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segunda-feira, 23 de maio de 2016

Evangelho Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi)

Conclusão dos comentários ao Evangelho Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi)
III – O Imenso Dom da Eucaristia
A partir deste episódio que contemplamos aqui pela pena de São Lucas, São João, por sua vez, em seu Evangelho, demonstra na sequência da sua narração que com esse milagre Nosso Senhor tinha em vista a revelação formal da Eucaristia. O milagre da multiplicação dos pães é apenas uma introdução — pálida, mas quão cuidadosa — escolhida pelo Redentor para sublinhar o tema eucarístico e desenvolvê-lo com extraordinária clareza no discurso sobre o Pão da Vida (cf. Jo 6, 22-59). Eis a razão de ser lembrado pela Igreja ao comemorar a Solenidade de Corpus Christi.
O significado profundo do milagre está no fato de Deus ter criado o homem com a necessidade digestiva — como aludimos a princípio — porque iria oferecer-Se em alimento. Ele, que poderia ter-nos criado com a subsistência baseada somente no ar, por exemplo, quis que tivéssemos a necessidade de comer, para ficar patente que, assim como na alimentação se encontra a base da vida natural, a essência da vida da graça está na Eucaristia.12
Um banquete para a alma

A Eucaristia é um sagrado banquete — “o sacrum convivium”,13 diz a bela antífona composta por São Tomás para o Ofício Divino desta Solenidade —, no qual temos especial convívio com Nosso Senhor Jesus Cristo; um banquete divino porque é oferecido por Deus, realizado com Deus, a propósito de Deus. Incomparavelmente mais que uma champanhe de excelente qualidade, mais que um caviar russo, mais do que qualquer iguaria que se possa conceber, na mesa da Eucaristia é oferecido o Corpo, Sangue, Alma e Divindade do Salvador. É o próprio Deus dando-Se a nós como alimento de valor infinito, cujo efeito os curtos limites de nossa inteligência não alcançam. É o mysterium fidei. Se São Tomás14 afirma que a menor participação na vida da graça supera todo o universo criado, que dizer do valor do próprio Criador da graça? A Eucaristia é, por conseguinte, o mais importante de todos os Sacramentos quanto à substância, por consistir no próprio Deus e Autor da graça, enquanto os demais apenas transmitem a graça, a participação criada na vida divina incriada.15 É por isso, ensina ainda o Doutor Angélico,16 que todos os outros Sacramentos existem em função da Eucaristia, embora não seja esta a porta dos demais, como o é o Batismo. Todas as riquezas da Terra são como poeira perto do Santíssimo Sacramento, manifestação do extraordinário amor de Deus para conosco!
Os efeitos do mais excelso Sacramento
Qual é, então, a união com Nosso Senhor produzida por tão alto dom? Diz o Evangelho: “Assim como o Pai que Me enviou vive, e Eu vivo pelo Pai, assim também aquele que comer a minha Carne viverá por Mim” (Jo 6, 57). Sempre que estamos na graça de Deus, Ele permanece em nós e nós permanecemos n’Ele, pois por sua divindade é o único Ser que pode inabitar em nós. Essa união se intensifica na hora da Comunhão, quando, além da inabitação da Santíssima Trindade, acrescenta-se a presença do Corpo glorioso, Sangue e Alma de Nosso Senhor Jesus Cristo: “mens impletur gratia”,17 a alma fica repleta de graça. “Não há Sacramento mais salutar que este para purificar os pecados, dar novas forças e enriquecer o espírito com a abundância de todos os dons espirituais”,18 afirma o Doutor Angélico. É um verdadeiro manancial de toda graça, pelo que, em rigor, uma só Comunhão seria suficiente para nos tornar santos!
Esta união é tão alta que custa encontrar um exemplo na natureza que se aproxime dessa realidade sobrenatural. Uma esponja seca logo se embebe ao ser lançada na água, mas a união com Cristo na Eucaristia é muito maior, pois na esponja a água ocupa espaços vazios, na Eucaristia, porém, Ele nos “embebe” por inteiro. Para empregar outra imagem, é como se tirassem todo o nosso sangue por uma das veias e por outra fosse introduzido o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. A fim de exprimir tão sublime realidade, São Cirilo de Alexandria propõe a metáfora da cera: “Assim como a cera derretida acrescentada a outra cera se mistura perfeitamente, constituindo-se uma só, também aquele que recebe o Corpo e o Sangue do Senhor fica unido a Ele tão estreitamente, que Cristo está nele e ele em Cristo”.19 É uma união de tal maneira forte que bem poderíamos chamar de “mútua compenetração”, a qual dura enquanto as Espécies Eucarísticas permanecem em nós.
Não é sem razão que continua dizendo com agudeza São Tomás, na mesma antífona, que a Eucaristia é “penhor de nossa salvação e ingresso na vida eterna”.20 De fato, para aí chegarmos há uma série de condições, entre as quais a de comungar. Enquanto estamos na Terra, vivemos fora da verdadeira Pátria: o Céu. Deus nos faz passar pelas aflições deste vale de lágrimas porque nos dará tanta glória que, se não tivéssemos experimentado a dor, julgaríamos merecer o prêmio oferecido, o qual, na verdade, está muito acima de nós.
IV – Façamos crescer essa semente!
Quando analisamos uma semente, sabemos que dali pode nascer uma enorme árvore. E a graça é uma semente da glória. Se nesta vida formos fiéis às graças recebidas para nos manter com integridade dentro da prática da virtude e obedientes à Lei de Deus, protegeremos nossa semente e a faremos germinar. Basta colocá-la na terra e tratá-la com esmero que ela se desenvolverá. Pelo contrário, pequenos atos de inveja, de comparação, uma mentira sem importância ou, pior ainda, um pecado mortal, tiram o viço daquele germe e impedem que dele nasça a árvore, ou seja, que desabroche para a glória eterna. Como devemos agir para conservar nossa semente, de tal forma que não só venha a dar uma árvore, mas que seja repleta de frutos? Através da Comunhão frequente. A Comunhão é penhor de glória futura, é como uma certidão assinada por Deus de que nos serão abertas as portas do Céu. Todos aqueles que se alimentam do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor vão ressuscitar no último dia e obterão a eternidade feliz, pois Ele prometeu: “Quem come minha Carne e bebe meu Sangue terá a vida eterna e Eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 54). Quem vai nos ressuscitar é Ele. E assim como acreditamos que Ele está na Hóstia e no Vinho consagrados, que é realmente a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, que morreu na Cruz para nos redimir e agora está sentado à direita de Deus Pai, também devemos crer com toda a segurança na sua promessa de sermos ressuscitados em corpo glorioso se seguirmos sua recomendação.
Sem embargo, comprovamos, com pesar, como esta dádiva é esquecida e, por vezes, até desprezada, pois a maioria das pessoas não dá suficiente valor à Eucaristia e negligencia a Comunhão, além de abandonar Jesus-Hóstia no sacrário. Se soubéssemos, por exemplo, que tomando todos os dias um elixir misterioso nos transformaríamos na pessoa mais rica, mais bela ou mais inteligente do mundo, estaríamos dispostos a qualquer sacrifício para obter tal bebida. Ora, com a Eucaristia não se trata de ficarmos ricos, belos ou inteligentes, mas sim de receber a maior riqueza, beleza ou inteligência que possa haver: a eterna bem-aventurança.
Nosso Senhor adverte para o valor desse dom na parábola do banquete (cf. Mt 22, 2-14), na qual um rei convida seus súditos para participar de uma grande festa. Deus chama todos os homens para o banquete eterno, e este começa aqui na Terra, com a Eucaristia. Podemos comungar sempre que quisermos. O Santíssimo Sacramento permanece à nossa disposição em inúmeras igrejas e muitos ainda fazem o mesmo que os servos maus da parábola, que preferiram tratar de seus negócios e deixaram o rei sozinho. Se tivéssemos a possibilidade de comungar uma única vez durante a vida poderíamos dar toda a nossa existência por muito bem empregada. E Ele Se oferece a nós diariamente… Que insondável misericórdia!
Ação de graças junto com Maria
Diante de tanta sublimidade, como deveria ser nossa ação de graças ao comungar? Deveria ser um êxtase de amor! Feita com todo carinho e devoção, profunda e séria, cheia de piedade, encanto, fogo e entusiasmo, e não um palavrório vazio, entrecortado por distrações, alheio ao tesouro que levamos dentro de nós.
Com que recolhimento e adoração terá comungado Maria Santíssima! O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira compôs uma bela oração dirigida a Nossa Senhora, na qual interpreta a súplica de um fiel que gostaria de receber a Eucaristia com disposições semelhantes às d’Ela: “Minha Mãe, quando Jesus estava em vosso claustro, Vós encontrastes inúmeras coisas para Lhe dizer; vede, entretanto, que misérias eu digo no momento em que O recebo na Sagrada Eucaristia! Por isso eu Vos peço: falai por mim, minha Mãe, e dizei-Lhe tudo quanto eu quereria ser capaz de dizer, mas não o sou. Adorai-O como eu quereria adorá-Lo; dai-Lhe a ação de graças que eu quereria dar-Lhe; apresentai-Lhe atos de reparação pelos meus pecados e pelos do mundo inteiro, com um calor de reparação que, infelizmente, eu não tenho”.21
Sejamos, a exemplo de Nossa Senhora, muito cuidadosos em nossa ação de graças: compenetrados do quanto temos para agradecer a Jesus, para louvá-Lo e adorá-Lo, sem nos esquecer de pedir perdão por nossas faltas. Que esta Solenidade de Corpus Christi seja a ocasião ideal para afervoramos nosso coração com um amor mais intenso pela Sagrada Eucaristia, pois é neste alimento celeste que encontraremos as forças para enfrentar as dificuldades da vida, até alcançarmos a eternidade feliz. Guiados pelo insuperável exemplo de Maria, tenhamos a firme convicção de que Ele Se compraz com a ação de graças de um pecador que se reveste dos méritos d’Ela: “Devemos pedir que Nossa Senhora esteja espiritualmente presente em nossa Comunhão a fim de que preencha, de algum modo, o infinito espaço que nos separa de seu Divino Filho, o qual nos acolherá, satisfeito por havermos recorrido à sua Mãe. Ele então nos dirá: ‘Tu és um filho de Maria, minha Mãe, pede-Me o que queres’”.22 Além dos pedidos individuais que podemos e devemos fazer, imploremos a graça de realizar com fruto tudo o que estiver ao nosso alcance para a maior glória de Deus e exaltação da Santa Igreja.
1 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.97, a.3, ad 3. 2
2 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homiliæ in Genesim. In Cap. III Genes., hom.XVII, n.9: MG 53, 146.
3 Cf. GARCÍA-VILLOSLADA, SJ, Ricardo. San Ignacio de Loyola. Nueva Biografía. Madrid: BAC, 1986, p.598.
4 CASTELOT, André. Talleyrand ou le cynisme. Paris: Perrin, 1980, p.536.
5 FILLION, Louis-Claude. Nuestro Señor Jesucristo según los Evangelios. Madrid: Edibesa, 2000, p.205.
6 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XLII, n.2. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (3060). Madrid: Ciudad Nueva, 2001, v.II, p.141.
7 Idem, ibidem.
8 Idem, p.141-142.
9 SÃO GREGÓRIO DE NISSA, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, c.IX, v.10-17.
10 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XLII, n.3. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (3060), op. cit., p.143.
11 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.75, a.4.
12 Cf. Idem, q.79, a.1.
13 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Officium Corporis Christi “Sacerdos”. Vesp. II, antiph. ad Magnificat.
14 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q.113, a.9, ad 2.
15 Cf. Idem, III, q.65, a.3.
16 Cf. Idem, ibidem.
17 SÃO TOMÁS DE AQUINO, Officium Corporis Christi “Sacerdos”, op. cit.
18 Idem, noct.1, lect.2.
19 SÃO CIRILO DE ALEXANDRIA. In Ioannis Evangelium. L.IV, c.2: MG 73, 365.
20 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Officium Corporis Christi “Sacerdos”. Vesp. II, antiph. ad Magnificat.
21 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 24 mar. 1984.

22 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Mane nobiscum Domine. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano XIII. N.143 (Fev., 2010); p.17.

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