueles que reputam “como perda todas as coisas, em comparação com este bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo” (Fl 3, 8). Estes últimos são pedras de escândalo vivas, a lembrar ao mundo a verdadeira doutrina a respeito de Nosso Senhor. Ele tem duas naturezas, a humana e a divina, unidas na Pessoa única do Verbo, e não é possível separar a humanidade de Cristo de sua divindade.
Alegria e tristeza, glória e dor
Ora, em virtude da união hipostática, Jesus poderia nos ter redimido com um simples ato de vontade, um movimento de mão ou até uma lágrima... Contudo, conforme ensina São Paulo na segunda leitura (Fl 2, 6-11), Cristo “não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas Ele esvaziou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-Se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-Se a Si mesmo, fazendo-Se obediente até à morte, e morte de Cruz” (Fl 2, 6-8).
É com vistas a este holocausto que Jesus entra em Jerusalém, a fim de nos livrar da condenação eterna, abrir as portas do Céu e comprar a nossa ressurreição. Em razão disso, a Liturgia aqui contemplada se caracteriza pelo contraste entre alegria e tristeza. A nota de júbilo está nos paramentos vermelhos, nos cânticos, nos ramos de palma, nas folhas de oliveira e no Evangelho da Procissão que exalta Nosso Senhor enquanto Rei. Não obstante, a par desta apoteose, o Evangelho da Missa narra a Paixão.
Não seria mais adequado reservar este texto apenas para a Sexta-Feira Santa? Não! Em sua divina e infalível perfeição, a Igreja pôs a Cruz no centro das considerações do Domingo de Ramos, bem como de toda a Semana Santa: Nosso Senhor, no Horto das Oliveiras, é preso por uma tropa armada de espadas e paus, como se fosse “um bandido” (Mc 14, 48); diante do tribunal de Pilatos, a multidão, instigada pelos sumos sacerdotes, pede o indulto de um assassino, Barrabás, em detrimento da libertação d’Ele; no Pretório, os soldados O flagelam, põem em sua cabeça uma coroa de espinhos e O escarnecem; segue-se a Via-Sacra, até o momento em que, no alto da Cruz, flanqueado por dois ladrões, Jesus brada com força e expira, e, naquela mesma hora, o véu do Templo se rasga.
A Cruz, sinal de contradição! Por que o Redentor escolheu este tipo de morte? Era de todos o mais ignominioso, reservado aos piores bandidos. O condenado à crucifixão era alvo do desprezo geral. A caminho do suplício, as pessoas debochavam e lhe lançavam cusparadas, e, quando os algozes o levantavam no madeiro, era costume aproximarem-se para ridicularizá-lo. Este gesto contribuía para aumentar a vexação e, por conseguinte, avivava no povo o medo de praticar algum crime. Enfim, o que havia de mais execrável Nosso Senhor quis para Si. A este propósito se pergunta Santo Agostinho: “Que há mais belo que Deus? Que há mais disforme que um crucificado?”.2
Crucificado e triunfante!
Em sua infinita sabedoria, o Verbo onipotente promoveu que a cruz fosse um símbolo de horror, rejeição e repugnância; e, depois, ao Se encarnar, abraçou-a para nos redimir e cumprir a vontade do Pai. Desde então a Cruz tornou-se a maior honra, o maior triunfo, a maior glória; no dizer de São Leão Magno,3 transformou-se em cetro de poder, troféu de vitória, signo de salvação. Ela passou a ser o cimo das torres das igrejas, o centro das condecorações, o ponto mais alto das coroas e o sinal que distingue um filho de Deus de um filho das trevas.
Quando Nosso Senhor estava já exangue na Cruz, chagado da cabeça aos pés, prestes a render seu espírito, os sinedritas zombavam d’Ele, dizendo: “A outros salvou, a Si mesmo não pode salvar! O Messias, o Rei de Israel... que desça agora da Cruz, para que vejamos e acreditemos!”. Com muita propriedade São Bernardo de Claraval comenta este trecho: “O língua envenenada, palavra de malícia, expressão perversa! [...] Pois, que coerência há em ter de descer, se é Rei de Israel? Não é mais lógico que suba? [...] Ou por outra, por ser Rei de Israel, que não abandone o título do reino, não deponha o cetro aquele Senhor cujo império está sobre seus ombros”.4
E foi o que aconteceu. Ao terceiro dia Ele ressuscitou, e no quadragésimo ascendeu ao seu Reino Celeste, onde está sentado à direita do Pai, dominando o mundo inteiro. Rei absoluto, Ele não desceu, mas subiu!
III – A CRUZ SE TRANSFORMA EM GLÓRIA NA ETERNIDADE
A fim de aproveitarmos bem as graças da Semana Santa que hoje se inicia, é necessário que nos compenetremos de que, muito mais que com ramos de palma nas mãos devemos acolher Nosso Senhor com determinações interiores e propósitos, e com a firme convicção de que fomos criados para servir o Homem-Deus, cada qual no seu estado de vida, seja constituindo família, seja como religioso.
Jesus me convoca a segui-Lo! Valendo-se de uma expressiva imagem, São Roberto Belarmino pondera: “Quem vê seu capitão lutar por seu amor, com tal perseverança em lide tão penosa, recebendo tantas feridas e padecendo tão grandes dores, como não se animará a combater a seu lado, a fazer guerra aos vícios e resistir até morrer? Cristo batalhou até vencer e alcançar glorioso triunfo sobre seu inimigo [...]. E se Cristo pelejou com tão grande perseverança, seu exemplo deve dar sumo alento a todos os seus soldados para não se afastarem de sua cruz, e sim pugnar a seu lado até vencer”.5 Eu estarei com Ele, quer na entrada triunfal em Jerusalém, aclamando-O como Rei, quer na Via-Sacra, carregando minha cruz às costas, ou sobre o Gólgota, nela pregado. Será por meio desta cruz que eu obterei a glória da ressurreição, e conviverei com Ele por todo o sempre na verdadeira Jerusalém, a Jerusalém Celeste!
Ao transpor as muralhas desta esplendorosa cidade, “tabernáculo de Deus com os homens” (Ap 21, 3), teremos um autêntico Domingo de Ramos e entenderemos que a cerimônia da qual hoje se participa é mero símbolo dos “bens que Deus tem preparado para aqueles que O amam” (I Cor 2, 9). Entretanto, aqueles que persistiram numa concepção mundana e desviada a respeito de Nosso Senhor, negando-se a aceitá-Lo como Ele é, terão um eterno domingo de fogo, enxofre, ódio e revolta!
Peçamos a graça de Compreender que é através da cruz que chegamos à luz “Per crucem ad lucem!” e não há outro meio de conquistar a alegria sem fim. Que a cruz seja a companheira inseparável de cada um de nós até o momento de ingressarmos na Visão beatífica, e continue junto a nós por toda a eternidade, como magnífica auréola de santidade, resplendor de glória.
1 BOSSUE Jacques-Bénigne. Méditations sur l’Évangile. La dernière semaine du Sauveur. Sermons ou discours de Notre Seigneur depuis le Dimanche des Rameaux jusqu’à la Cène. PrJour. In: OEuvres choisies. Versailles: Lebel, 1821, v.11, p.116; 118.
2) SANTO AGOSTINHO. Sermo XCV, n.4. In: Obras. Madrid: BAC, 1983, v.X, p.632.
3) Cf. SAO LEAO MAGNO. De Passione Domini. Sermo VIII, hom.46 [LIX], n.4. In: Sermons. Paris: Du Cerf, 1961, vIII, p.59.
4) SAO BERNARDO. Sermones de Tiempo. En el Santo Día de la Pascua. Sermón I, n.1-2. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1953, v.1, p.497-498.
5) SÃO ROBERTO BELARMINO. Libro de ias Siete Palabras que Cristo habló en la Cruz. Buenos Aires: Emecé, 1944, p.107-108.



quarta-feira, 18 de março de 2015

EVANGELHO DO 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B– Jo 12, 20-33

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B– Jo 12, 20-33
Duas lições

O Evangelho deste 5º Domingo da Quaresma nos traz duas belas e importantes lições: para a glória de Deus, não só devemos aceitar o sacrifício de nossa própria vida, como também apartar-nos da vanglória; e, se necessário for, buscar a verdadeira glória para o bem dos outros e de nós mesmos. “Christianus alter Christus” (o cristão é um outro Cristo). Temos a obrigação de ser outros Cristos no que tange ao fim último para o qual fomos criados e redimidos: “ad majorem Dei gloriam”, para a maior glória de Deus, conforme o lema escolhido por Santo Inácio de Loyola para a sua Companhia de Jesus. 

segunda-feira, 16 de março de 2015

EVANGELHO DO 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B– Jo 12, 20-33

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B– Jo 12, 20-33
Glória e vanglória
O Doutor Angélico começa por se perguntar se o desejo de glória é pecado. Para responder, ele lembra que , segundo Santo Agostinho, “receber glória é receber brilho”. E continua: “O brilho tem uma beleza que impressiona os olhares. É a razão pela qual a palavra glória implica a manifestação de algo que os homens julgam belo. (...) Mas, como aquilo que é especialmente brilhante pode ser visto pela multidão, mesmo de longe, a palavra glória indica precisamente que o bem de alguém chega à aprovação e conhecimento de todos”. Tendo assim definido o sentido de “glória”, ele afirma: “Que se conheça e aprove seu próprio bem, não é pecado”. Igualmente “não é pecado querer que suas boas obras sejam aprovadas pelos outros, pois lê-se em São Mateus (5, 16): ‘Brilhe vossa luz diante dos homens’. Assim, o desejo de glória, de si, não se refere a nada de vicioso.” Em sentido contrário, explica São Tomás que o apetite da glória vã é vicioso e se verifica em três circunstâncias: 1) quando a realidade da qual quer-se tirar a glória não existe ou não é digna de glória; 2) quando as pessoas junto às quais se procura a glória não têm opiniões confiáveis; 3) quando o desejo de glória não está relacionado com o fim necessário: a honra de Deus ou a salvação do próximo. Na seqüência desse raciocínio, o Aquinate afirma: “O homem pode louvavelmente desejar sua própria glória para o serviço dos outros, como está dito (Mt 5, 16): ‘para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus’.” A glória que podemos receber de Deus não é vã, e ela está prometida em recompensa pelas boas obras.
É legítimo desejar a própria glória
O resultado é que se pode desejar o louvor “enquanto for útil para alguma coisa: 1) para que Deus seja glorificado pelos homens; ou 2) para que os homens progridam por causa do bem que descobrem no outro; ou 3) para que o próprio homem, pelos bens que ele descobre em si pelo testemunho de elogio que lhe é dado, se esforce para perseverar e progredir mais nisso.”