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sábado, 31 de dezembro de 2011

Evangelho do Natal III

Homem de nosso sangue e nossa raça
Deus não moldou outro boneco de barro como para o primeiro Adão. Se assim tivesse procedido, Ele não teria o nosso sangue, não pertenceria à nossa família, não seria nosso irmão. Apesar de sua geração não ter se dado de forma idêntica à nossa, entretanto Ele foi concebido por uma mulher, e dela nasceu. Mulher bem-aventurada entre todas, santa e imaculada, única e cheia de graça, virgem e mãe, mas enfim, filha de Adão. Por isso Jesus, além de verdadeiro Filho de Deus, é também Filho do Homem, de nosso sangue e de nossa raça. Esta é a razão pela qual, no decurso de sua vida, Ele se fez reconhecer por estes dois títulos, pois, se pelo primeiro deles Jesus se identificava com o próprio Deus, pelo segundo, aproximava seu Sagrado Coração do nosso.
Porém, sendo Ele “Deus verdadeiro, de Deus verdadeiro, gerado e não criado, consubstancial ao Pai”, pareceria mais segundo a lógica escolher um corpo glorioso proporcionado à sua alma que sempre esteve no pleno gozo da visão beatífica. Esse corpo deveria estar isento das dores, sofrimentos e contingências tão comuns a nós, pobres mortais, filhos de Eva. Seria mais compreensível que o esplendor da majestade marcasse suas exterioridades — tal qual imaginavam e desejavam os judeus —, um Messias triunfante, dominador sobre todos os povos. Renunciou a todas essas glórias e, nessa Noite Feliz, vemo-Lo um Bebê num estábulo, conforme nos descreve Bossuet:
“‘Encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura’ (Lc 2, 12). Vós conhecereis por esse sinal que Esse é o Senhor. Ides à corte dos reis, vós conhecereis o príncipe recém-nascido por suas colchas recamadas de ouro e por um soberbo berço, o qual bem poderia ser um trono. Mas, para conhecer o Cristo que vos nasceu — esse Senhor tão elevado que Davi, seu pai, apesar de ser rei, O chama de ‘seu Senhor’ — não vos será dado outro sinal senão o da manjedoura, na qual se encontra deitado, e dos pobres panos nos quais está envolta sua débil infância. Ou seja, não Lhe foi dada senão uma natureza semelhante à vossa, debilidades como as vossas, uma pobreza abaixo da vossa. Quem de vós nasceu numa manjedoura? Quem de vós, por mais pobre que seja, dá a seus bebês uma manjedoura por berço? Jesus foi o único que se via colocado nessa situação extrema, e é sob esse signo que deseja ser conhecido. Se Ele quisesse se servir de seu poder, que ouro coroaria sua fronte! Que púrpura brilharia sobre seus ombros! Que pedrarias enriqueceriam suas roupas!” (1)
E foi por causa dessas aparências que os pastores reconheceram haver nascido “na cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo, o Senhor” (Lc 2, 11). “E nós vimos a sua glória, glória como de Filho Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (v. 14). “Ninguém jamais viu a Deus; o Unigênito de Deus que está no seio do Pai, Ele mesmo é que O deu a conhecer” (v. 18).
Eis mais um incomensurável benefício dessa Noite Feliz: Jesus nos facilita e nos conduz a conhecer a Deus.

Continua no próximo post.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Evangelho do Natal II

Deu início à era da graça
Não há no vocabulário humano palavras para exaltar suficientemente as incontáveis e preciosas maravilhas a nós concedidas naquela Noite Feliz.
Na ordem dos seres criados podemos encontrar certas analogias ilustrativas, para melhor nos fazer compreender essa infusão divina de que ora tratamos. Uma barra de ferro submetida numa forja a altas temperaturas, não tardará em tornar-se incandescente. Segundo comenta São Tomás de Aquino, a barra, sem deixar de ser ferro, adquirirá todas as propriedades do fogo; exemplo, portanto, de como, pela graça, Deus diviniza nossas almas. São Boaventura serviu-se da figura de um vitral iluminado pelo sol para nos explicar a mesma realidade sobrenatural. O que é o vitral sem os raios de luz — pergunta ele — e o que somos nós sem a graça?
Outros autores se basearam em exemplos oriundos do reino vegetal para nos tornar acessível uma certa ideia sobre esse tão rico fenômeno sobrenatural. Assim, enxertando-se um ramo de laranjeira num pé de romã, as laranjas nascerão com todas as suas características próprias e, ademais, terão a coloração e o sabor da romã. Também Deus, por meio de um insuperável enxerto da graça em nós, eleva-nos a participar de sua natureza divina.
Esse inefável milagre se inicia no Presépio, em Belém. É o mistério da Redenção: nossos pecados podem ser perdoados e, isentos de toda culpa, somos reintegrados à ordem sobrenatural.
Amou-nos como irmãos
Fixemos nosso olhar nesse Menino que se encontra reclinado na manjedoura de Belém e contemplemos Aquele no qual “foram criadas todas as coisas (...) tudo foi criado por Ele e para Ele” (Col 1, 16).
Essas afirmações contidas na Revelação pela lavra de São Paulo Apóstolo, pedem um aprofundamento: “Por Ele” quer dizer que o Menino Deus foi o Criador. “Para Ele”, ou seja, tudo o que existe — e em especial os seres inteligentes — têm a obrigação de glorificá-Lo. “N’Ele”, significa que Ele serviu de modelo para a nossa criação.
“Noite feliz, noite feliz! O Senhor, Deus de Amor, pobrezinho nasceu em Belém. Eis, na lapa, Jesus, nosso Bem. Dorme em paz, ó Jesus”. Serão as palavras que ouviremos repetir-se neste Natal, na evocativa melodia do “Stille Nacht”, um tocante raio de paz em meio aos dramas e preocupações dos dias atuais.
“Deus de amor”, Ele sempre o foi e jamais deixará de sê-lo. Esse amor é eterno como o próprio Deus. “Amo-te com amor eterno” (Jr 31, 3). Gozando de uma felicidade perfeita e infinita, não tinha Ele necessidade do homem nem dos Anjos. O amor O levou a tirar do nada inúmeras criaturas, concedendo-lhes a possibilidade de participarem de sua Vida. Foi por essa razão que “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (v. 14), mas a Encarnação foi apenas o primeiro passo em sua via de dileção por nós. Ele se fará nosso companheiro de todos os dias, o amigo de nossa existência. Esse amor, sendo pertinaz, não se satisfez e desejou elevar-nos à categoria de sermos seus irmãos.
E que fez Ele para tal?
Continua no próximo post.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Evangelho do Natal

DIVINA SOLUÇÃO PARA UM PROBLEMA INSOLÚVEL
Aproximemo-nos da manjedoura na gruta em Belém e contemplemos um Menino reluzente de vitalidade, sabedoria e graça. A diplomacia divina não podia haver elaborado melhor forma para remediar todos os males trazidos pelo pecado. Um Homem-Deus...
Esse é o fundo de quadro de grandiosidade do Evangelho de hoje: “A todos que O receberam, àqueles que crêem no seu nome, deu poder de se tornarem filhos de Deus; eles não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (vv. 12-13).
Excelente tema para se considerar nesta festa de Natal: um Menino adorável, Deus e Homem verdadeiro, com todas as fragilidades de uma criatura, porém unida hipostaticamente ao Onipotente.
Aí está o Menino Redentor que naquela Noite Feliz nos abriu não só os braços mas — e sobretudo — a possibilidade de termos uma participação em sua divina natureza. Quão extraordinário é para nós esse dom! Apliquemo-nos em compreendê-lo melhor.
A Redenção nos tornou filhos de Deus
Estamos habituados a conferir o título de filho de Deus a qualquer pessoa a ponto de constituir, talvez, uma certa ofensa em negá-lo a quem quer que seja. Mas esta atitude não passa de um profundo equívoco, pois os não-batizados são puras criaturas, e não filhos de Deus. Da mesma forma que não posso afirmar serem os móveis filhos do marceneiro que os produziu, pois dele não receberam a natureza humana, assim também não se pode dar o título de filho de Deus a uma pessoa que não participa da natureza divina.
Pois, para ser filho, necessita-se ter a mesma natureza do pai; por isso os filhos dos coelhos chamam-se coelhos, e os dos homens são homens. E os filhos de Deus devem ser “deuses” como Ele o é.
Ademais, as capacidades de toda criatura sempre estão em proporção de sua respectiva natureza. Por exemplo, o colibri tem as aptidões que lhe são próprias, e ignorância consumada seria dar-lhe para resolver um problema de álgebra ou de simples aritmética. Assim também, são puramente humanas as forças do homem, nunca divinas.
Ora, o prêmio deve estar proporcionado aos predicados de quem o mereceu. Jamais seria adequado conceder a um corcel, por sua agilidade e capacidade físicas, um prêmio intelectual, pois, não só ele não o entenderia, como seria um verdadeiro absurdo. Da mesma forma, todos os prêmios conquistáveis pelo homem, devido à sua natureza própria, nunca poderiam ser divinos, são sempre puramente humanos.
Esta é a razão pela qual o Céu não se obtém pelos esforços, nem sequer da natureza angélica. Por mais que nos fosse dado praticar todos os Mandamentos da Lei de Deus, jamais poderíamos, por nós mesmos, entrar no Céu, pois, a essência deste consiste em ver Deus face a face, e só as três Pessoas da Santíssima Trindade possuem esse privilégio desde toda eternidade e por toda eternidade.
É justamente no Presépio que se encontra representado o retorno da vida sobrenatural para nós. Ali está Quem não só nos abriu as portas do Céu, mas também nos elevou à categoria de filhos de Deus.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Se não vos tornardes como meninos...

Final dos comentários do Evangelho de natal
A inocência: a verdadeira paz para este mundo
Peçamos a Maria que neste Natal faça nascer o Menino Jesus no presépio de nossos corações, para torná-los tão puros e inocentes quanto o d’Ele.
Conta-se um significativo fato ocorrido na época das caravelas. Debate-se a frágil embarcação sob uma terrível procela. Os tripulantes põem-se todos a rezar no tombadilho, implorando o socorro divino. Vendo bem que nada prognosticava o aquietamento daquelas enfurecidas ondas, rogam um milagre. Eis que, em certo momento, o comandante percebe entre os passageiros uma mãe estreitando ao peito seu filhinho. Sem hesitar, arranca a criança dos braços da mãe, ergue-a e suplica em alta voz: “Senhor, nós pecadores não merecemos ser ouvidos por Vós. Pior do que ser tragados por estas águas revoltas, nosso destino bem poderia ser o eterno fogo do inferno. Mas, Senhor, aqui está um inocente que clama pela vossa misericórdia e intercede por nós. Clemência, Senhor, por esta inocência!”
Antes mesmo de devolver à mãe o menino, instantaneamente, as águas tornaram-se serenas. Façamos o mesmo. A humanidade hoje atravessa uma de suas maiores crises. Neste proceloso Natal de 2003, apresentemos o Menino Jesus a Deus Pai e, pela poderosa intercessão de Maria e José, imploremos a verdadeira paz para este mundo tão conturbadamente caótico. Ou seja, peçamos que volte a reinar entre nós a virtude da inocência.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

" Se não vos tornardes como meninos..."

Continuação
Considerações próprias a alimentar nossa piedade
As considerações teológico-exegéticas sobre o Evangelho de hoje levar-nos-iam a escrever uma enciclopédia. Mas basta-nos, por ora, ressaltar a Sabedoria incomensurável de Deus, ao realizar a união de duas naturezas, tão diversas, numa só Pessoa: um profundo, e ao mesmo tempo, altíssimo mistério, impossível de explicar-se nesta terra, apesar de claramente revelado.
Aproveitemos, então, o espaço que nos resta, para alimentar nossa piedade, perguntando-nos: como agradecer a Jesus, no berço, tanta bondade para conosco? Quanto desejaríamos nós retribuir, com um amor sem limites, os infinitos e sobrenaturais dons trazidos por esse Menino! Parecer-nos-ia impossível realizar uma tal reciprocidade. Entretanto, está ela inteiramente ao nosso alcance. Para tal, não é necessário retomarmos nosso débil corpo de bebê dos primeiros momentos de nossa existência. Será suficiente colocar em prática o conselho do próprio Jesus: “Na verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como meninos, não entrareis no reino dos Céus” (Mt 18, 3).
RESTAURAR A INOCÊNCIA, PARA OBTER A PAZ
Na prática, o que significa converter-se e tornar-se “como menino”?
A criança não conhece a mentira, a falsidade nem a hipocrisia. Sua alma se espelha inteiramente em sua face; sua palavra traduz com fidelidade seu pensamento, com uma franqueza emocionante. Ela não tem as inseguranças da vaidade ou do respeito humano. Em uma palavra, ela e a simplicidade constituem uma sólida união.
O exemplo dado pelo próprio Deus
O Divino Infante, criador das leis da natureza, em dado momento a elas se submete como um pobre mortal. Ele deseja ensinar-nos mais esta virtude da criança que é obediente tal qual Jesus o era a seus pais, conforme encontramos em Lucas (2, 51): “e era-lhes submisso”. Para nosso exemplo, Ele conservou a obediência até o último suspiro de sua existência: “Humilhou-se a Si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz” (Fil 2, 8).
Que lição nos dá Jesus! A Sabedoria Eterna, um bebê em tudo dependente dos que O cercam. Essa deve ser nossa flexibilidade, resignação e disposição de alma diante de todas as circunstâncias de nossa vida, prontos a dizer “sim” a qualquer mínimo convite da graça. Eis o caminho indicado pelo Salvador, sobre as palhas da manjedoura.
Quanto nos custará, talvez, cumprir com os rigorosos deveres de uma sábia disciplina, ou de colocar-nos sob o jugo de uma autoridade, ou de nossas responsabilidades sociais e religiosas. Para agradecer a Jesus, seria bom impormos silêncio aos nossos caprichos e paixões, e imitarmos a sua obediência.
Jesus ama a pureza de coração
Se há uma nota que superlativamente nos atrai na criança, esta é, com toda certeza, a candura, que a faz ignorar a maldade. A pureza de coração, com a qual ela cria para si um universo de beleza moral que, se não trilhar as vias da santidade, ela perderá por não lutar contra a concupiscência decorrente do pecado original. Esta é a virtude que Jesus, no berço, nas praças ou no Templo, na Cruz ou na Ressurreição, mais ama (cf. Mc 10, 13-16).
Eis a maneira de retribuirmos plenamente ao Menino Jesus todos os benefícios recebidos: mantendo-nos inocentes até o dia do Juízo. Aí sim, faremos sua alegria, na companhia de Maria e José.
Mas, se a alvura de nossas vestes batismais tiver sido tisnada pelo pecado, se foram elas rasgadas pelo desvario de nossas paixões e perderam os perfumes daquela candura de outrora, como proceder?
Acima de tudo, não devemos nos deixar abater. Façamos mergulhar nossa túnica nas miraculosas águas da penitência. Elas a lavarão, reconstituirão e a impregnarão de um celestial aroma. Nossas lágrimas de arrependimento junto ao Menino Jesus, sob a maternal proteção de Maria Santíssima e os rogos de São José, infalivelmente nos obterão a restauração de nossa inocência, conforme Ele mesmo nos prometeu. (1)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

“Se não vos tornardes como meninos..."

Continuação dos comentários  sobre o Evangelho de Natal
O EVANGELHO, TESTEMUNHO DA DIVINDADE DE JESUS
O Evangelho de natal constitui uma das mais belas páginas da Escritura. Em algumas frases, pervadidas de sobrenatural unção, o Apóstolo Virgem sintetiza a história eterna e humana do Verbo de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Tal qual atestam muitos e famosos autores, trata-se de um hino a Cristo Encarnado, provavelmente escrito sem ter em vista o próprio Evangelho, e talvez até antes deste. Alguns chegam a levantar a hipótese de São João ter intercalado os grupos de versículos 6 a 8, 12 e 13, 15 a 17, quando resolveu adaptar esse canto para utilizá-lo à maneira de prólogo ao seu Evangelho.
Intuito pastoral e polêmico
São João resolveu escrever um quarto relato da vida do Salvador, apesar de já existirem os de Mateus, Lucas e Marcos, pelo seu enorme empenho em provar e documentar a divindade de Jesus, conforme ele mesmo declara: “Outros muitos prodígios fez ainda Jesus na presença de seus discípulos, que não foram escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos a fim de que acrediteis que Jesus é o Cristo, Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome” (Jo. 20, 30-31).
Vê-se claramente, por esta afirmação colocada já quase no fim de seu relato, o quanto o prólogo é uma síntese do Evangelho. E, por diversas razões, não se pode excluir a hipótese de ter o autor um certo intuito polêmico. O Cristianismo já fizera seu curso e — além de doutrinas errôneas panteístas sobre a união das duas naturezas, a divina e a humana, numa só Pessoa — havia também heresias que negavam a realidade da carne de Jesus, (cf. I Jo 4, 1-3), como, por exemplo, uma forma precoce de docetismo, assim descrita pelo próprio São João: “Porque muitos sedutores se têm levantado no mundo, que não confessam que Jesus Cristo tenha vindo em carne; estes tais são os sedutores, são o anti-Cristo” (II Jo 7).
“E o Verbo se fez carne” (v. 14)
É conveniente salientar que, em muitas passagens da Escritura Sagrada, o vocábulo “carne” não tem o significado de carne sem vida, mas é sinônimo de “homem inteiro”, com uma conotação toda especial que visa sublinhar o aspecto de fragilidade da natureza humana. Esta é a razão pela qual não se encontra no prólogo a expressão “se fez homem”, pois deseja o Evangelista acentuar ainda mais a infinita distância entre Deus e a criatura na qual Ele se encarnou. Nem sequer exprimiu-se pelos termos “fez-se corpo”, porque certamente quis evitar que alguém viesse a crer tratar-se Cristo de um ente humano sem vida, animado tão somente pela divindade.
A mesma preocupação dogmático-pastoral de São João — de deixar clara a divindade de Jesus — transparece de certa forma no Evangelho de hoje, pelo emprego dos verbos predominantemente no pretérito imperfeito, até o v. 14. E em contraposição, ao referir-se à Encarnação, ele emprega o pretérito perfeito. Nos primeiros versículos descreve a existência eterna do Verbo (“era”, “estava”, “existia”), e a partir do v. 14 procura tornar clara sua atuação no tempo (“se fez”, “habitou”), ou seja, o Verbo Encarnado é o Mesmo Filho Unigênito gerado pelo Pai, desde toda eternidade.
Pelos motivos anteriormente expostos, São João acrescenta à sua proclamação da Encarnação dois substanciais grupos de testemunhas: o Batista (vs. 6 a 9 e 15) e os próprios Apóstolos (v. 14), indispensáveis para dar solidez à sua argumentação.

sábado, 24 de dezembro de 2011

" Se não vos tornardes como meninos..."

Continuação dos comentários sobre o Evangelho do Natal
A justiça se faz misericórdia...
O surgimento desse Menino no cenário psicológico e religioso do mundo antigo representou uma contradição. O conceito de divindade — quer a real, quer a idolátrica — baseava-se na idéia da justiça punitiva. Por exemplo, a criação da figura mitológica greco-romana de um deus aterrorizando o Olimpo com um simples franzir de testa, ou o universo com o agitar de sua chibata.
As próprias Escrituras Sagradas nos revelam com frequência um Deus onipotente e pouco propenso à contemporização. Já no Paraíso Terrestre, castigou imediatamente nossos pais. Por um único pecado de desobediência, foram expulsos, perderam seus dons e privilégios e ficaram à mercê das dores, das doenças e da morte.
Crescendo e multiplicando-se os filhos de Adão sobre a terra, não tardou Deus para, “vendo que era grande a malícia dos homens”, determinar irreversivelmente: “Exterminarei da face da terra o homem que criei, e com ele os animais, desde os répteis até as aves do céu; porque me pesa de os ter feito” (Gen 6, 5 e 7). E o que dizer da grande cólera de Deus ao destruir Sodoma e Gomorra, culminando com a punição da mulher de Lot que, “tendo olhado para trás, ficou convertida numa coluna de sal”? (Gen 19, 26).
...e coloca-se à disposição de todos
Longa poderia ser a enumeração dos terríveis atos de justiça do Onipotente Legislador, descritos nas Escrituras Santas. Mas, façamos uma brusca interrupção e acerquemo-nos novamente da manjedoura de Belém.
Quem veremos ali? O mesmo Deus. Porém, já não mais vingador, nem incutindo pavor aos pecadores. É um alcandorado recém-nascido. Onde se encontra a grandeza do Rei de toda a criação, capaz de reduzir a nada todo o universo, se assim o quisesse? Onde estão os raios e os trovões que O precediam ao descer no Sinai?
Ajoelhemo-nos com total confiança, sem o menor temor, pois temos diante dos olhos, não a representação da infinita severidade, da ira santa e implacável, mas, muito pelo contrário, o sorriso arrebatador de uma belíssima Criança, que nos fará olvidar a dor de consciência de todo o nosso passado, o mal por nós praticado e até o dissabor a ele inerente. Na Sua delicada e infantil candura, Ele nos convida a amá-Lo com toda nossa capacidade de simpatia e afeto, e não tardará muito para despertar no fundo de nossa alma, pelo sopro da graça, uma poderosa aspiração para adorá-Lo.
Ele mesmo escolheu, para seu palácio, a Gruta de Belém; para seu ornato, simples panos; para seu berço, umas surradas tábuas; e para companhia, além de Maria e José, apenas dois animais. Não quis um só resquício de aura grandiosa, pois desejava colocar-se ao alcance e à disposição de qualquer necessitado. Ademais, sua grande missão é a de ser vítima. Missão que teve seu início no despojamento da manjedoura e seu auge no Calvário. A Cruz e o Presépio, os melhores meios para apagar nossas ofensas a Deus. O Salvador quis trilhar a Via-Sacra porque, sem o seu Preciosíssimo Sangue, nossa reparação de nada nos valeria. E, já a partir de Belém, começou a ensinar-nos a sofrer porque seus padecimentos não nos serão inteiramente eficazes, se não forem acompanhados de nossa arrependida penitência.
Continua no próximo post

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

“Se não vos tornardes como meninos..."

Apresentaremos em vários posts os comentários de Mons João a respeito do natal.

FEZ-SE MENINO E HABITOU ENTRE NÓS
A pleno júbilo repicam os sinos à meia-noite. Numa envolvente atmosfera de alegria, paz e harmonia, marcam eles o início da Missa do Galo. No interior do edifício sagrado quase não há sombras, a luz domina o ambiente, em inefável sintonia com o órgão e as melodiosas vozes. Os fiéis sentem-se atraídos a meditar sobre um dos principais mistérios de nossa fé, a Encarnação do Verbo, o nascimento do Menino Jesus.
Deus quis se fazer conhecer pelos homens
Cada festa litúrgica, ao nos propor a consideração de um determinado aspecto do Salvador, desperta em nós reações às vezes intensas: o Tabor nos causa admiração pelo brilho do acontecimento; acompanhando os Passos da Paixão, as lágrimas banham nossas faces; vibramos de gáudio ao considerar a Ressurreição e a Ascensão. E a doçura radiante emitida pela manjedoura de Belém não só nos encanta, como pervade nossas almas e as envolve em doce suavidade.
Ali está a Bondade em essência, sob a roupagem de nossa débil natureza. Nela realizou-se um dos maiores desígnios da Trindade Santíssima em relação aos habitantes deste vale de lágrimas. Deus falou-nos durante séculos, através das criaturas e dos profetas, tornando patente seu empenhado desejo de fazer-Se conhecer pelos homens. E, afinal, acabou por nos enviar seu próprio Filho. “Nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual ele criou o universo”(Hb 1, 2).
A partir de então, Ele se pôs ao alcance de nossa inteligência, pelas obras de Deus humanado. Quem poderia imaginar um meio mais excelente de comunicação entre Criador e criaturas?
Majestade e humildade se osculam
Junto ao Presépio encontraremos a mais bela e eficaz manifestação do grande poder de Deus: uma criança nascida para elevar, pela ação da graça, o gênero humano tão decaído pelo pecado. Por essas razões, ao adorar Aquele tenro e delicado Menino, louvaremos a gloriosa majestade de Deus fazendo-se compatível com a humildade.
Majestade e humildade infinitas, extremos opostos, paradoxo adorável. Esse Divino Menino, com todas as contingências inerentes à infância, tem, entretanto, na plenitude, a visão beatífica. Ele sente o frio do inverno, padece fome e sede, chora, e, sem embargo, é totalmente feliz. Nós O contemplamos na sua imensa fragilidade, de dentro da qual Ele está redimindo o mundo.
As palavras do vocabulário humano são insuficientes para comentar o quanto o Natal é uma das mais belas provas do amor de Deus pelos homens. Contentemo-nos com a afirmação de São João: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).
“Puer natus est nobis!”
“Nasceu-nos um Menino!” Haverá maneira mais singela de referirmo-nos a Deus? Abandona Ele os fulgores da divindade e se apresenta, sobre palhas, na fragilidade de um recém-nascido. Durante séculos e séculos suspiraram os profetas por esse dia, tornado, por fim, realidade: “Um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, a soberania repousa sobre seus ombros, e ele se chama: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz. Seu império será grande e a paz sem fim sobre o trono de Davi e em seu reino. Ele o firmará e o manterá pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre” (Is 9, 5-6).

Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria!

Ora, naquela mesma região havia uns pastores que velavam e faziam de noite a guarda ao seu rebanho. E eis que apareceu junto deles um Anjo do Senhor, e a claridade de Deus os envolveu, e tiveram grande temor. Porém o Anjo disse-lhes: Não temais; porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Cristo Senhor (S. Lucas II, 8 a 11).
A noite ia em seu meio. As trevas tinham chegado ao auge de sua densidade. Tudo em torno dos rebanhos era interrogação e perigo. Quiçá alguns pastores, relaxados ou vencidos pelo cansaço, estivessem dormindo. Entretanto, outros havia a quem o zelo e o senso do dever não consentiam o sono. Vigiavam. E presumivelmente oravam também, para que Deus afastasse os perigos que rondavam.
Subitamente, uma luz apareceu para eles e os envolveu:a claridade de Deus os envolveu. Toda a sensação de perigo se desfez. E lhes foi anunciada a solução para todos os problemas e todos os riscos. Muito mais do que os problemas e os riscos de alguns pobres rebanhos ou de um pequeno punhado de pastores. Muito mais do que os problemas e os riscos que põem em contínuo perigo todos os interesses terrenos. Sim, foi-lhes anunciada a solução para os problemas e riscos que afetam o que os homens têm de mais nobre e mais precioso, isto é, a alma. Os problemas e os riscos que ameaçam, não os bens desta vida, que, cedo ou tarde, perecerão, mas a vida eterna, na qual tanto o êxito quanto a derrota não têm fim.
Sem a menor pretensão, não posso deixar de notar que esses pastores e esses rebanhos e essas trevas fazem lembrar a situação do mundo no dia do primeiro Natal.
Numerosas fontes históricas daquele tempo longínquo nos relatam que se apoderara de muitos homens a sensação de que o mundo havia chegado a um fracasso irremediável, de que um emaranhado inextricável de problemas fatais lhes fechava o caminho, de que estavam em um fim de linha além do qual só se divisava o caos e a aniquilação.
Com o nascimento do Menino-Deus, a salvação começou por vir para os pastores fiéis. Mas, passado tudo quanto o Evangelho nos conta, ela extravasou dos exíguos confins de Israel e se apresentou como uma grande luz, para todos os que, no mundo inteiro, recusavam como solução a fuga na orgia ou no sono estúpido e mole.
Quando virgens, crianças e velhos, centuriões, senadores e filósofos, escravos, viúvas e potentados começaram a se converter, baixou sobre eles o ciclo das perseguições. Nenhuma violência, porém, os fazia vergar. E quando, na arena, fitavam serenos e altaneiros os césares, as massas ululantes e as feras, os Anjos do Céu cantavam:
Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade.
Este cântico evangélico, nenhum ouvido o ouvia. Mas ele comovia as almas. O sangue desses serenos e inquebrantáveis heróis se transforma, assim, em semente de novos cristãos.
O velho mundo, adorador da carne, do ouro, e dos ídolos, morria. Um mundo novo nascia, baseado na Fé, na pureza, na ascese, na esperança do Céu.
Nosso Senhor Jesus Cristo, resolverá tudo.
Há ainda hoje homens de boa vontade autênticos, que vigiam nas trevas, que lutam no anonimato, que fitam o Céu esperando com inquebrantável certeza a luz que voltará?
- Sim, precisamente como no tempo dos pastores. [...]
A esses autênticos homens de boa vontade, a esses genuínos continuadores dos pastores de Belém, proponho que entendam como dirigidas a eles as palavras do Anjo: -Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo!
Palavras proféticas, que encontram seu eco na promessa marial de Fátima. Poderá o mal se espalhar por toda a parte. Poderá fazer sofrer os justos. Mas, por fim - profetizou Nossa Senhora na Cova da Iria - o seu Imaculado Coração triunfará”.
Esta é a grande luz que, como precioso presente de Natal, desejamos para todos os leitores, e mais especialmente, para os genuínos homens de boa vontade.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Considerações sobre o Natal

Segundo o acertado ensinamento de Santo Inácio de Loyola, o conjunto dos homens egoístas que vivem, não para Deus, mas para eles mesmos - triste maioria, sobretudo nas épocas de decadência como a nossa pendem - para um destes três objetivos: as delícias, as riquezas ou as honras.
Ora, pelo ensinamento inaciano, na festa do Natal quis Nosso Senhor Jesus Cristo dar aos homens uma tríplice lição, provando-lhes que tais prazeres não valem nada diante do único e autêntico fim para o qual devem tender, isto é, amar a Deus sobre todas as coisas neste mundo, e depois adorá-Lo face a face na bem-aventurança eterna.
Vinda do próprio Homem-Deus, esta lição é infinitamente sábia e verdadeira, e nenhum de nós tem o direito de não aceitá-la. Sensíveis ou não aos princípios religiosos, temos de ouvi-la e aprendê-la.
Nulidade das riquezas
Primeiro, quanto às riquezas mundanas. Sobre estas, o que Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina no presépio?
Como Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, foi Ele quem criou o Céu e a terra, com tudo o que nesta existe de rico, de maravilhoso, de belo, tudo quanto aqui seja capaz de fundamentar a prosperidade de um homem. Mais. Ele é rico em sua essência, e não apenas criou todas as riquezas existentes, mas tem ainda o poder inesgotável de criar quantas outras queira. E sem o menor esforço, sem o menor empenho, sem a menor aplicação especial. Ele é onipotente e exerce sua onipotência com perfeitíssima facilidade, criando estrelas e universos como criou um grão de areia.
Ora, esse Deus infinitamente rico quis vir à terra como pobre. Quis nascer de um pai carpinteiro, de uma Mãe que executava em casa serviços domésticos; quis vir ao mundo numa manjedoura, lugar o mais modesto e rústico que se possa imaginar. Como aquecimento, quis ter apenas o bafo de alguns animais e as roupinhas que Nossa Senhora Lhe fez. Como asilo, preferiu não uma residência de homens, mas o local onde os bichos iam se abrigar e se alimentar. Foi aí que nasceu o Verbo de Deus!
Quis Ele mostrar, assim, quanto o homem deve ser indiferente às riquezas quando postas em comparação com o serviço do Altíssimo. E como, portanto, deve viver, antes de tudo, não para ser rico, não para ter grandes cabedais, mas para glorificar o Criador, amando-O, louvando-O e servindo-O nesta terra, e depois adorando-O no Céu por toda a eternidade.
Infelizmente, vemos em torno de nós homens que correm debandadamente atrás do dinheiro, que fazem da posse deste a única preocupação de sua vida, que colocam toda sua felicidade na sensação de que possuem grandes finanças, na ilusão de que nunca ficarão pobres e sim cada vez mais ricos. Tais homens são uns perfeitos insensatos. Porque esses bens, por mais que valham, são uma parcela minúscula dos existentes no universo. E, para Deus, o que são senão um pouquinho de poeira e de lama?
Imaginemos o homem mais rico do mundo, um magnata. Imaginemos ainda que a relação de seus bens ocupem um catálogo do tamanho de uma lista telefônica: imóveis, dinheiro, títulos, créditos, objetos de valor, etc., O que é tudo isto em comparação com Deus Nosso Senhor? Nada, absolutamente nada.
Amar as riquezas mais que a Deus é uma completa inversão de valores, é calcar aos pés a lição que Jesus nos deu no presépio. É não compreender que Nosso Senhor, ali, ensinou-nos que ao homem é permitido desejar, adquirir e conservar riquezas, desde que não faça disto o objectivo supremo de sua vida. A preocupação financeira deve ser necessariamente colateral, sob pena de se agir como um verdadeiro demente, por inverter a ordem dos valores, amando mais o que devia amar menos, e amando menos o que devia amar com mais intensidade.
Loucura de fazer das delícias a principal finalidade da vida
As delícias terrenas. Nosso Senhor Jesus Cristo, caso desejasse, teria ordenado aos anjos reunir no presépio as melhores e as mais deliciosas sedas, os mais agradáveis perfumes, teria mandado os Anjos tocarem e cantarem músicas as mais deleitáveis, pois se o fizeram para os pastores, com quanto maior gáudio não o fariam para o Menino Jesus?!
O Divino Infante poderia ainda dispor de agasalhos super-eficazes, ser nutrido desde o começo com as melhores comidas. Numa palavra, poderia ter-se enchido de delícias logo no primeiro momento de sua vida terrena.
O que fez Ele? O contrário. Quis nascer deitado na palha, material cujo contato nenhum regalo dá ao corpo; quis estar numa manjedoura cujo odor não devia ser dos mais agradáveis; quis tiritar de frio, escolhendo para surgir no mundo à meia-noite de um mês de inverno. Como música, quis ter apenas o mugido dos animais. Em última análise, quis o oposto de uma situação de delícias. E quis assim mostrar aos homens o quanto é loucura fazer delas a principal finalidade da vida. A lição que Ele veio trazer é, pois, esta: desde que seja para o bem das almas, desde que seja para a glória de Deus, devemos desfazer-nos de todas as delícias, procurando apenas o bem da causa católica e a salvação de nossa alma, embora nos custe muito sacrifício e muita renúncia.
Insensatez de procurar as honras como meta da vida
No que diz respeito às honras, devemos entendê-las como sendo a aspiração do indivíduo de ver-se objeto de reverências por achar-se, a qualquer título, superior aos outros: mais inteligente ou mais jeitoso; mais engraçado ou mais diplomático; mais interessante ou mais simpático; mais qualquer coisa que tenha ou imagine ter, pela qual se julga no direito de uma atenção especial.
Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo quis nascer despido de tudo aquilo que pode trazer vaidade. Não obstante fosse Ele um príncipe da Casa Real de David, apareceu para o mundo como filho de pais modestos, numa época em que a sua linhagem régia havia perdido seu poder político, seu prestígio social e seu dinheiro. Ele, portanto, não era absolutamente nada na ordem terrena das coisas.
Além disso, quis nascer como um pária, fora da cidade, porque nela ninguém deu acolhida a seus pais. Nasceu na gruta dos pastores, para provar aos homens como são loucos aqueles que fazem do aparecer uma ideia fixa, em vez de procurarem servir a Deus e à Igreja, a insensatez daqueles que procuram ser mais, ser mais, e que fazem desta vaidade a meta de sua vida.
*
Se fizermos desses valores terrenos a finalidade de nossa existência, estaremos roubando aquilo que devemos unicamente a Deus. Cumpre, portanto, preocupar-nos antes de tudo com a dedicação inteira de nossas almas a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica.
Tenhamos, dia e noite, diante dos olhos esta lição do Natal, e procuremos eliminar de nossos corações, com a energia de quem arranca uma erva daninha, as falsas idéias mundanas que nos levam a adorar o dinheiro, os prazeres e as honras.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A conversa noturna com Nicodemos - final

parte final
20Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de que não sejam reprovadas as suas obras; 21 mas aquele que procede segundo a verdade, chega-se para a luz, a fim de que seja manifesto que as suas obras são feitas segundo Deus.
Com sabedoria, assevera Maldonado que ninguém ama mais a virtude, a santidade, as belas cerimônias litúrgicas e a própria Igreja, do que as almas em estado de graça, portanto, livres do pecado. De outro lado,“o pecado é raiva, e odeia o médico e a água que pode curá-lo” (14).
Oração Final
Jesus, em sua infinita bondade, quis o melhor dos efeitos para a alma de Nicodemos ao longo dessa conversa nocturna, a qual passou para a história e hoje se desenrola diante de meus olhos, nesta Liturgia. Quando eu me coloco no lugar de Nicodemos, brotam no fundo de meu coração anseios de adoração, arrependimento e súplica, em face dessa Luz que veio ao mundo:
“Não permitais, ó meu Jesus, que eu faça parte dos que odeiam a luz. Fazei com que eu creia ‘no nome do Filho Unigênito de Deus’. Por Maria Santíssima, eu Vos peço, concedei-me a graça de uma plena dor de minhas faltas, considerando-me o maior de todos os pecadores, sem jamais perder a confiança no ilimitado valor de vosso Preciosíssimo Sangue. Aumentai minha esperança, minha fé e meu amor a Vós, para que, na vossa luz, eu possa vir a contemplar a luz por toda a eternidade. Amém.”

1)      Cf. Jo 19, 39.
2)       Cf. Jo 3, 2-13. 3 )
3)      Cf. Nm 21, 4-9. 4
4)       O verbo de Deus — Evangelho de São João comentado por Santo Agostinho, Coimbra, 1954, vol. I, pp. 323324.
5)       Cf. por exemplo, Dn 7, 13ss; Ez cap. 2 e 3; Is 51,12.
6)      Cf. cap. VI do Evangelho de São João.
7)      Cf. Jo 3, 5-8.
8)       Comentarios a los cuatro Evangelios, BAC, Madrid, 1954, vol. III, p. 207.
9)       Cf. cap. VIII da Epístola aos Romanos.
10)    Cf. Jo 3, 2.
11)    Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea.
12)    Ibidem.
13)    O verbo de Deus, pp. 326-327.
14)    Maldonado, op. cit., p. 211.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A conversa noturna com Nicodemos VI

Continuação do post anterior
Porque Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.
Algumas traduções usam o verbo “julgar” e não “condenar”. Realmente, no latim encontramos ut iudicet mundum. Ora, para os judeus — conforme nos explica Maldonado — os dois verbos têm o mesmo significado de “castigar”. Dada a manifestação do grande poder de Jesus através de seus numerosos milagres (10), Nicodemos se aproxima d’Ele tomado de forte temor reverencial. De fato, Jesus devia produzir em seus circunstantes um misto de atração e de temor. Por ser a Grandeza, Ele arrebata e ao mesmo tempo impõe respeito. Para um espírito culto e inteligente como Nicodemos, a compreensão da magna figura do Mestre — sobretudo depois das revelações que Ele fez, sintetizadas nos versículos anteriores — fê-lo imaginar o castigo de que um tal Profeta seria portador. Daí essas afirmações de Nosso Senhor contidas nos versículos 16 a 21, tornando claro quanto Ele traz a salvação, sob a condição da fé e das boas obras.
O versículo em questão levanta uma dificuldade, se comparado com outras passagens, como por exemplo:
• “Jesus disse: Eu vim a este mundo para exercer um justo juízo” (Jo 9, 39).
• “Então verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória” (Mc 13, 26). • “Quando, pois, vier o Filho do Homem na sua majestade” (Mt 25, 31).
Como entender, então, que Jesus afirme não ter sido enviado para condenar o mundo? Quem nos responde é São João Crisóstomo:
“Mas é preciso levar em conta que há duas vindas de Jesus: a que já se realizou, e a que deverá realizar-se. A primeira não foi para julgar o que nós tínhamos feito, mas para perdoar; entretanto, a segunda será, não para perdoar, mas para julgar. A propósito da primeira, diz: ‘Não vim para julgar o mundo’, porque é compassivo, não julga, mas perdoa os pecados por meio do Batismo, e depois pela penitência; porque, se não tivesse agido assim, todos estariam perdidos, pois todos pecaram e necessitam da graça de Deus” (11).

Quem n’Ele acredita, não é condenado, mas quem não acredita, já está condenado porque não acredita no nome do Filho Unigênito de Deus.
É bem claro o ensinamento de São João Crisóstomo sobre este versículo:
“[Jesus] disse isso também porque não acreditar n’Ele é o suplício do impenitente. Estar fora da luz é, em si mesmo, o maior castigo, além de ser anúncio do que ainda virá. Porque assim como quem mata um homem, ainda mesmo quando não tenha sido condenado por sentença do juiz, já está condenado pela própria natureza do crime, assim também ocorre com o incrédulo. Do mesmo modo, Adão morreu no dia em que comeu o fruto proibido” (12).
19A condenação é por isto: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.
Deixemos a palavra com Santo Agostinho:
“Importa que odieis em vós a vossa obra, e ameis em vós a obra de Deus. Quando começar a aborrecer-vos o que fizestes, começam imediatamente as vossas boas obras, porque acusais as vossas más obras. “A confissão das obras más é o início das obras boas. Praticais então a verdade e vindes para a luz. (...) Quando o que foi advertido ama os seus pecados, tem ódio àquele que o adverte, tem ódio à luz, e foge da luz para que lhe não sejam imputadas as más obras a que tem amor. Aquele que pratica a verdade acusa em si as suas más obras, não se poupa, não perdoa a si mesmo, para que Deus lhe perdoe.
“Quer que Deus lhe perdoe, e por isso reconhece-se pecador, e vem para a luz. Dá graças a Deus por lhe ter mostrado aquilo que deve odiar. Diz a Deus: ‘Apartai o vosso rosto dos meus pecados’ (Sl 50, 11). Mas só diz estas palavras depois de ter dito: ‘Eu conheço a minha maldade, e o meu pecado está sempre diante de mim’ (Ibid. 5). “
Conservai na vossa memória os pecados que não quereis que Deus recorde. Se ocultardes o vosso pecado, o Senhor fará que ele apareça diante dos vossos olhos quando já não for possível produzir fruto de penitência” (13).
Continua próximo post.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A conversa noturna co Nicodemos V

Continuação
Deus nos deu Seu filho Unigénito para nos salvar
Jesus é paulatino no seu doutrinar. “Nemo summus fit repente”, diz um antigo provérbio latino: as grandes obras não se fazem repentinamente. Estava diante d’Ele um homem convicto de que só a Lei salva, e era preciso conduzi-lo a aceitar a verdadeira via da salvação: a fé em Jesus. Mais uma vez, transparece a delicadeza do Divino Mestre, preparando-o para o passo subsequente. Ele não fala de imediato em salvação, mas sim em “vida eterna”, tal como o fará mais tarde ao revelar o Sacramento da Eucaristia (6). E apesar disso, nessa outra ocasião, em face de verdade tão ousada, “muitos de seus discípulos (...) disseram: Dura é esta linguagem! Quem a pode ouvir?” (Jo 6, 60).
Porque Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito, para que todo aquele que crê n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna.
Belíssimo argumento para convencer um homem lógico e reto como Nicodemos. Já lhe havia revelado, Jesus, a existência de uma outra Pessoa em Deus, a do Espírito Santo (7). Agora, acentua o caráter sobrenatural e divino da Segunda, presente na expressão usada anteriormente, “o Filho do Homem”, referindo-se ao “filho Unigênito de Deus”. Maldonado tece belas considerações sobre este versículo, começando por ressaltar a força da afirmação empregada por Jesus para referir-se ao grande amor de Deus pelos homens. Ao usar o termo “mundo”, o Divino Mestre dilata os limites da aplicação desse amor muito além das fronteiras do povo judeu, “com o qual pelo menos tinha uma como que obrigação por razão da aliança” (8).
De fato, esse amor de Deus por nós não poderia ser maior. Se Ele nos tivesse dado todos os Anjos somados ao universo inteiro, nada seria em comparação com o que na realidade nos entregou. O Pai bem sabia que, ao nos dar seu Filho Unigênito, oferecia-nos o Céu e a própria participação em sua vida divina (9), pois Jesus é um Herdeiro extremamente dadivoso. Maior manifestação de bondade é impossível! Atesta-o maravilhosamente São Paulo no primeiro capítulo de sua Epístola aos Hebreus.
Esse insuperável obséquio não é feito aos Anjos, mas à humanidade, aos filhos de pais prevaricadores (Adão e Eva), e eles mesmos também manchados de incontáveis culpas. Aos espíritos rebeldes, precipitou-os nas profundezas dos infernos depois do primeiro e único pecado. Que fator levou o Pai a usar de tanta misericórdia para conosco? Em lugar de merecidos castigos, deu-nos seu Filho Unigênito, sacrificando-O — para nos salvar — na ignominiosa morte de cruz.
Ademais, o Pai não no-Lo deu em parte, mas, muito pelo contrário, por inteiro e sem reserva. As graças de Jesus, seus méritos, seu corpo, sangue, alma e divindade, todo Ele inteiro é nosso. Ele é nosso Rei, nossa Cabeça, nosso modelo, nosso mestre, nossa causa.
Qual o objetivo de Deus ao nos dar esse infinito dom?
Leia o próximo post

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A conversa noturna com Nicodemos IV Jo 3, 14-21

Continuação dos comentários do Evangelho Jo 3, 14-21
Jesus prepara as mentalidades para a aceitação do dogma
Resta dizer uma palavra sobre a expressão “o Filho do Homem”, que aparece 82 vezes ao longo dos Evangelhos, quase sempre saída dos adoráveis lábios de Jesus e, ademais, exclusivamente aplicada a Ele. O Antigo Testamento traz à tona essa mesma expressão, ora referindo-se a um simples homem, ora a um ser sobrenatural superior a um homem comum (5).
No Cristo nós encontramos a misteriosa união de duas naturezas— a divina e a humana — numa só Pessoa. Era indispensável ir preparando as mentalidades para a aceitação, com base na fé, desse altíssimo dogma. Hoje — depois de dois milênios, com toda a tradição e o grande desenvolvimento doutrinário da Teologia — temos mais facilidade para abraçar essa fundamental verdade revelada. Contrariamente, naqueles tempos, a cultura religiosa prognosticava uma figura messiânica muito diferente. O Messias deveria ser um grande condestável de nacionalidade judaica que daria ao seu povo a supremacia sobre todas as outras nações, libertando-o de qualquer ônus, submissão ou tributo. Sobretudo naquele momento em que os judeus estavam subjugados política e tributariamente ao Império Romano, o termo “Messias”, lançado ao ar, colocava em movimento uma dinâmica cadeia de sentimentos nacionalistas.
Sapiencial emprego da expressão “Filho do Homem”
Como então utilizar a linguagem humana para aproximar as inteligências da aceitação de um dos mais altos dogmas de nossa Fé? Dizer-se simplesmente “Filho de Deus” não resolveria o problema e até poderia conduzir o povo judeu, tradicionalmente crente em um só Deus, a uma enorme perplexidade: aceitar a existência de um Deus-Homem! Foi, aliás, o que mais tarde aconteceu: “Murmuravam então d’Ele os judeus, porque dissera: ‘Eu sou o pão que desceu do céu’. Diziam: ‘Porventura não é este aquele Jesus, filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz Ele: Desci do céu?’” (Jo 6, 41-42).
Daí ser muito sapiencial o emprego da expressão “Filho do Homem”. Ela permitia ao ouvinte situar-se a qualquer altura de seu grau de fé. Se se tratasse de um puro naturalista, seu juízo sobre Jesus seria meramente humano, sem discernir sua divindade, e essa expressão o deixaria tranquilo. Se, pelo contrário, se tratasse de um grande místico, a natureza divina deixaria seus reflexos refulgirem sobre a humanidade de Jesus e, nesse caso, a expressão em questão seria tida como mais uma manifestação da humildade de Jesus. Essa é a constante encontrada em não poucas páginas da Hagiografia: vemos os santos fazendo uso de uma linguagem não inteiramente explícita ou categórica, a fim de evitar perplexidades em seus ouvintes, muitas vezes até em seus próprios discípulos.
Por aí se entende quanta delicadeza Jesus empregou nessa conversa com Nicodemos, ao fazer uso da figura da serpente levantada por Moisés no deserto, aproximando-a metaforicamente à do Filho do Homem, “a fim de que todo aquele que crê n’Ele tenha a vida eterna”. Pronto já estava aquele bom fariseu a aceitar a afirmação contida no versículo logo a seguir.
Continua no próximo post

domingo, 11 de dezembro de 2011

A conversa noturna com Nicodemos III

Imagem da Redenção
É divina a didática de Jesus. Conforme os comentaristas, entre as múltiplas imagens da Redenção do gênero humano, nenhuma é superior a esta: uma serpente sem veneno para curar os males produzidos por picadas de serpentes.
Afirma São Paulo: “Assim como pelo pecado de um só, incorreram todos os homens na condenação, assim pela justiça de um só recebem todos os homens a justificação da vida” (Rm 5, 18). — “E, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1 Cor 15, 22).
Por que razão é o bronze a matéria da serpente salvadora? Variadas são as opiniões. Preferimos a de Eutímio: por representar Cristo, a serpente não deveria ser de substância frágil, de modo que pudesse tornar patente a diferença entre nossa carne, sujeita ao pecado, e a do Redentor, forte e invulnerável à mínima fímbria de imperfeição.
“Atrairei todos os homens a Mim”
O Filho do Homem deveria ser levantado tal qual a serpente de bronze de Moisés. O primeiro significado dessa comparação salta à mente como sendo sinônimo de glorificação. E certamente assim o entendeu Nicodemos, pois não pediu explicações a esse respeito, como faria a multidão mais tarde: “E como dizes Tu que o Filho do Homem deve ser levantado?” (Jo 12, 34). Essa nota de glória transparece claramente na voz que veio do céu: “Eu O glorifiquei e O glorificarei novamente” (Jo 12, 28), sobre a qual Jesus comenta: “E Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos os homens a Mim” (Jo 12, 32). Ou seja, todos os povos, judeus e pagãos, iriam reconhecê-Lo como o Salvador.
Prefigura da Crucifixão
Entretanto, está também figurada a Crucifixão, como ressaltam todos os comentaristas; por exemplo, Santo Agostinho:
“Que significa a serpente levantada? A morte do Senhor na cruz. A morte proveniente da serpente foi representada pela imagem da serpente. A mordedura mortal da serpente representa a morte vital do Senhor. Olha-se para a serpente a fim de que a serpente não mate. Que significa isso? Olha-se para a morte, para o Senhor morto, para que a morte não mate. Mas para a morte de quem? Para a morte da Vida, se assim se pode dizer. (...) Cristo não é a Vida? Todavia, foi suspenso na cruz. (...) Mas a morte foi morta na morte de Cristo, porque a Vida que foi morta matou a morte.
“Assim como os que olhavam para a serpente de bronze não morriam com as mordeduras das serpentes, assim os que olham com fé para a morte de Cristo são curados das mordeduras dos pecados. Mas aqueles eram livres da morte no tocante à vida temporal, enquanto estes têm a vida eterna. Aqui está a diferença entre a figura e a realidade. A figura dava a vida temporal, e a realidade dá a vida eterna” (4).

sábado, 10 de dezembro de 2011

A conversa noturna com Nicodemos II

Continuação
A discreta fidelidade de Nicodemos
De dentro dessa moldura sócio-psico-religiosa, surge a figura de Nicodemos. Segundo São João, trata-se de um fariseu, príncipe dos judeus, que receando comprometer sua reputação no meio de seus companheiros, procurou encontrar-se com Jesus de maneira oculta.
De fato, era tal a sanha de indignação dos fariseus contra o Divino Mestre que, se Nicodemos assim não procedesse, sofreria terríveis perseguições. Os Evangelhos são ricos em pormenores a esse respeito, mas bastaria relembrar o dito dos fariseus quando se indignaram contra os agentes que deveriam ter prendido Jesus: “Houve, porventura, alguém dentre os chefes do povo ou dos fariseus que acreditasse n’Ele? Quanto a esta plebe que não conhece a Lei, é maldita” (Jo 7, 48-49). Essa é a razão pela qual Nicodemos, como José de Arimatéia, embora sempre fiel, manteve grande discrição até o fim (1). Apesar disso, é digna de nota a imperfeição da fé de Nicodemos no Homem-Deus; chama-O de Mestre por causa de seus milagres, mas O vê apenas como um grande homem auxiliado pelo poder de Deus.
O Redentor aproveitou a circunstância de sua visita para ilustrar e fortalecer a fé desse seu novo e secreto discípulo (2), preparando-o para aceitar sua divindade, fazendo-o conhecer algo sobre o Batismo e a Encarnação. E acaba por lhe declarar o objetivo último de sua vinda a esta terra: a salvação dos homens através de sua morte, e morte de cruz. Esta é a temática da Liturgia de hoje.
A Serpente de bronze Símbolo do filho do homem
E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do homem, 15 a fim de que todo o que crê n’Ele tenha a vida eterna.
São Cirilo de Alexandria faz uma aproximação entre o Batismo, anteriormente enunciado por Jesus, e a figura da serpente de bronze. Segundo ele, pelo fato de Nicodemos talvez não ter alcançado o significado dos aspectos sobrenaturais desse Sacramento, o Mestre resolveu recordar-lhe esse episódio tão conhecido de todo o povo israelita, a fortiori de quem era fariseu, como seu visitante.
O episódio do Antigo Testamento
Tendo partido do Monte Hor na direção do Mar Vermelho, o povo judeu se revoltara contra Moisés, e até mesmo diretamente contra Deus, devido ao cansaço, ao enfaramento e à falta de pão, água e de outro alimento que não o maná. Por castigo, Deus enviou serpentes cujas picadas produziam inflamação, febre e, finalmente, a morte; daí seu nome: “de fogo”. Imploraram então os judeus a intercessão de Moisés junto a Deus. Este não eliminou o mal, mas concedeu-lhes um remédio: todo aquele que fosse atacado pelo mortífero animal, ficaria imediatamente curado se olhasse para uma serpente de bronze a qual, por ordem divina, o Profeta havia fixado sobre um poste (3).
Esse objeto foi tomado pelo povo como um símbolo da cura que lhes era concedida por Deus.
Nicodemos devia conhecer a interpretação exata desse milagre, constante no Livro da Sabedoria: “E tiveram logo um sinal de salvação (...) Porque aquele que se voltava para o referido sinal não era curado porque o via, mas sim por Ti, que és o Salvador de todos os homens” (16, 5-7).
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