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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Evangelho 6º domingo comum - Cura leproso ( final )

O Divino Mestre ficava nos lugares desertos
“Ele, porém, retirando-se, começou a contar e a publicar o sucedido, de sorte que (Jesus) já não podia entrar descobertamente numa cidade, mas ficava fora nos lugares desertos; e de todas as partes iam ter com Ele”.
Por mais que o comovido miraculado pudesse ter comprovado a severidade do Divino Mestre, esta não conseguiu frear a exuberância de sua alegria. Saiu ele por todos os cantos a proclamar a maravilha de que tinha sido objeto da parte do Salvador.
Por isso, não mais foi possível a Jesus mostrar-Se nas cidades. Viu-Se Ele na contingência de recolher-Se aos campos desertos, longe das gentes que O aclamavam logo ao encontrá-Lo. Teve, dessa forma, de abandonar por certo tempo Seu intenso apostolado, porém, dedicando-Se à pura contemplação tão amada por Ele. Essa contemplação, como sabemos, é causa dos bons frutos da ação, tal como comenta São Beda: “Depois de fazer o milagre na cidade, o Senhor se retira ao deserto, para manifestar que prefere a vida tranquila e separada das preocupações do século, e que por essa preferência Se consagra ao cuidado de sanar os corpos”.9
Considerações finais
Somos concebidos e nascemos sob os estigmas do pecado original; pelo pecado nos transformamos em inimigos de Deus.10 E se a lepra física enfeia o corpo, a da alma — o pecado —, a torna horrorosa aos olhos de Deus, dos Anjos e dos Bem-Aventurados. Essa “lepra” da alma traz consequências até mesmo para o corpo, pois, como diz Nosso Senhor, “o pecador se torna escravo do pecado” (Jo 8, 34), prejudicando, assim, até sua saúde física.
Efeitos da lepra do corpo e da “lepra” da alma
Se de um lado o leproso se torna um pária da sociedade, condenado ao isolamento e ao abandono, por outro lado, o pecado não só faz perder a inabitação da Santíssima Trindade na alma do pecador, como o exclui da sociedade dos eleitos e dos santos.
Além disso, a “lepra” da alma é mais contagiosa do que a física. A propagação da primeira se faz até à distância, por palavras, conversas, pensamentos, escândalos, maus exemplos, influência, maledicência, etc., e muitas vezes de maneira tal que não se consegue reparar os males oriundos de sua difusão.
Também não devemos olvidar que o fato de se comunicarem entre si os que sofrem dessa enfermidade física, e nem sequer com os que por ela não foram atingidos, não faz crescer sua desgraça. O mesmo não se dá com a “lepra” do pecado: ao sermos causa de contágio, aumentamos nossa culpa.
Por mais que a lepra conduza a miseráveis condições que, sem tratamento, só terminam com a morte, o pecado é muito pior, pois arranca da alma a paz de consciência, torna amarga a vida e prepara a morte eterna.
Consideremos ainda a grande superioridade da alma sobre o corpo. Aquela é criada à imagem da Santíssima Trindade e, enquanto obraprima das mãos de Deus, leva ademais, sobre si, o infinito preço do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso mesmo, os males da alma sempre são mais graves que os do corpo. E, sendo físicos os estigmas do mal de Hansen, são fáceis de serem reconhecidos pela vítima. Em sentido contrário, o pecador, quanto mais avança nas tortuosas vias do pecado, menos se dá conta do abismo no qual rola. Nesta perspectiva, como poderá ele obter a cura?
Terrível é ainda considerar que os sofrimentos do leproso abandonado à própria sorte terminam com seu falecimento e, se os aceitou com resignação e amor a Deus, abrirá seus olhos para a eternidade feliz. Os do pecador não só se perpetuam na eternidade, como se tornam incomparavelmente mais atrozes após a morte.
Não deixemos passar um dia sem receber a Jesus Eucarístico
E como curar a “lepra” do pecado?
Muitas são as vias que conduzem à cura total, isto é, à santidade plena. Há uma, entretanto, que se sobressai entre todas, e esta nos é indicada pelo Evangelho de hoje, quando afirma que o leproso “foi ter com Ele...”, ou seja, foi buscar Jesus.
Não se trata de esperar que Jesus vá ao pecador; é preciso que este vá em busca de Jesus. E, quanto mais avançado for o estado de sua “lepra”, mais confiança deverá ter de ser bem recebido por Ele. Jamais deve permitir qualquer fímbria de desânimo ou, pior ainda, de desconfiança.
E onde encontrá-Lo?
Jesus não está entre nós de passagem, como aconteceu na vida do leproso do Evangelho, mas de forma permanente: “Estarei convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Sim! Cristo se encontra constantemente na Eucaristia em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. E será na Comunhão frequente — melhor ainda na diária — que Ele irá assumindo interiormente os que em sua graça O recebem, para dessa forma tornálos cada vez mais semelhantes à Sua santidade.
Aquelas divinas e sagradas mãos, cujas carícias encantavam os pequeninos, e ao aproximarem-se dos enfermos, curavam a todos; aquelas mesmas mãos onipotentes que acalmavam os ventos e os mares, restituíam a vida aos cadáveres e perdoavam os pecados, estarão no interior do ser de quem receber Jesus na Comunhão Eucarística, para santificá-lo.
É de altíssima conveniência aceitar o convite que a Igreja faz a todos os batizados no sentido de que não deixem passar um só dia sem receber a Jesus Eucarístico; mas a ação dEle será ainda mais eficaz nas almas que o fizerem por meio dAquela que O trouxe à Encarnação: Sua e nossa Mãe, Maria Santíssima.
Cf. Suma Teológica I, q. 25, a. 2 e 3.
Cf. Suma Teológica III, q. 13, a. 1, ad 1.
Cf. Suma Teológica III, q. 13, a. 1c e 2c.
Suma Teológica III, q. 43, a. 1 resp.
Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
ORIGENES, Commentarium in evangelium Matthaei, 2, 2-3.
CHRYSOSTOMI, Joannis. Homiliæ in Matthæum, 25, 2 (PG 57, 329).
Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea. Cf. DENZINGERHÜNERMANN, 1528.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Evangelho 6º Domingo Comum ( Cura leproso)

Mc 1, 40-45
Jesus completa a obra mandando aos sacerdotes a prova
“E o ameaçou, e logo o mandou retirar-se; e disse-lhe: ‘Guarda-te de o dizer a alguém, mas, vai, mostra-te ao príncipe dos sacerdotes, e oferece pela tua purificação o que Moisés ordenou, para lhe servir de testemunho’”.
A caridade também possui um como que santo pudor, semelhante ao da virtude da castidade, e por isso procura cobrir-se de véus aos olhares alheios. A este propósito, comenta São João Crisóstomo: “Deste modo, [Jesus] nos ensina a não procurar, como retribuição por nossas obras, honras humanas. [...] O Salvador o envia ao sacerdote para prova da cura, e para que ele não tivesse de ficar fora do Templo, mas pudesse rezar nele com os demais. Enviou-o também para cumprir o preceito da Lei, e para aplacar a maledicência dos judeus. Assim, pois, completou a obra mandando-lhes a prova de sua realização”.8
Estes versículos nos mostram o grande empenho de Jesus em que a Lei fosse observada. O miraculado queria seguir a Nosso Senhor e não mais abandoná-Lo, mas Ele lhe fala em tom severo e ameaçador, obrigando-o a apresentar-se ao sacerdote antes de tudo. Quando obtida uma cura tão brilhante e de uma doença que conduziria à morte, compreensível era que o beneficiado não quisesse se afastar, ainda que fosse para cumprir umas tantas prescrições legais, mas Jesus não desejava escandalizar ninguém, e por isso evitava causar a impressão de que suas ações eram contrárias às determinações de Moisés.
Ora, a Lei dispunha que neste caso o miraculado deveria oferecer três sacrifícios: um de culpabilidade, outro de expiação e um terceiro de holocausto (cf. Lv 14, 10-13). Os ricos ofertavam cordeiros, e os pobres, aves. Essas providências deveriam ser cumpridas com urgência; além do mais, no caso concreto, era apostólico para com os que serviam no Templo, o fato de tomarem logo conhecimento do milagre. Assim, uma vez constatado este, confeririam oficialidade ao mesmo, reintroduzindo o exleproso na sociedade, e de nada poderiam acusar o verdadeiro Messias, caso fossem acometidos pela costumeira inveja. Daí entender-se melhor a severidade com que o Divino Mestre Se dirige ao miraculado: “E o ameaçou e logo o mandou retirar-se...”.
Ainda quanto à necessidade exigida por Lei de apresentar-se ao sacerdote, podemos ver nela uma certa aproximação com a obrigatoriedade de buscar a Confissão, quando alguém é atingido pela lepra do pecado. Deve-se, entretanto, sublinhar a enorme superioridade do sacramento da Reconciliação sobre o antigo rito, pois restabelece a amizade da alma com Deus e consigo mesma, obriga à restituição dos bens quando mal obtidos, força o homem a conhecer-se melhor, etc. Quanto aos dois sacerdócios, há também vultosas diferenças. Na Antiga Lei, o sacerdote apenas constatava e registrava a cura corporal. No Novo Testamento, o Padre não só constata a cura, mas oferece sua laringe a Jesus para que Ele realmente a opere.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Continuação Evangelho 6 º Domingo Comum ( Cura do Leproso)

Ternura, bondade e compaixão do Divino Médico
“E Jesus, compadecido dele, estendeu a mão, e, tocando-o, disse-lhe: ‘Quero; sê limpo’. E, tendo dito estas palavras, imediatamente desapareceu dele a lepra, e ficou limpo”.
A reação de Jesus não foi de estranheza, menos ainda de desprezo ou de horror, mas sim de compaixão. Assim Se manifesta Seu Sagrado Coração quando Lhe apresentamos, com humildade e verdadeiro arrependimento, nossas misérias.
E ainda mais patente se torna Sua ternura e bondade para com o leproso, ao tocá-lo. “Por que o Senhor o tocou, quando a Lei proibia tocar os leprosos?” — pergunta Orígenes. E dá a resposta: “Tocou-o para mostrar que ‘todas as coisas são limpas para o limpo’ (Tt 1, 15), já que a sujeira de uns não adere a outros, nem a imundície alheia mancha os imaculados. Tocou-o, ademais, para demonstrar humildade, para ensinar-nos a não desprezar ninguém por motivo das feridas ou manchas do corpo, que são uma imitação do Senhor e foi por isso que Ele mesmo o fez. [...] Ao estender a mão para tocá-lo, a lepra desapareceu; a mão do Senhor não encontrou a lepra, mas tocou um corpo já curado. Consideremos nós agora, queridíssimos irmãos, que não se encontre em nossa alma a lepra de nenhum pecado; que não retenhamos em nosso coração nenhuma contaminação de culpa; e se a tivermos, adoremos imediatamente o Senhor e Lhe digamos: ‘Se queres, podes limpar-me’”.6
Na mesma linha, comenta São João Crisóstomo: “E o Senhor não Se contentou em dizer: ‘Quero, sê limpo’, mas estendeu sua mão e tocou o leproso. Isto é muito digno de consideração. Com efeito, podendo limpá-lo com sua simples vontade e palavra, por que acrescenta o contato com a mão? Na minha opinião, somente porque quis mostrar também aqui que ele não estava sujeito à Lei, e que doravante, ‘para o limpo tudo haveria de ser limpo’ (Tt 1, 15) [...] Jesus dá a entender que Ele não cura como servo, mas como Senhor, e não vê inconveniente em tocar o leproso. Pois não foi sua mão que se manchou com a lepra, mas o corpo do leproso que ficou limpo ao contato com a mão divina”.7
Torna-se claro, por este versículo, como da parte de Jesus está sempre a onipotência divina desejosa de salvar-nos, desde que não coloquemos obstáculo. Por isso se, opondo-Lhe resistência, não nos aproveitamos das liberais disposições de nosso Redentor para nos curar de nossa “lepra” e nos santificar, seremos nós, e unicamente nós, os culpados.
O caráter instantâneo da cura demonstra o poder absoluto de Sua vontade e nos leva a supor que o ex-leproso ficou mais belo em seu aspecto geral do que antes de ter contraído a enfermidade. Esse acontecimento nos enche de confiança, pois também nós podemos obter a cura de nosso orgulho e de tantos outros defeitos, se com ardor, humildade e perseverança formos ao encontro de Nosso Senhor Jesus Cristo, implorando-Lhe que de nós se compadeça.
Por isso, jamais devemos nos desesperar da cura de nossas misérias espirituais, por piores que estas possam ser. Nunca poderão elas ultrapassar o infinito poder de Deus, para Quem sempre bastará um simples ato de vontade. E, quanto mais insolúveis pareçam ser nossas crises, mais rutilante será a glória do Divino Médico. Se a Ele recorrermos, encontraremos ternura, bondade e compaixão.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Evangelho 6º Domingo Comum Mc 1, 40-45

Cura do leproso
E foi ter com Ele um leproso, fazendo-Lhe suas súplicas, e, pondo-se de joelhos, disse-Lhe: ‘Se queres, podes limpar-me’”.
A lepra sempre foi uma enfermidade dramática, com inenarráveis sofrimentos físicos e graves consequências sociais. Naqueles tempos era, ademais, na maior parte das vezes incurável.
A mais temida das doenças
Pequenas manchas brancas, insensíveis, em qualquer parte da epiderme — as quais, com o tempo, degeneram em úlceras e se espalham por todo o corpo — podem ser indício desse mal. No seu auge, pés e mãos se tornam edemaciados, as carnes se rasgam, as unhas caem e, em seguida, também os dedos e artelhos. A face se torna monstruosa e a voz enrouquece. Das narinas — já à mostra pela degenerescência de seu exterior, pois o nariz acaba por se descarnar — escorre um líquido purulento que se soma a uma terrível fetidez do hálito. Esses efeitos acabam por produzir na vítima, além das dores físicas, um abatimento de ânimo tão grande que facilmente o leva ao desespero, e, por fim, à morte. Se, pelo contrário, obtém a cura, uma assombrosa alvura lhe reveste o corpo de alto a baixo.
Por isso, essa doença era das mais temidas entre os judeus, e muitas vezes julgavam-na um castigo de Deus (cf. II Cr 26, 19-20); quando se indignavam contra alguém, só em casos extremos desejavam-lhe essa praga (cf. II Sm 3, 29 e II Rs 5, 27).
Ao ser declarado impuro pelo sacerdote, o leproso era imediatamente excluído do convívio social. Devia passar a morar no campo, podendo relacionar-se somente com outros leprosos (cf. Lc 17, 12). Não se tratava de viver em presídio, pois nas cidades não cercadas por muralhas, podia entrar nas sinagogas e até permanecer num recanto, isolado de todos por uma balaustrada, desde que entrasse por primeiro e saísse em último lugar. Entretanto, a própria deambulação se tornava cada vez mais dificultada para ele, pois esse mal penetrava lentamente em todo o organismo, atingindo não só as carnes, mas também os músculos e tendões, nervos e ossos. Para acentuar essa nota de dramaticidade, com sua voz roufenha, e por detrás de um lenço de linho que cobria a parte inferior da face, era obrigado a bradar aos transeuntes: “Tamé! Tamé!” (Impuro! Impuro!), para, assim, evitar que dele se aproximassem (cf. Lv 13, 45).
Em meio ao avanço da doença, progride também a fé
O leproso do Evangelho de hoje deveria ter um tanto de vida interior, estando, portanto, habituado de certo modo à oração. Por isso, ao ajoelhar-se, manifesta, no fundo, a mesma fé e humildade do centurião quando disse a Jesus: “Senhor, eu não sou digno!” (Mt 8, 8). A cena faz-nos recordar, também, a oração do publicano em contraposição à do fariseu que sobe ao Templo para rezar. Nos três casos, trata-se de uma humildade autêntica, de coração, pois Deus não suporta a hipocrisia. Quantas orações não terá Deus rejeitado, ao longo dos séculos, por causa do orgulho farisaico com que foram realizadas!
Em meio ao avanço de sua ruína física, progredia também a fé do leproso, a ponto de, ao encontrar-se com Jesus, crer na Sua onipotência divina e na Sua bondade infinita. Estava certo de que uma simples manifestação da vontade do Salvador era suficiente para curá-lo.
Bem comenta São Beda essa humildade toda feita de fé:
“E porque o Senhor disse: ‘Não vim abolir a Lei, mas levá-la à perfeição’ (Mt 5, 17), aquele que, como leproso, estava excluído da Lei, julgando ter sido curado pelo poder de Deus, indicou que a graça, a qual pode lavar a mancha do leproso, não estava na Lei, mas acima dela. E em verdade, assim como se declara no Senhor a autoridade do poder, declara-se nele a constância da fé. ‘E pondo-se de joelhos, disse-Lhe: se queres, podes limpar-me’. Ele se ajoelha, caindo de rosto em terra, o que é sinal de humildade e vergonha, para que cada qual se envergonhe das manchas de sua vida. Essa vergonha, porém, não impede sua confissão: mostra a chaga e pede o remédio, e a própria confissão está cheia de religião e de fé. ‘Se queres’, diz ele, ‘podes’; ou seja, pôs o poder na vontade do Senhor. Não duvidou da vontade de Deus como um ímpio, mas como quem sabe quanto é indigno dela, por causa das manchas que o enfeiam”.5
Se somos reconhecedores de nossas misérias, como o Publicano, devemos também reconhecer o quanto o pecado é a lepra da alma. Se esta fosse tão visível quanto a física, quão mais repulsiva seria aos olhos de todos! Porém, nada está oculto para Deus, e é assim que são vistas por Ele as almas dos que se encontram no pecado.
Vendo Jesus, o leproso “foi ter com Ele”. Compreende que, para sua felicidade, bastava-lhe aproximar-se do Salvador. É de desejar que o mesmo se passe conosco, ou seja, que jamais desviemos de Cristo nosso olhar.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ensinamentos a tirar das tentações de Jesus Cristo Lc 4, 1-13

1 Jesus, cheio do Espírito Santo, partiu do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, 2 onde esteve quarenta dias, e foi tentado pelo demônio. Não comeu nada nestes dias; passados eles, teve fome.
Este início do capítulo 4 vem envolto num insondável mistério: “Cheio do Espírito Santo...” Ademais, “foi levado pelo Espírito...”. Por que “levado”? Outro Evangelista dirá “conduzido”, e um terceiro, “impelido”. São verbos categóricos que exprimem bem o poder empregado pelo Espírito Santo para agir em nossas almas quando eleitas para uma grande missão.
O batismo deve ter-se realizado à altura de Jericó. Dali saindo, provavelmente subiu as encostas agrestes do Monte Quarentena (Djebel Qarantal), composto de rochas avermelhadas, com cinco cristas muito características, separadas por consideráveis ravinas. Ainda hoje encontram-se por aquelas pedras escavações feitas à mão, que o zelo fervoroso de contemplativos trabalhou para favorecer a solidão procurada por eles. No seu ponto mais alto, um observador pode percorrer o lindo panorama circular: ao norte, o Hermon; a oeste, a terra de Judá; ao sul, o Mar Morto; a leste, o Monte Nebo (de onde Moisés avistou a Terra Prometida pouco antes de morrer), e os planaltos da Perea. Naqueles tempos, por lá deviam vagar animais selvagens, tornando o lugar muito inóspito para qualquer homem, ainda mais na situação de solidão em que se encontrava Jesus, conforme nos relata Marcos: “Esteve em companhia dos animais selvagens” (Mc 1, 13). Hoje, no cimo do monte, ergue-se o convento de São João, ocupado por monges gregos que solicitamente acompanham os peregrinos até a gruta que teria sido freqüentada pelo Salvador e chegam a indicar, até mesmo, as marcas de seus divinos pés sobre as pedras do caminho.
Jesus foi tentado durante quarenta dias
São Lucas nos fala de tentações ao longo de quarenta dias, entretanto só menciona as três últimas delas. Como entender este fato? São Tomás assim no-lo responde: “Segundo a explicação de Beda, o Senhor foi tentado durante quarenta dias e quarenta noites. Mas não se trata daquelas tentações visíveis mencionadas por Mateus e Lucas, as quais ocorreram evidentemente após o jejum, mas de outros assaltos que Cristo pôde sofrer do diabo durante aquele tempo do jejum” (7). São Tomás de Aquino é harmônico, neste seu parecer, com muitos outros autores como, por exemplo, São Justino, Orígenes, Santo Agostinho, se bem que outros tantos — como Suárez, Lagrange, Plummer — discordem deste ponto de vista.
São Mateus é ainda mais categórico ao dizer: “Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio” (Mt 4, 1).
Na história da criação, os primeiros a padecerem a prova da tentação foram os Anjos, e nem todos permaneceram fiéis... A seguir foram os nossos primeiros pais, e de seu pecado sofrerão as conseqüências todos os homens, até o fim do mundo. Mas Jesus era impecável e, apesar disso, pôde efetivamente ser tentado. N’Ele não existia o fomes peccati nem sequer a mais leve inclinação ao pecado, quer fosse pela carne ou até mesmo pelas pompas e vaidades do mundo, por possuir, ademais, um juízo sereno e clarividente. Porém, quanto às sugestões diabólicas externas, não havia o menor inconveniente em que viesse submeter-Se a elas voluntariamente, pois, não sendo interiores e também por não haver a menor imperfeição em Quem as padeceu, deixam a exclusividade de toda a malícia ao tentador (8).
De acordo com os desígnios de Deus, “convinha [a Jesus] que Ele se tornasse em tudo semelhante aos seus irmãos” (Hb 2, 17), pois, para levar até os extremos limites seu amor por nós, ao “compadecer-Se de nossas fraquezas”, maior perfeição manifestaria quando passasse “pelas mesmas provações que nós, com exceção do pecado” (Hb 4, 15).
Sobre a razão da oração e do jejum, baste-nos lembrar que “esta espécie de demônio só se pode expulsar à força de oração e de jejum” (Mt 17, 20).

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Tentação de Cristo Lc 4, 1-13

A vida divina do batizado
Essa vida, infundida por ocasião do Batismo, é tão necessária e superior que, sem sua seiva, nada pode realizar o cristão. “Sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5). Por isso afirma São Paulo: “Tudo posso n’Aquele que me conforta” (Fl 4, 13).
Essa é a vida que nós, batizados, devemos buscar, na certeza da vitória, caso com ela estabeleçamos uma perfeita união. Assim como as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja (cf. Mt 16, 18), assim também cada um de nós — desde que unido pela fé e pelas obras a Cristo Jesus, nosso sumo general, Rei, Sacerdote e Profeta — não conhecerá o fracasso, e com toda a segurança chegará ao triunfo final, pois foi Ele quem nos mereceu o amparo e auxílio contra as tentações.
Por que Cristo Se dispôs a ser tentado
Essa perspectiva nos tornará claro o Evangelho de hoje, pois “Cristo quis ser tentado” e até mesmo “voluntariamente Se apresentou ao tentador” (2). Dispôs-Se Ele a ser nosso exemplo “para nos ensinar o modo de vencer as tentações do diabo. Por isso diz Santo Agostinho que Cristo Se deixou tentar pelo diabo a fim de ser nosso mediador e nos ajudar a triunfar sobre as tentações daquele, prestando-nos não apenas seu socorro, mas dando-nos também seu exemplo” (3). Da mesma forma como Jesus, pelo fato de ter abraçado sua própria morte, pôde dizer a esta: “Onde está teu aguilhão? Onde está tua vitória?”, assim também, em relação às nossas tentações, Ele as venceu no deserto. Pois, como ensina São Gregório, é compreensível que “Nosso Salvador, o qual viera para ser morto”, quisesse também “ser tentado, de tal modo que, por suas tentações, Ele pudesse vencer as nossas, assim como, por sua morte, Ele venceu a nossa” (4).
Melhor do que ninguém, Jesus sabia os riscos pelos quais passamos em nossa existência e quis, com o exemplo de sua própria vida, advertir-nos a respeito deles — sobretudo aqueles de nós mais chamados a uma via de maior entrega e perfeição. “De tal modo que ninguém, por mais santo que seja, pense estar seguro e imune à tentação. Por isso Cristo quis ser tentado após seu batismo, como diz Santo Hilário, porque ‘as tentações do diabo assaltam principalmente quem está santificado, pois ele deseja sobretudo triunfar sobre os santos’. Daí também estar escrito: ‘Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firme na justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação’ (Eclo 2, 1)” (5).
Quem poderia nos ensinar eficazmente a vencer as tentações com firmeza, senão o próprio Cristo?
Por fim — ainda segundo São Tomás de Aquino —, Jesus permitiu que o demônio O tentasse “para dar-nos confiança em sua misericórdia, pelo que se diz: ‘Porque não temos n’Ele um pontífice incapaz de compadecer-Se das nossas fraquezas. Ao contrário, passou pelas mesmas provações que nós, com exceção do pecado’ (Heb 4, 15)” (6).

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Evangelho Lc 4, 1-13 - Tentações de Jesus

Iniciaremos os comentários de Mons João Clá Dias a respeito do Envangelho  Lc 4, 1-13 Tentações de Jesus
A luta dos dois generais
Pervadidos de mistério e propícios à meditação, o batismo do Senhor e a tentação no deserto constituem o pórtico de sua vida pública. Sobre essa matéria muito tem sido escrito ao longo dos séculos, procurando esclarecer seus mais profundos significados. Fixemos hoje nossa atenção nas tentações sofridas por Jesus.
Depois da teofania no Rio Jordão, encontramos no deserto dois sumos generais, Cristo e Satanás, num enfrentamento face a face. A guerra ali travada tornou-se o paradigma da luta de todo homem, durante sua existência terrena, a qual, por sua vez, recebe a influência de um e outro general. A aceitação de uma dessas influências determina sua vitória ou derrota pessoal.
Ação de Satanás sobre as almas
Sobre o supremo chefe dos maus e seus sequazes, o próprio Jesus diria mais tarde: “Vós tendes por pai o demônio e quereis fazer os desejos do vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, por que a verdade não está nele. Quando ele diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44). Características estas que tornam singular o modo de agir de Satanás Seu governo não é exercido no interior das almas, e nem sequer infunde nos seus um influxo vital. Ele consegue, isto sim, obscurecer o entendimento do pecador e apresentar-lhe maus desejos, através de tentações que lhe sugere. O demônio não tem outra intenção a não ser afastar os homens de Deus, seu Criador, e levá-los à revolta. Deseja que todos pequem o quanto possível, para assim perderem o uso da verdadeira liberdade. Na sua ação mais direta, o demônio explora nos homens a tríplice concupiscência.
De outro lado, ele odeia a verdadeira união que deve reinar no relacionamento entre os homens, e, atuando em sentido oposto, visa obter a desagregação da sociedade.
Modo de atuar de Jesus Cristo
Por sua vez, Cristo também exerce sobre os seus súditos uma influência externa, própria a qualquer rei, mas o faz com toda a perfeição e de maneira mais eficaz. Sua doutrina é clara e lógica; não só Ele a ensina com palavras, mas apresenta-Se a Si mesmo como seu exemplo insuperável e atraente. Quem puser em prática seus preceitos chegará infalivelmente à vitória.
Sua ação sobre os fiéis é incomparavelmente mais profunda do que a de Satanás sobre os seus respectivos seguidores. Jesus é a cabeça do Corpo Místico, e d’Ele deflui para os seus membros a graça santificante. Devido à união hipostática com Deus, a humanidade de Cristo tem virtude para santificar (1). É em função dela que São Paulo afirma: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim” (Gl 2, 20).