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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A parábola - os dois filhos

 Os dois filhos da parábola
28 “Mas que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Aproximando-se do primeiro, disse-lhe: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. 29 Ele respondeu: Não quero — mas, depois, arrependeu-se e foi. 30 Dirigindo-se em seguida ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E ele respondeu: Eu vou, senhor — mas não foi.”
É na seqüência daquela desavença entre Jesus e os príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo (ver o post antetior) que ocorre esse trecho do Evangelho . Apesar da forma amena e quase familiar com que Jesus introduz a parábola — “Mas que vos parece?”, fórmula usada com certa largueza pelo Salvador — não devemos nos esquecer da sanha invejosa dos interlocutores de Jesus, manifestada na discussão descrita anteriormente e estancada, nas suas conseqüências, pela diplomacia divina.
Devido ao incômodo silêncio que lhes fora imposto, aguçaram sua atenção e inteligência para não errar em seu parecer a propósito da parábola que viria.
No desenrolar dos acontecimentos comuns e banais da vida, não é difícil aplicar com acerto o senso do ser e escolher o melhor, o verdadeiro, ou o mais belo. A evidência dos fatos nesses casos nos conduz à inerrância de nosso juízo. E esse será justamente o intuito do Divino Mestre: que seus ouvintes discirnam e apontem, de maneira imediata e quase espontânea, qual dos dois filhos agiu com retidão.
Os comentaristas antigos são unânimes em conceder o primeiro lugar ao filho que acaba por ir trabalhar na vinha, apesar de ter se negado a fazê-lo, a princípio. Ademais, são eles também concordes em interpretar que o filho desobediente, ou seja, aquele que não cumpriu com sua palavra, representa os judeus, mais especificamente os fariseus, os príncipes dos sacerdotes, etc., enquanto o obediente representa os gentios, publicanos e pecadores.
O pai da parábola representa Deus. Quem são os dois filhos?

Uma das apreciações mais interessantes é da lavra do Pe. Juan de Maldonado SJ. Segundo ele, pensavam os escritores antigos (tais como Orígenes, Atanásio, Crisóstomo, Jerônimo, Beda e Eutímio) que um dos filhos representava os gentios, aos quais Deus mandara trabalhar em sua vinha, impondo-lhes a lei natural. E embora eles não o tenham querido no início, porque não observavam a lei natural, arrependeram-se e não apenas passaram a obedecer a ela, mas também aceitaram os preceitos do Evangelho. Contrariamente, o povo judeu respondera que ia trabalhar na vinha, pelos preceitos de Moisés — “Faremos tudo o que o Senhor mandou” (Ex 19, 8) — mas depois não foi. Mas — acrescenta o Pe. Maldonado — é provável que esses dois filhos representassem dois tipos de judeus. Um, o da plebe, com seus publicanos, meretrizes e pecadores. No início haviam respondido “não” a Deus, pelo menos com os fatos, não observando a Lei divina. Mas depois, tocados pela pregação de João Batista, arrependeram-se e aceitaram o Evangelho. O segundo tipo inclui os sacerdotes, os escribas e os fariseus, que haviam respondido afirmativamente a Deus, mas nem obedeceram à Lei nem acreditaram em João, de quem os profetas haviam falado.
 Terceiro filho:
Parábola aparentemente ingênua
31 “Qual dos dois fez a vontade do pai?” Responderam-lhe: “O primeiro”. Disse-lhes Jesus: “Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precederão no Reino de Deus”.
Na pergunta que antes lhes fizera Jesus, os fariseus se haviam recusado a responder (v. 27), agora eles se apressam em optar pelo primeiro dos filhos. Esse é, aliás, o juízo comum e corrente de qualquer pessoa com uma gota de bom senso, posta diante da mesma questão. Mas os interpeladores de Jesus não podiam imaginar fossem eles mesmos os acusados.
Após, certamente, haver passado horas e horas em seus conciliábulos, maquinando as mais requintadas ciladas para apanhar o Messias em algum deslize, vêem-se de súbito numa situação bem pior do que a desejada para sua vítima.
O método empregado pelo Homem-Deus era clássico entre o povo judeu e consiste em propor uma parábola aparentemente ingênua, de fácil interpretação, sem despertar a suspeita do interlocutor, o qual, ao se engajar no caso, acaba por proferir sua auto condenação.
“Os publicanos e as meretrizes vos precederão”
Ao fim do versículo encontra-se a aplicação nas palavras do próprio Divino Mestre. Nada mais desprezível aos olhos de um fariseu do que um publicano ou uma meretriz; entretanto, estes irão à frente indicando o caminho da salvação. Impossível maior humilhação, pois os conhecedores da Lei deveriam ser os vanguardeiros na entrada no Reino de Deus. O publicano Zaqueu (Lc 19, 1- 10), como também a pecadora (Lc 7, 37), num primeiro momento não haviam aceitado entrar pelas vias de acesso ao Reino, mas acabaram por fazê-lo. Essa recriminação, haviam eles já ouvido de forma ainda mais explícita no episódio da cura do servo do centurião (Mt 8, 11-12). Portanto, Jesus não afirma neste versículo que os fariseus e príncipes dos sacerdotes também se salvariam. Isto se torna ainda mais claro no trecho seguinte.
Negaram-se a ouvir o chamado do Precursor
32 “Porque veio a vós João pelo caminho da justiça, e não crestes nele; e os publicanos e as meretrizes creram nele. E vós, vendo isto, nem assim fizestes penitência depois, crendo nele.”
Com esta conclusão tão categórica, o Salvador deixa claro que, debaixo de certo ponto de vista, seus interlocutores fariseus se encontram numa situação muito pior que a dos dois filhos da parábola. Ouviram o chamado do Precursor; entretanto se negaram a seguir seus conselhos, e, ao surgir o Messias, tornaram-se ainda mais obstinados em sua falta de fé: “Porque Eu vos digo: Entre os nascidos de mulher não há maior profeta que João Batista; porém, o que é menor no Reino de Deus é maior do que ele. Todo o povo que O ouviu, mesmo os publicanos, deram glória a Deus, recebendo o batismo de João. Os fariseus, porém, e os doutores da lei frustraram o desígnio de Deus a respeito deles, não se fazendo batizar por ele” (Lc 7, 28- 30). Assim, não só se negaram a trabalhar na vinha, como de fato não o fizeram.
Esta seria a atitude de um terceiro filho, num extremo de mau comportamento em relação ao Pai!
Radical advertência
É tão radical a advertência contida neste v. 32 que alguns exegetas julgam-na uma inserção à força, realizada por Mateus. Discordamos de tal hipótese.
Em realidade, se a metáfora exposta por Jesus contivesse também a figura desse terceiro filho, levantaria a desconfiança de seus adversários e tornaria inúteis os esforços d’Ele. E se assim não fosse, como poderíamos explicar as outras duas parábolas consecutivas à dos dois filhos?
 O quarto filho
Faltaria dizer uma palavra sobre um quarto filho que, embora não esteja mencionado explicitamente pelo Divino Mestre, com facilidade é discernido por contraste em seu perfil moral. Este teria ouvido com entusiasmo o convite do Pai para trabalhar na vinha e entregado sua vida para, cultivando-a, Lhe dar alegria. A seguir esse exemplo nos convida a parábola de hoje.
Acima de tudo, o Pai tem o pleno direito de mandar sobre seu filho. Sendo Deus meu Pai, só me ordenará o que é justo, razoável e factível. Ora, seu preceito é inteiramente harmônico com meu senso do ser, ou seja, amá-Lo, servi-Lo, cumprir seus mandamentos, fugir do pecado, desejar a perfeição, temperar minhas paixões, etc. Para tal, Ele coloca à minha disposição os Sacramentos, a graça, os Anjos e até a sua própria Mãe. Em qualquer necessidade, bastar-me-á recorrer a Ele: “Em verdade vos digo que, se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, Ele vo-la dará” (Jo 16, 23).
Exame de consciência
Cabe aqui, então, uma pergunta: em face desse convite, qual tem sido minha resposta e minha conduta? Qual dos quatro filhos melhor me simboliza?

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Acirramento dos sinedritas contra Jesus

Uma civilização atraída por enigmas e parábolas
Para melhor entendermos a Liturgia, devemos remontar aos hábitos do tempo do Divino Mestre. Encontraremos uma civilização mais campesina, pastoril e orgânica do que a nossa, sem os progressos da tecnologia atual. Ademais, a prática da reflexão não fora substituída pela máquina. Naquele tempo sem rádio, TV, telefone, computador e outros aparelhos do gênero, uma das mais fortes atrações do relacionamento humano era a conversa, e nesta o uso de enigmas e parábolas. Era corrente então valer-se de axiomas éticos para a resolução dessas ou daquelas questões concretas da vida de todos os dias. Lançar mão de metáforas para fins didácticos não era, portanto, uma inovação implantada pelo Messias. Ele não fez senão servir-se dos costumes vigentes.
As Sagradas Escrituras estão embebidas de casos nos quais as disputas se realizavam tomando como base enigmas. Assim se aprimorava a inteligência, como também o senso moral, racional e estético.
Inveja e arrogância dos sinedritas
Na lembrança dos escribas, anciãos do povo, príncipes dos sacerdotes e outros, estava toda a fama angariada pelo Divino Mestre ao longo de sua vida pública, incluindo o recentíssimo episódio da entrada triunfal em Jerusalém. Quando viram “Jesus Cristo entrar no Templo com grande pompa, agitaram-se por inveja; e assim, não podendo sofrer em seu coração o ardor da inveja que os acossava, levantaram a voz” (2) e com grande arrogância resolveram interromper a pregação, perguntando-Lhe: “Com que autoridade fazes estas coisas? E quem Te deu tal direito?” (Mt 21, 23).
A seguir se estabelece um diálogo entre Jesus e as autoridades religiosas.
À procura de uma ocasião para desacreditá-Lo
Como comenta Frei Manuel de Tuya OP (3), grande exegeta de Salamanca, os sinedritas agiam com má intenção, uma vez que secretamente já haviam condenado Jesus à morte. Apenas andavam à procura de uma ocasião oportuna para executar essa sentença. Queriam comprometê-Lo e desacreditá-Lo ante o público, o que facilitaria seu intento. Era idéia aceita no ambiente rabínico que seria preciso pedir sinais ao Messias, a fim de que este fosse reconhecido como tal.
Era verdade que ninguém podia ensinar no Templo sem antes haver recebido a imposição de mãos de outro rabino. Entretanto, ao indagarem a Jesus sobre quem Lhe havia dado autoridade para pregar, a intenção deles era pedir satisfação também pelos eventos do Domingo de Ramos, pelas aclamações messiânicas com as quais fora recebido no próprio Templo e até pelos milagres realizados ali. A pergunta era, portanto, sobre seus poderes messiânicos.
Jesus responde: “De onde era o batismo de João?”
Jesus lhes respondeu: “Também Eu vos farei uma pergunta; se Me responderdes, Eu vos direi com que direito faço estas coisas. De onde era o baptismo de João? Do Céu ou dos homens?” (Mt 21, 24-25). Os evangelistas traduzem o que os sinedritas pensavam: “Se Lhe dissermos que do Céu, Ele dirá: Então por que não crestes nele? Se Lhe dissermos que é dos homens, tememos o povo” (Mt 21, 25-26).
Frei Manuel de Tuya observa que Jesus, ao interrogá-los sobre o batismo de João, mantinha-se no terreno messiânico, pois o Batista só anunciava o Messias. E eles o compreenderam perfeitamente, daí terem respondido: “Não sabemos”. Temiam eles as multidões que consideravam São João Batista um verdadeiro profeta. Melhor, temiam que “todo o povo os apedrejasse”, como diz São Lucas (20, 6). O delito religioso acarretava o apedrejamento, e o povo costumava reagir impulsiva e cegamente nesses casos. Assim, o temor dos membros do Sinédrio era bem justificado!
Embaraço dos sinedritas
A resposta deles era, ela mesma, um juízo a respeito de sua incapacidade de pronunciar um veredicto em assuntos desse gênero. Afinal, se depois de tudo o que São João Batista fizera, não eram capazes de formar uma opinião sobre ele, quanto mais em se tratando de Jesus, que lhes fornecera inumeráveis signos de ser o Messias. A embaraçada resposta dos sinedritas deu oportunidade ao divino Mestre de dizer: “Nem Eu vos direi com que autoridade faço estas coisas” (Mt 21, 27).

Continua no próximo post