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quinta-feira, 21 de julho de 2011

Grão de mostarda

24 O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo.
À primeira vista — e com fundamento — somos levados a crer que se trata de um homem rico, tanto mais quanto ele possuía servos. Qual a razão pela qual ele não os envia para semear e, pelo contrário, trabalha o campo com suas próprias mãos? Alguns autores chegam a manifestar essa perplexidade. Entretanto, conforme mais adiante veremos, é cheia de sentido a figura proposta pelo Divino Mestre.
Convém também deixar claro que, ao afirmar Jesus ser o Reino dos Céus “semelhante a um homem”, não quis delimitar-se exclusivamente a uma pessoa, mas à cena toda na qual esse homem desempenha um papel, conforme assevera o teólogo jesuíta Pe. Juan de Maldonado, com quem estão de acordo os comentaristas atuais.
Repare-se também tratar-se da “boa semente”, pois, caso contrário, os frutos não seriam bons. A terra se caracteriza por sua fidelidade, ou seja, ela retorna o que a ela foi dado. Se a semente é de má qualidade, do mesmo teor será a colheita.
Versar sobre a semeadura da boa semente não é o objetivo principal da parábola, mas sim sobre a atividade do inimigo, segundo veremos.
25 Porém, enquanto os homens dormiam, veio o seu inimigo e semeou joio no meio do trigo, e foi-se.
Não se trata de um inimigo qualquer, mas “do inimigo”, o principal. Seu gesto não poderia ser mais maldoso. Uma péssima ação como a sua só poderia ser movida por um grande ódio ou uma grande inveja.
Entretanto, segundo relatos muito antigos, de pessoas que viveram em Jerusalém, vinganças como essa, de cortar uma árvore frutífera (oliveira, figueira, vinha, etc.) eram pecados próprios daquela região. Não falava apenas hipoteticamente o Senhor. O público não estranhou a menção a isso na parábola, e nem sequer ao caso da cizânia.
Muito conhecida é essa erva por aqueles que cultivam o trigo. Ao desenvolver- se a plantação, o joio — cujo nome científico é Lolium temulentum — até chegar à fase das espigas, assemelhase muitíssimo ao trigo, de onde resulta interessante sua utilização metafórica.
Aí estão algumas razões pelas quais o v. 25 não insiste na nocividade do joio que entrelaça suas raízes às do trigo.
Seu objetivo é apenas ressaltar a presença dessa erva daninha na plantação. Ademais, chama a atenção para o fato de ele ter sido ali espalhado pelo inimigo de forma clandestina, à noite, enquanto todos dormiam.
Comentando este versículo, São João Crisóstomo assim se expressa: “Com essas palavras nos faz ver que o erro vem depois da verdade, fato demonstrado pela experiência. (...) Tal é a malícia do diabo: semeia quando nasceram as sementes, para dessa maneira causar mais danos aos interesses do agricultor”.
Deus, em sua infinita sabedoria, criou os seres inteligentes em estado de prova, a fim de receberem meritoriamente o prêmio da glória eterna. E, por essa mesma razão, permitiu que os homens fossem tentados. Daí a necessidade da preciosa virtude da vigilância.
É patente a ação do inimigo: “semeou joio no meio do trigo, e foi-se”. Ora, ele aproveitou o sono de seus adversários para praticar sua má ação. E neste particular o Evangelho de hoje reafirma o preceito do Senhor: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).
Nós semeamos no entusiasmo; é a fase de “fervor de noviço” durante a qual não há obstáculo que faça esmorecer nossas decisões. A própria virtude da prudência parece-nos um empecilho nesses momentos, e, de fato, sentimos viver um tempo mais de ousadia que de ponderação, no qual comprovamos quanta razão tinha Santa Teresinha do Menino Jesus ao dizer: “Para o amor nada é impossível”. Aliás, referindo- se à situação oposta, São Bernardo costumava afirmar que “é impossível ao noviço prudente perseverar na vocação”.
Com ou sem culpa de nossa parte, há um momento em que essa sensibilidade diminui, não mais sentimos aquele impulso fervoroso, e nos vemos na contingência de nos apoiar somente na razão (iluminada pela fé, é verdade), e no esforço de nossa vontade. É o cair da “noite escura”, segundo a linguagem de São João da Cruz. Durante esse período, o demônio, o mundo e a carne encontram em nossa alma terra fértil para lançar o joio.
Aqui se entende melhor a figura do sono: quando a sensibilidade se evanesce, é chegado o momento da vigilância, tal como nos aconselha Santa Teresinha de Lisieux, que dizia às noviças: “Vós vos entregais com excesso às coisas que fazeis; vossos afazeres vos preocupam demasiado. Há algum tempo, eu li que os israelitas construíam os muros de Jerusalém trabalhando com uma das mãos, enquanto que na outra mantinham sua espada. Eis aí a imagem do que temos de fazer: trabalhar com uma das mãos; a outra, devemos usá-la para defender nossas almas dos perigos que possam impedir a união com Deus”.
Poderíamos dar ainda outra aplicação à parábola: há uma “semente de joio” que levamos em nosso interior em estado latente, a da concupiscência.
O Senhor semeou o bom trigo no Paraíso, ao criar nossos primeiros pais, Adão e Eva, concedendo-lhes a graça e dons que constituíam o estado de justiça original. Por seu lado, o demônio semeou a cizânia do pecado e, com este, o homem perdeu o dom de integridade.
Daí a concupiscência, que não é senão a inclinação natural do apetite aos bens sensíveis contrários à razão e à Lei de Deus.
Como opera em nós a concupiscência? Nosso conhecimento natural se realiza através dos cinco sentidos, como afirma a Escolástica: “Nada há em nosso intelecto que não tenha antes passado pelos sentidos”. Ora, antes mesmo de a razão ter emitido seu juízo sobre a liceidade ou não de qualquer bem sensível, nosso apetite já se sentiu inclinado a ele. Mais ainda, sobretudo quando fortemente impressionado pela atração do bem sensível, nosso apetite continuará agindo sobre a razão, depois de esta ter baixado sua sentença proibitiva, procurando arrastá- la. Daí, ou há uma férrea força de vontade — que só pela graça de Deus se obtém — para se opor às febricitações da sensibilidade, ou buscaremos uma justificativa para nosso comportamento ilícito.

domingo, 17 de julho de 2011

“Sede, pois, perfeitos, como também vosso Pai celestial é perfeito.”

Ao criar a alma humana, Deus infundiu-lhe um forte anseio de felicidade. Daí o não ter havido, e nem haverá, quem nunca a tenha procurado.
Sobretudo em épocas como a nossa, tão atravessada por dramáticas crises, apreensões e sofrimentos, torna-se ainda mais aguda essa veemente apetência.
Onde, porém, encontrá-la com inteira segurança? Deus nada cria senão para Si. Por esta razão, fora d’Ele os seres inteligentes — anjos ou homens — não obtêm verdadeira felicidade a não ser cumprindo com a finalidade última para a qual foram criados. É sobre esta relação entre o homem e Deus que incide a grande promessa feita por Jesus: a de sermos bem-aventurados nesta terra e post-mortem, por toda a eternidade, no Céu.
“Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação”
Nós cristãos, enquanto batizados, temos a obrigação de não perder o estado de graça. Se, por fraqueza ou maldade, dele nos vejamos privados, com diligência devemos procurar recuperá-lo. Essa é a chamada perfeição mínima.
No Sermão da Montanha, Jesus não nos impõe a obrigação de sermos perfeitos. Porém, manifesta o desejo de que o aspirar a esse estado constitua um dos pontos essenciais da nossa existência. Além disso, tantos foram os tesouros por Ele deixados à humanidade — o Batismo a Confirmação, a Eucaristia, etc. — que, só por gratidão a tão imensos benefícios, já seria uma obrigação da nossa parte nos colocarmos a campo para atingir a meta enunciada por Jesus.
Com muita razão, a respeito da universalidade desse dever de santidade, assim se expressa João Paulo II: “É preciso redescobrir, em todo o seu valor programático, o capítulo V da Constituição Dogmática Lumen Gentium, intitulado ‘Vocação Universal à Santidade’. (...) O dom [de santidade concedido à Igreja] gera, por sua vez, um dever que há de moldar a existência cristã inteira: ‘Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação’ (1 Tes 4,3). É um compromisso que diz respeito não apenas a alguns, mas ‘os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade’ (...) Como explicou o Concílio, este ideal de perfeição não deve ser objeto de equívoco, vendo nele um caminho extraordinário, percorrível apenas por algum ‘gênio’ da santidade. Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um”.
São Paulo é incansável em frisar a necessidade da perfeição sem limites, como substância da vocação do cristão: “Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a bênção espiritual do Céu em Cristo, assim como n’Ele mesmo nos acolheu antes da criação do mundo, por amor, para sermos santos e imaculados diante d’Ele ...” (Ef 1, 3-4).
É comum, ao longo de suas Epístolas, encontrarmos uma verdadeira sinonímia entre os termos “cristão” e “santo”, tal era o seu empenho neste particular.
Deus é infinito. Portanto, quem é chamado a amá-Lo tem por fim último um Ser ilimitado. O amor nosso é uma potência criada com aspiração por Deus, e por isso diz Santo Agostinho: “Nossos corações foram criados para Vós e só em Vós repousam”, ou seja, a própria potência do amor em si mesma visa o infinito. Por isso afirma São Francisco de Sales: “A medida de amar a Deus, consiste em amá-Lo sem medida”.
O próprio Jesus, com divina radicalidade, assim reforça o Mandamento dado a Moisés: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças” (Mc 12, 30). Daí se conclui termos o dever de buscar o fim em toda a sua amplitude, e de empregar para atingi-lo, todos os meios ao nosso alcance.
Ademais, toda vida, também a sobrenatural, é suscetível de progresso, e tem em si uma força dinâmica que busca seu desenvolvimento. No que diz respeito ao nosso corpo, esse processo se verifica instintiva e prazeirosamente.
Quanto ao espírito, porém, é indispensável a aplicação de nossa inteligência e de nossa vontade, a fim de cooperarmos com a graça de Deus.