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sábado, 26 de novembro de 2011

O Advento

As duas vindas de Nosso Senhor
O círculo e o losango são as mais perfeitas figuras geométricas segundo o conceito de São Tomás de Aquino, pois representam o movimento do efeito que retorna à sua causa. Cristo é a mais alta realização dessa simbologia porque, além de ser o princípio de todo o criado, é também o fim último. Daí encontrarmos, tanto no término do ano litúrgico, como em sua abertura, os Evangelhos que transcrevem as revelações de Jesus sobre sua última vinda.
A penitência, na expectativa do Natal
A Igreja não elaborou suas cerimônias através de um planejamento prévio. Organismo sobrenatural como é, nascido do sagrado costado do Redentor e vivificado pelo sopro do Espírito Santo, possui uma vitalidade própria com a qual se desenvolve, cresce e se torna bela, de maneira orgânica. Assim foi-se constituindo o ano litúrgico ao longo dos tempos, em suas mais diversas partes. Em concreto, o Advento surgiu entre os séculos IV e V como uma preparação para o Natal, sintetizando a grande espera dos bons judeus pelo aparecimento do Messias.
À expectativa de um grande acontecimento místico-religioso, corresponde uma atitude penitencial. Por isso os séculos antecedentes ao nascimento do Salvador foram marcados pela dor dos pecados pessoais e do de nossos primeiros pais. Mais marcante ainda se tornou o período anterior à vida pública do Messias: uma voz clamante no deserto convidava todos a pedirem perdão de seus pecados e a se converterem, para que assim fossem endireitados os caminhos do Senhor.
Esperança pervadida pelo desejo de santidade
Desejando criar condições ideais para participarmos das festividades do Nascimento do Salvador — sua primeira vinda —, a Liturgia selecionou textos sagrados relativos à sua segunda vinda: a nota dominante de uma é a misericórdia e a da outra, a justiça. Entretanto, esses dois encontros com Jesus formam um todo harmônico entre o princípio e o fim dos efeitos de uma mesma causa. Os Padres da Igreja comentam largamente o contraste entre uma e outra, mas, segundo eles, devemos ver na Encarnação do Verbo o início de nossa Redenção e na ressurreição dos mortos a sua plenitude.
Para estarmos à altura do grandioso acontecimento natalino, é indispensável colocarmo-nos diante da perspectiva dos últimos acontecimentos que antecederão o Juízo Final. Daí o fato de a Igreja durante muito tempo ter cantado na Missa a sequência “Dies Irae”, a famosa melodia gregoriana. Mais do que simplesmente recordar-nos o fato histórico do Natal, a Igreja quer fazer-nos participar das graças próprias à festividade, tal qual delas gozaram a Santíssima Virgem, São José, os Reis Magos, os Pastores, etc. Ora, uma grande esperança, pervadida pelo desejo de santidade e por uma vida penitencial, sustentava o povo eleito naquelas circunstâncias. E nós devemos imitar seu exemplo e seguir seus passos, em face não só do Natal como também da plenitude de nossa redenção: a gloriosa ressurreição dos filhos de Deus.
Primeira e segunda vindas de Jesus se unem diante de nossos horizontes neste período do Advento, fazendo-nos analisá-las quase numa visão eterna; talvez, melhor dizendo, de dentro dos próprios olhos de Deus, para Quem tudo é presente. Eis algumas razões pelas quais se entende a escolha do roxo para os paramentos litúrgicos, nessas quatro semanas. É tempo de penitência. E por isso o Evangelho de hoje nos fala da vigilância, por não sabermos quando retornará o “senhor da casa”. É indispensável que não sejamos surpreendidos dormindo.
Veio como réu, voltará como Juiz
É preciso considerar que o Senhor não virá como Salvador, mas sim como Juiz, não só enquanto Deus, mas também enquanto Homem, tal como nos explica São Tomás: “Havendo, pois, (Deus) colocado Cristo-Homem como cabeça da Igreja e da humanidade, e havendo-Lhe submetido tudo, concedeu-Lhe também — e com maior direito — o poder judicial” (1). “Cristo mereceu, ademais, esse ofício, por haver lutado pela justiça e haver vencido, ao ser sentenciado injustamente. ‘O que esteve de pé ante um juiz — diz Agostinho — se sentará como juiz, e o que caluniosamente foi chamado réu, condenará os réus autênticos’” (2).
Nosso Senhor Jesus Cristo será o Grande Juiz, em sua humanidade santíssima unida hipostaticamente à Sabedoria divina e eterna. Assim, conhece Ele os segredos de todos os corações, tal qual escreve São Paulo aos Romanos: “No dia em que Deus julgará, por Jesus Cristo, as ações ocultas dos homens” (Rm 2,16). Ele aparecerá em toda a sua glória, pois, em sua primeira vinda, porque se dispunha a ser julgado, revestiu-se de humildade. Portanto, deverá revestir-se de esplendor, ao retornar como Juiz (3). Pondera ainda São Tomás que, ao nascer em Belém, o Filho se encarnou para representar nossa humanidade junto ao Pai, mas, no fim do mundo, Ele virá aplicar a nós a justiça do Pai; por isso deverá demonstrar a glória de embaixador do poder eterno de Deus.
Esse juízo será universal, porque também o foi a própria Redenção. Ouçamos as explicações dadas por Santo Agostinho a respeito das duas vindas de Nosso Senhor: “Cristo, Deus nosso e Filho de Deus, realizou a primeira vinda sem aparato; mas na segunda virá apresentando-Se como Ele é. Quando veio calado, não Se deu a conhecer senão aos seus servos; quando vier manifestamente, mostrar-Se-á a bons e maus. Quando veio incógnito, veio para ser julgado; quando vier com majestade, fá-lo-á para julgar. Quando foi réu, guardou o silêncio anunciado pelo Profeta: ‘Não abriu a boca, como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante os tosquiadores...’ (Is 57, 7). Mas não haverá de se calar assim, quando tiver de julgar. Na verdade, nem agora está calado para quem gosta de ouvi-Lo; e se diz que não Se calará, Ele o diz porque então deverão ouvi-Lo os que agora O menosprezam” (4).
Consideração benfazeja, tanto para os bons quanto para os maus
Nada será esquecido, os mínimos pensamentos ou desejos serão relembrados com vigor de realidade. Ações e omissões, a respeito de Deus, do próximo e até de nós mesmos. O Divino Juiz não deixará uma só vírgula sem análise, sem ser devidamente pesada. E para cada um proferirá de público uma inapelável e definitiva sentença. Alguns à sua direita, outros à esquerda. Destes últimos, quantos ali estarão por terem procurado um prazer fugaz, ou por terem se recusado a fazer um esforço insignificante? É preciso levar em conta que esse trágico panorama do Juízo Final será uma repetição pública do juízo particular de cada um.
Mas, por outro lado, quanta alegria terão os bons! “Os padecimentos do tempo presente nada são em comparação com a glória que há de se manifestar em nós” (Rm 8, 18). Os corpos dos justos estarão livres das fraquezas e enfermidades, serão imortais e espiritualizados, assimilados à luz de Cristo. Ao se verem reunidos em Maria e em Jesus, sentir-se-ão inundados de gozo e alegria, naquele dia de triunfo.
Daqui se conclui o quanto é benfazejo, tanto para os maus como para os bons, considerar de frente essa segunda vinda do Senhor. Para uns talvez lhes comova o temor de Deus, para outros poderá alentá-los, em meio às dores e dramas desta vida, a esperança dessa apoteótica cerimônia.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Deus quis se fazer íntimo de nós

Moisés se maravilhou com a sarça que ardia sem se consumir. Aquelas chamas de incomum beleza, mantidas pela ação de um anjo, atraíram-no. Movido por uma forte e sobrenatural curiosidade, ele aproximou-se “para contemplar esse extraordinário espetáculo” e qual não foi sua surpresa ao ouvir de dentro das labaredas a voz de Deus, a adverti-lo de que tirasse suas sandálias por encontrar-se numa “terra santa”.
Ali recebeu a elevada missão de libertar do cativeiro o povo eleito e de conduzi-lo à Terra Prometida. Porém, naqueles alvores de seu profetismo, surgiu uma perplexidade: como apresentar aos outros o Senhor? Dúvida inteiramente compreensível, pois o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó era distante, invisível e de difícil acesso. Mas, a resposta foi extremamente sintética: “Iah Weh”, ou seja: “Eu sou” (Ex 3, 1-15).
Aquele era o mesmo Deus que passeara todas as tardes com Adão no Paraíso (Gn 3, 8)   e que, após o pecado original, fez-Se menos presente entre os homens. A partir daí, quase sempre suas manifestações se deram através da grandeza dos castigos (dilúvio, confusão das línguas, etc.), que incutiam um profundo respeito, temor e admiração no povo. Embora a travessia do Mar Vermelho, o maná e outras ocorrências miraculosas durante o Êxodo lhes dessem um conhecimento experimental da existência de um Ser Supremo que os protegia nos caminhos da vida, a própria entrega das Tábuas da Lei no Sinai tornou-se um símbolo do relacionamento d’Ele com o homem, baseado numa severa justiça. Aquele Ser absoluto se apresentava ao povo eleito como um Legislador intransigente, invisível e intocável.
Esse modo de agir divino passou por uma transformação inimaginável nestes mais de dois mil anos de Novo Testamento, desde que o “Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Aquele mesmo Deus que fez tremer o Sinai e deu grandes poderes ao braço de Sansão e à voz de Elias, pôde ser adorado enquanto bebê na manjedoura, em Belém, e esteve nos braços de Maria, José, Simeão e dos Reis Magos.
Doze anos mais tarde, ainda menino, discutiu com os doutores no Templo, e durante sua juventude, auxiliou seu pai nos trabalhos de carpintaria. E, ao iniciar sua missão pública, fez-Se presente a umas bodas em Caná, realizando ali seu primeiro milagre. Em Jesus, Deus quis Se fazer íntimo de nós. Ele continuou sendo o mesmo “Iah Weh”, mas atribuindo-se títulos diferentes: “Eu sou o Bom Pastor” (Jo 10, 11), “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” ( Jo 14, 6), “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12), “Eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10, 7), “Eu sou o pão vivo que desceu do céu” (Jo 6, 51). Fazendo menção a essas criaturas todas — inclusive comparando-se à galinha com seus pintainhos, ao chorar sobre Jerusalém —, Ele mostra bem qual seu incomensurável desejo (desejo eterno) de nos fazer participar de sua vida.

domingo, 20 de novembro de 2011

Ciclo litúrgico

Com sabedoria divina e usando de insuperável arte, neste mês de novembro, a Igreja termina um ciclo litúrgico e dá início a outro. A abertura do novo ano será muito semelhante ao fecho do anterior.
Por que usa a Igreja de um método, à primeira vista, repetitivo, sendo seu tesouro insuperavelmente amplo e variado? Qualquer um a quem ocorrer esta pergunta logo perceberá provir ela de uma impressão superficial e errônea. Em realidade, a Encarnação e o Nascimento do Salvador tomam cores mais ricas ao serem focalizados na perspectiva do retorno de Cristo no fim do mundo, pois todos esses acontecimentos referem-se a um mesmo Ser e têm, portanto, profundas analogias entre si. O Natal e o Juízo Final constituem os extremos opostos de um só e imenso arco. Na Manjedoura, encontramos o Menino “que há de vir julgar os vivos e os mortos” (2 Tm 4, 1). No Vale de Josafá, veremos o próprio Inocente nascido na Gruta de Belém “voltar sobre as nuvens com grande poder e glória” (Mc 13, 26).
Ao surgir, Jesus dividiu a História em duas eras e, em seu retorno, finalizará o tempo e abrirá as portas da eternidade: “A Ele foram dados império, glória e realeza, e todos os povos, todas as nações e os povos de todas as línguas serviram-no. Seu domínio será eterno; nunca cessará e seu reino jamais será destruído” (Dn 7, 14). “O Senhor é rei e se revestiu de majestade, ele se cingiu com um cinto de poder” (Sl 92, 1).
A Realeza de Cristo
Esta festa foi estabelecida por Pio XI há menos de um século (1925). Entretanto, a consideração dessa divina realeza é tão antiga na piedade dos fiéis quanto a própria Liturgia. Referências a ela transbordam desde o Advento ao Tempo Pascoal, passando pela Natividade, Epifania e Paixão. A Teologia é rica em reflexões sobre essa temática, debaixo dos mais variados aspectos.
Por exemplo, São Tomás, ao discorrer sobre a origem do poder real de Cristo, demonstra-nos que Jesus é Rei por direito de natureza, por sua dignidade de Cabeça de todos os que estão unidos a Ele, pela plenitude da graça habitual, títulos estes gratuitos, ou seja, independentes dos merecimentos alcançados pelo Homem-Deus.