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sábado, 18 de fevereiro de 2012

Pode o Papa errar? Comentário ao Evangelho São Mateus 16, 13-19


O conhecimento das verdades divinas pela religião natural
A partir de nossa razão e da observação das coisas criadas, podemos conhecer muito a respeito de Deus. É a isso que os teólogos católicos chamam de teologia natural, ou religião natural.
As verdades que os homens podem assim alcançar incluem especialmente a existência de Deus e seus atributos (eternidade, invisibilidade, poder, etc).
Sobre a capacidade humana de atingi-las, São Paulo nos ensina na epístola aos romanos: “Porquanto o que se pode conhecer de Deus, eles [os pagãos] o lêem em si mesmos, pois Deus lho revelou com evidência. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar” (1, 19-20).
Significativamente, já nos tópicos seguintes desta epístola, o Apóstolo mostra a infidelidade dos gentios a esse conhecimento do Criador, adquirido por meio da religião natural: “Porque, conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato. Pretendendo-se sábios, tornaram-se estultos. Mudaram a majestade de Deus incorruptível em representações e figuras de homem corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso, Deus os entregou aos desejos dos seus corações, à imundície, de modo que desonraram entre si os próprios corpos”(1, 21-24).
Essa constatação de São Paulo é um fato universal, verificado ao longo de toda a História. Mesmo quando os homens, por si mesmos, conhecem verdades da teologia natural, não são capazes de conservá-las íntegras e sem erro.
Dando uma claríssima explicação a respeito dessas carências resultantes do pecado original, São Tomás afirma: “Devido à enfermidade de nosso juízo e à força perturbadora da imaginação, há alguma mistura de erro na maior parte das investigações feitas pela razão humana. (...) No meio de muita verdade demonstrada, há às vezes algum elemento de erro, não demonstrado, mas afirmado pela força de algum raciocínio plausível e sofístico, que é tomado como demonstrado (Suma contra os gentios I, 4).
É ainda indispensável observar que, mesmo se o homem não tivesse cometido o pecado original, conservando íntegra sua potência intelectiva, por sua própria natureza, seria incapaz de conhecer certas realidades sobrenaturais, como, por exemplo, a Trindade de Deus.
Os Profetas
As considerações anteriores, que partem da situação humana, são sobrepujadas por uma outra muito superior: desde toda a eternidade, ao conceber a obra da criação, teve Deus desejo de comunicar-se ao homem. Desse modo, houvesse ou não pecado original, Ele iria revelar-se a nós. Ao acompanharmos o processo histórico da humanidade desde seu início, admiramos a beleza da Sabedoria divina no fazer-se conhecer de modo paulatino através da Revelação.
Era indispensável, entretanto, transmiti-la sem a menor deturpação ao longo das gerações. Para tal erigiu Deus um magistério infalível: o profetismo. Além do magistério ordinário dos sacerdotes, Deus suscitou profetas que transmitiam as novas revelações e, ao mesmo tempo, conservavam e interpretavam as anteriores: “Muitas vezes e de diversos modos, outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas (Hb 1, 1).
A linhagem dos profetas culminou no aparecimento de João Batista, o maior entre todos. A Sagrada Escritura canta as glórias desses varões que eram infalíveis quando transmitiam suas revelações, conselheiros de grande prudência, que tudo conheciam por meio de visões proféticas, como Elias, Isaías, Jeremias, Daniel, etc.
O profeta, no Antigo Testamento, “era a seta eleita de Deus”, aquela flecha que os reis guerreiros guardavam na sua aljava para matar no combate o monarca inimigo. O programa de vida é muito parecido em todos os profetas: “romper e destruir, edificar e plantar”; como bons viticultores do monte Carmelo que podam e queimam as cepas velhas para tornar possível o fruto do outono. A história dos profetas é a tragédia daqueles homens que “não podem deixar de falar porque a Palavra de Yavé os queima por dentro”, e falam, ainda que terminem sendo proscritos do Povo de Deus. O profeta é um mistério vivo de força divina. Por isso, na hora da prova, o profeta está seguro em Yavé. Sua aventura tem sempre êxito e a fé na sua missão aumenta. (...) Em nossas línguas modernas, o termo ‘profeta’ evoca sobretudo a idéia de um homem que anuncia o futuro. Na linguagem da Bíblia, sem embargo, o profeta é um homem inspirado por Deus que comunica aos homens o pensamento e o querer divinos” (Frei Rafael Maria López Melús, O.Carm., El profeta San Elías).
Eis a alta vocação dos profetas, tão elevada que a Sagrada Escritura os menciona freqüentemente em paralelo com a própria Lei: “A lei e os profetas duraram até João”(Lc 16, 16); “Encorajou-os citando a lei e os profetas”(2 Mc 15, 9).
Eles, ademais, sempre foram os guias do povo de Deus, indicando-lhe sem falha os caminhos do Senhor.
Nosso Senhor estabelece o magistério infalível da Igreja
Ao operar a Redenção do gênero humano, instituiu o Divino Mestre o Magistério infalível da Igreja, para ensinar e interpretar o que oficialmente havia sido revelado.
Nada mais lógico. Se Deus concedeu a seu povo, no Antigo Testamento, o magistério infalível através dos profetas, não iria deixar sua Igreja desamparada.
Aos Apóstolos que escolhera, disse: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 18-20).
A transmissão do Evangelho - ordenada por Jesus e necessária para que os homens conheçam a verdade e alcancem a salvação - passou a fazer-se de duas maneiras: “pelos apóstolos, que na pregação oral, por exemplos e instituições, transmitiram aquelas coisas que, ou receberam das palavras, da convivência e das obras de Cristo, ou aprenderam das sugestões do Espírito Santo”, e “também por aqueles apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, puseram por escrito a mensagem da salvação” (CIC nº 76).
Por sua vez, os apóstolos deixaram aos seus sucessores, os bispos, o encargo do Magistério, de modo que “o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, transmissão esta que se denomina Tradição, distinta da Sagrada Escritura (cf CIC nºs 77 e 78).
Porém, como interpretar de maneira infalível a própria Tradição e até mesmo a Escritura? Como jamais errar em matéria de Fé e de Moral?
Continua nos próximos posts
Em 22 de fevereiro a Igreja comemora a festa da Cátedra do Apóstolo Pedro, a rocha sobre a qual deixou Nosso Senhor Jesus Cristo alicerçada a sua Igreja, e sede infalível da verdade.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Tentações de Jesus Lc 4, 5-8

Dupla tentação: medo e ambição
5 O demônio conduziu-O então a um alto monte, mostrou-Lhe, num momento, todos os reinos da terra, 6 e disse-Lhe: “Dar-Te-ei o poder de tudo isto, e a glória destes reinos, porque eles foram-me dados, e eu dou-os a quem quiser. 7 Portanto, se Tu me adorares, todos eles serão teus”.
As mais variadas hipóteses foram levantadas por alguns autores sobre qual teria sido esse alto monte, com vista para todos os reinos da terra. Para uns teria sido o Tabor, para outros o Nebo ou o Hermon. De qualquer deles, porém, é impossível contemplar os reinos deste mundo.
Mais acertadamente opinam os que optam por afirmar ter-se servido odemônio de suas artes de magia, espelhismo ou fantasmagoria, para fa zer transcorrer diante dos olhos de Jesus “num momento” as maravilhas dos reinos com seus palácios e esplendores; em síntese, todas as belezas das glórias exteriores de nossa terra de exílio.
Na sua inferioridade de anjo decaído, com muita ignorância, julgou haver atraído irresistivelmente Jesus e, por essa razão, propõe-Lhe logo um pecado de idolatria para, assim, entregar-Lhe a posse de tudo. Comentando essa passagem, São Jerônimo bem atribui ao demônio uma linguagem soberba, e sobretudo falsa, pois o espírito maligno não pode prometer nem, menos ainda, conceder rei fanos a ninguém, sem a permissão de Deus (14). Não obstante, ele é senhor dos vícios e dos pecados. Acreditava poder lisonjeá-Lo para açular uma irrefreável ambição ou, então, amedrontá-Lo, revelando-Lhe a poderosa oposição que enfrentaria, se contra Ele se levantassem aqueles reinos, caso não os aceitasse ao preço da idolatria.
Não sofreu, porém, o Divino Redentor a atração da ambição nem o temor do poderio adverso.
Desde o Paraíso terrestre, nós, homens e mulheres, quando sem a graça e a virtude, somos fascinados pelo sonho de ser deuses. Essa é a desastrosa história de boa parte da humanidade. Felizes aqueles e aquelas que respondem a Satanás como o fez Jesus.
A grande tentação da humanidade decaída
8 Jesus respondeu-lhe: “Está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás’”.
Tornar-se o senhor do mundo, possuir todos os bens e todas as riquezas, ainda que deixando de adorar o verdadeiro Deus: eis a tentação diante da qual não poucos sucumbem, em nosso estado de prova; e, às vezes, até por preços muito menores.
Na resposta de Jesus, encontramos o divino exemplo a seguir. Reproduzindo o versículo 13 do capítulo 6 do Deuteronômio, faz um juramento de fidelidade ao Pai: a não ser Ele, ninguém, nem coisa alguma, merece homenagens e muito menos adoração.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Tentações de Jesus continuação

Diabólica exploração das revoluções
4 Jesus respondeu-lhe: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra de Deus’”.
Jesus poderia ter transformado as pedras em pão, como depois multiplicaria por duas vezes os pães e os peixes. Mas não o fez. Nessa ocasião, não terá querido Ele, além de outros objetivos, ensinar-nos a ilegitimidade das revoltas por ter faltado alimento?
Quantas revoluções foram levadas a cabo, ao longo da História, por uma pura, malévola e — por que não dizer? — diabólica exploração da fome! Nas circunstâncias de penúria, por que não se voltam os homens para o mesmo Deus de Moisés, que não deixou sem alimento o seu povo durante quarenta anos no deserto?
Supremacia da vida espiritual sobre a corporal
Em sua resposta repassada de sabedoria divina, Jesus torna patente, ao demônio e à humanidade, a existência de uma vida muito mais nobre do que a corporal, ou seja, a espiritual. “A palavra de Deus” é constituída pelas ordens divinas, por tudo aquilo que reflete sua soberana vontade, como mais tarde Ele mesmo afirmaria: “Meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou” (Jo 4, 34).
É notável a diferença da reação de Jesus diante dessa proposta feita por Satanás, e diante da feita por Maria nas Bodas de Caná: à sua venerável Mãe, Ele atendeu, por saber o quanto era vontade do Pai confirmar o poder impetratório das súplicas de sua Filha bem-amada.
Na frase de Jesus retrucando ao demônio, torna-se claro não ser imprescindível o pão. Deus dispõe incontáveis meios para resolver o problema da fome. Jesus se alimentará como for da vontade do Pai. Se o desígnio d’Este é que a palavra O sustente, qual a necessidade do pão? E se este for indispensável, não tem o Pai o poder de o conceder?

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Tentações de Jesus continuação

Através das pequenas coisas, tenta o demônio as grandes vocações
Ainda dentro dos ensinamentos de São Tomás de Aquino (12), sabemos que os homens entregues às vias da perfeição, o demônio não procura tentá-los diretamente para os pecados mais graves. Sua aproximação inicial é através das imperfeições e faltas leves, até o momento de propor as graves. Essa metodologia, ele a empregou no Paraíso terrestre ao seduzir nossos primeiros pais. Começou esforçando-se por despertar a gula de Eva: “Por que não comeis?...” Depois sua vã curiosidade: “Vossos olhos se abrirão…” Por fim, apresentou-lhe o último grau de orgulho: “Sereis como deuses…”
No caso do presente versículo, serve-se Satanás de uma situação concreta. Depois de quarenta dias em completo jejum, fizeram-se presentes em Jesus as características de Filho do Homem: teve necessidade de repor suas energias, sentiu o ímpeto da fome. De todas as virtudes, uma das mais importantes é a fé. Sem uma direta revelação, assimilada por essa virtude, nenhuma criatura, humana ou angélica, é capaz de admitir a hipótese da união das duas naturezas em Cristo. Por isso o espírito maligno — que não possui a fé — aproxima-se d’Ele a fim de chamar-Lhe a atenção para as pedras do caminho que mais se assemelhavam às formas dos pães da época. Quiçá chegasse a Lhe fazer a proposta tendo nas mãos algumas delas.
Inversão da ordem: um ato revolucionário
Depois de insidiosamente procurar estimular o amor-próprio de sua suposta vítima, quis o demônio fazer Jesus utilizar-Se, com desobediência e abuso, dos poderes divinos, para satisfazer a fome e, assim, ser levado também à gula. Ardilosa a proposta, pois a necessidade era real; e que é o pão senão um alimento dos pobres? Conseguiria o demônio, por essa via, não só levar aquele Homem ao uso indevido do poder de fazer milagres, como, ademais, comprovar a messianidade d’Ele. Se Jesus tivesse caído nessa artimanha, sua natureza divina seria, nessa ocasião, subjugada à humana. No fundo, praticaria um ato revolucionário, ao inverter a verdadeira ordem e grau de importância dos seres, embora, absoluta- mente considerado, não seja nenhuma falta saciar a fome nem mesmo fazer um milagre.
Sobre este particular, ensina-nos o Doutor Angélico:
“Usar do necessário para o sustento não constitui pecado de gula; mas pode pertencer a esse vício o fato de o homem agir de modo desordenado pelo desejo desse sustento. Ora, é desordenado querer obter o alimento por meio de um milagre, quando se pode recorrer a meios humanos para o sustento do corpo. Cristo podia satisfazer sua fome de outra maneira, sem necessidade de um milagre, fazendo como São João Batista (Mt 3, 4), ou mesmo indo a localidades vizinhas. Por isso o demônio pensava que Cristo pecaria se, sendo um homem como os outros, tentasse fazer milagres para aplacar a fome” (13).

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Tentações de Jesus Lc 4, 3

A dúvida do demônio
3 Então o demônio disse-Lhe: “Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se converta em pão”.
Os autores se conjugam no comentário deste versículo, e dentre eles se destaca Suárez (9), afirmando que, ao tentar Jesus, o demônio não visou principalmente fazê-Lo pecar, mas saber ao certo se Ele era ou não o Filho de Deus. Com uma habitual e sintética clareza, São Tomás assim nos explica esse particular: “Como diz Santo Agostinho, ‘Cristo Se fez conhecer dos demônios na medida que Lhe pareceu conveniente, não porque Ele é a vida eterna, mas por certos efeitos temporais de seu poder’, de onde podiam eles conjecturar que Jesus era o Filho de Deus. Mas como viam n’Ele sinais de debilidade humana, não sabiam com certeza que era Filho de Deus; por isso quiseram tentá-Lo. Esse é o sentido das palavras de Mateus (Mt 4, 2-3), quando se diz que, depois que teve fome, o tentador se aproximou d’Ele; pois, como diz Santo Hilário, ‘o demônio não teria ousado tentar Cristo se não tivesse observado n’Ele, pela debilidade da fome, a natureza humana’. Isso é evidente pelo próprio modo de tentar, quando ele fala: ‘Se és o Filho de Deus’. Santo Ambrósio explica tais palavras, dizendo: ‘O que denota essa maneira de se expressar, senão que ele sabia que o Filho de Deus haveria de vir, mas não acreditava que tivesse vindo na fraqueza da carne?’” (10).
Algo devia saber Satanás sobre aquele varão sui generis, o qual, apesar de nascido numa gruta, havia sido louvado por anjos, pastores e reis do Oriente. Pois, se assim não fosse, teria empregado menos sofisticação na elaboração das tentações, como adiante veremos. O fato de o demônio começar pela suposição “se és o Filho de Deus” demonstra sua suspeita, não ainda inteiramente comprovada, de se tratar do Messias prometido, se bem que humano e não divino. E por isso procura seduzi-Lo e fazê-Lo abandonar as vias do Pai.
Como fez o demônio para tentar Jesus
Sobre a maneira de o demônio apresentar a Jesus suas seduções, divergem as opiniões dos autores. Uns poucos chegam a conferir-lhes um caráter meramente simbólico, ou seja, não passaram de invenções dos Evangelistas para ajudar os homens em suas lutas espirituais. Outros, apesar de aceitarem sua existência real, julgam não terem ocorrido senão por pura sugestão interna. Ambas as suposições não nos parecem cabíveis, tanto debaixo do prisma meramente histórico, como do teológico. Entre os que escolhem a via mais segura está Suárez, categórico em admitir a hipótese física para poder tentar Jesus: “Satanás deve ter aparecido usando a figura humana, como o diálogo entre um e outro parece exigir. Talvez com a aparência de um santo varão ou alguma outra que julgasse mais própria para convencer. Não pôde tentar o Senhor a não ser pela palavra, do mesmo modo como fez com Adão, pois ambos careciam de paixões insubordinadas, e não era decoroso que o tentador pudesse atuar na imaginação ou potências internas de Cristo” (11).