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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Evangelho 16º Domingo do Tempo comum - ano B Mc 6, 30-34

Continuação


Convívio fraterno entre os Apóstolos
Ia-se, desse modo, constituindo uma ideal e fraterna comunidade entre os Apóstolos, na qual tudo se transformava em perdão, amor e benevolência. Essa era a real amizade. Num ambiente assim, desfrutase uma felicidade insuperável aqui na terra, preâmbulo da eterna, no Céu, pois em ambas tem-se a Deus como centro.
Claro está que a visão direta de Deus, face a face, será nossa felicidade essencial. Contudo, não devemos desprezar o convívio com os BemAventurados no Céu (5).
Pouco se fala da bem-aventurança acidental no Céu, mas, se Deus a criou, é porque cabe a ela um papel importante. Além da Visão Beatífica, tem-se no Céu o gozo dos bens criados e legítimos que corresponde às nossas temperadas aspirações. É por isso que, na eternidade, existe a auréola dos mártires, dos doutores e das virgens. Estará entre esses gozos o reencontro das verdadeiras amizades e de todo bem feito sobre a terra. E, por fim, a retomada de nossos corpos, em estado glorioso.
Esse reencontro com o Divino Mestre assim é descrito pelo famoso Maldonado:
“Contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado. O verbo fazer é usado pelo Evangelista, de modo absoluto, no sentido de fazer milagres, como também em São Lucas (9, 7 e At 1, 1).
“Havia-lhes ordenado Cristo que ensinassem e confirmassem sua doutrina com os milagres (Mt 10, 1.7-8; Lc 9, 2). De ambas Lhe prestam contas ao regressar, embora não saibamos o motivo. A maior parte dos autores supõe que procederam assim por parecer justo e razoável que dessem conta da missão a Quem os tinha enviado. Exemplo que deve ser seguido pelos pregadores, atribuindo a Cristo aquilo de bom que tiverem obtido em seus sermões, como fazem notar São Jerônimo, Estrabão e Teofilacto. O que é inteiramente real, sendo louvável que o fizessem, como julgamos que de fato fizeram. Mas suponho que o motivo devia ser outro, como é razoável conjecturar. É que eles voltavam dessa missão cheios de alegria e muito animados, vendo que tudo tinha acontecido como desejavam, de modo que, dando glória ao Senhor, relatam a Cristo tudo quanto tinham ensinado e os milagres que tinham feito, como afirma São Lucas que [noutra ocasião] procederam os setenta e dois discípulos (10, 17). Supõe São Beda que não só contaram o que haviam realizado e ensinado, como também o que João tinha sofrido, como se não o soubesse Cristo...” (6).
A solidão
31Ele disse-lhes: “Vinde à parte, a um lugar solitário, e descansai um pouco”. Porque eram muitos os que iam e vinham, e nem tinham tempo para comer.
Eis o outro lado da “moeda” do convívio com Deus: o silêncio, o isolamento, o repouso.
O próprio Jesus, em sua humanidade santíssima, sentia a necessidade disso, para poder gozar da máxima intimidade com Deus, apesar de estar hipostaticamente unido a Ele. Como se não tivessem bastado os trinta anos de sua existência em Nazaré, retirara-se a um completo isolamento de quarenta dias, no deserto, em silêncio, na perspectiva de sua vida pública. E mesmo durante o tempo de sua atuação no meio do povo, freqüentemente refugiava-se no silêncio dos montes. Por fim, antes da Paixão, abraçou o doloroso abandono de três horas no Horto das Oliveiras.
É nesse sentido que nos adverte São João da Cruz: “Uma palavra pronunciou o Pai, que foi seu Filho, e esta fala sempre em eterno silêncio, e em silêncio há de ser ouvida pela alma” (7).


Continua no próximo post

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Evangelho 16º Domingo do Tempo comum - ano B Mc 6, 30-34

Continuação


O convívio
Conforme se lê no versículo 7 deste mesmo capítulo, os Apóstolos haviam sido mandados em missão, dois a dois, a diferentes lugares. Não há informação histórica sobre quanto durou essa separação entre eles, nem mesmo a respeito dos lugares percorridos. Bem se podem imaginar as energias físicas e emocionais que eles empregaram nessa primeira aventura apostólica. Passar da atividade de pescadores para as de exorcistas, taumaturgos e pregadores, sem um longo curso preparatório em alguma academia, deve ter causado um não pequeno desgaste a cada um, sem contar as saudades indizíveis e crescentes que os assaltaram. Teriam eles fixado uma data para o reencontro? Também nada se sabe sobre esse particular. Ele pode ter-se dado até mesmo por força do acaso, mas o certo é que todos coincidiram no momento de “voltar a Jesus”.
Reencontro com o Mestre
30 Tendo os Apóstolos voltado a Jesus, contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
Tratava-se da primeira grande separação. Depois de tanto tempo e de inúmeras aventuras, retornar para junto do Mestre deve ter sido um acontecimento marcante na vida de cada um deles. Apesar de Cristo Jesus viver sob os véus de uma natureza humana padecente e mortal, qualquer ato de admiração e de benquerença em relação a Ele era, no fundo, uma adoração direta a Deus. Ali estava o mesmo Jesus que mais tarde seria o da Ressurreição ou da Ascensão, atuando no interior de seus eleitos, com toda a penetração de sua divindade. Que convívio, neste mundo, poderia ser mais excelente do que esse? O Mestre era o próprio Deus, agindo pela graça em suas almas e, ao mesmo tempo, fazendo uso de sua voz e palavras para instruí-los. Todos os termos por Ele utilizados eram os mais perfeitos e insubstituíveis, numa linguagem elevada, nobre e bíblica, sempre acompanhada de um afeto jamais descritível ou superável. Em nenhum momento deixava o Messias de atraí-los e de conduzi-los ao desejo das coisas celestes.
O clima de cordialidade, amor fraterno e alegria criado por Jesus devia ser paradisíaco. Todos se sentiam à vontade e “contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado”. E não consta, em nada, a presença do maldito vício da vaidade, entre eles. De início, aprenderam a lição: “Sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5). Devia haver muita manifestação de humildade, da parte deles, reconhecendo em Jesus a fonte de todos os triunfos obtidos naquele princípio de evangelização.
Com toda certeza, naquela primeira missão apostólica, um fator teria contribuído para os unir ainda mais entre si, colocando-os em maior dependência de Nosso Senhor: as discussões com os escribas e fariseus. Estes não poderiam ter estado ausentes, pois, objetantes, obstinados e petulantes como sempre, certamente procuraram tornar impossível a atuação dos Apóstolos. Evidentemente, os demônios que iam sendo exorcizados dos possessos somavam suas forças às dos fariseus para combater os discípulos de Jesus. Esse choque de opiniões, métodos e doutrinas ia separando os Apóstolos, pouco a pouco, da mentalidade, espírito e concepções nas quais haviam haurido seu ensinamento religioso desde a infância. Era-lhes necessário percorrer uma via purgativa para expungir do fundo da alma todos os erros ideológicos e desvios teológico-morais incutidos por seus antigos mestres. Ora, a união cresce entre aqueles que têm de enfrentar, em comum, um obstáculo. Sentir o desagrado no relacionamento com os de sua antiga escola robustecia neles o desejo de reencontrar os verdadeiros irmãos e, sobretudo, o Mestre. Quanto mais os discípulos se afervoravam no amor a Jesus, mais se distanciavam de seus companheiros de outrora, e vice-versa.


Continua no próximo post

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Evangelho 16º Domingo do Tempo comum - ano B

 O Evangelho Marcos 6,30-34 será publicado em diversos posts.


1º Post


Solidão e convívio
A maior felicidade nesta terra encontra-se no convívio, quando este é respeitoso, nobre e elevado. No Céu, esse convívio atingirá a perfeição no pleno gozo da Visão Beatífica. Por isso, à primeira vista não é fácil entender os elogios feitos pelos Santos à solidão. Entretanto, o isolamento pode vir a ser abençoado, pois constitui um meio ideal para um excelente relacionamento com Deus. Pode acontecer que na sadia renúncia ao instinto de sociabilidade, por motivos sobrenaturais, seja-nos dado — por uma especial graça e chamado de Deus — um inefável convívio com Ele.
Reações animais no homem – As paixões
Por sermos compostos de corpo e alma, temos algo em comum com os animais, como também com os Anjos. Em nossa imaginação e apetite sensitivo — sobretudo na raiz de nossas paixões ou emoções — somos semelhantes aos animais. Basta estarmos diante de um objeto que nos atraia ou de um outro que nos cause rejeição, para que nossas emoções e paixões nos levem a reagir de forma irracional.
Uma águia, por exemplo, descerá das alturas num vôo picado e certeiro sobre um coelho a correr pela relva. Nesse ato encontra-se um como que amor dela pelo alimento, nascido do instinto de conservação, e do qual podem brotar, por sua vez, a alegria, a ousadia, como também, o ódio aos obstáculos e às contradições, o temor, etc. Nessas tendências e reações podemos notar uma similitude com o mecanismo de nossas paixões.
Nem sempre as paixões são avassaladoras. Entretanto, não é raro acontecer que o sejam. De si, são neutras. Porém, quando orientadas, governadas e disciplinadas pela vontade e pela razão, e estas pela fé, elas se transformam em poderosos meios para operar maravilhas. No extremo oposto — na sua desordem — temos os vícios, tão freqüentes depois do pecado original e, sobretudo, em nossos dias: inveja, ciúmes, mentira, sensualidade, gula, etc.
O amor desregrado às criaturas e a verdadeira felicidade
Em nós, homens, esse sentir se evidencia não só com mais profundidade, mas com uma intensidade incomparavelmente maior: a inteligência, associada à imaginação, concebe um bem universal, e a vontade o anseia ilimitadamente. Santo Agostinho assim descreve esse dilema da natureza humana:
 “Bom é Aquele que me criou. Ele é o meu bem, e eu exulto em sua honra por todos os bens que constituem a minha existência desde a infância. Meu pecado era não procurar n’Ele, e simnas suas criaturas — isto é, em mim mesmo e nos outros —, os prazeres, as honras e a verdade. Eu me precipitava assim na dor, na confusão e no erro” (1) .
De fato, só em Deus encontra o homem a plenitude de sua felicidade. Se erigir uma criatura para O substituir, lançar-se-á em sua busca com sede insaciável. É terribilíssimo esse drama da insatisfação e, entretanto, tão comum. Os animais se saciam fora de Deus, em seu apetite natural. O homem, porém, está sempre concebendo novos e requintados prazeres, procurando-os com desejo infinito. Ouçamos, a esse respeito, São Tomás de Aquino:
“É impossível estar a bem-aventurança do homem em um bem criado. A bem-aventurança é um bem perfeito que aquieta totalmente o desejo, pois não seria o último fim se ficasse algo para desejar. O objeto da vontade, que é o apetite humano, é o bem universal, assim como o objeto do intelecto é a verdade universal. Disto fica claro que nenhuma coisa pode aquietar a vontade do homem senão o bem universal. Mas tal não se encontra em bem criado algum, a não ser só em Deus, porque toda criatura tem bondade participada. Por isso, só Deus pode satisfazer plenamente a vontade humana, segundo o que diz o Salmo 102, 5: ‘que sacia com bens o teu desejo’. Conseqüentemente, só em Deus consiste a bemaventurança do homem” (2).
Essa explicação torna patente aos nossos olhos quanto é inatingível a felicidade plena, para nós, criaturas racionais, se erigirmos um fim último que não seja o próprio Deus. Pois um bem limitado facilmente será reconhecido como tal por nossa inteligência que, em seguida, conceberá outro superior. Assim como também será movida a vontade a desejá-lo. E assim, sucessivamente, até o infinito.
Esse Bem infinito e eterno é que torna gaudioso nosso convívio, ou nossa solidão, pois até mesmo no isolamento, quando sobrenaturalizado, buscamos o relacionamento com Deus, devido à nossa natureza sociável. Afirma o Eclesiastes: “Melhor é, pois, estarem dois juntos do que estar um só, porque têm a vantagem da sua sociedade” (Ecl 4, 9).


Devemos procurar esse Bem infinito em meio às nossas amizades, pois os seres humanos devem ser elementos para melhor conhecermos e amarmos a Deus. Se para tal objetivo concorrem até as criaturas inanimadas, quanto mais os Santos. Foi, aliás, o que se passou no conhecido episódio do encontro de três santos num convento em Roma:
“Quando um dia São Francisco de Assis, Santo Ângelo e São Domingos de Gusmão encontraram-se frente a frente, na cela deste último, no Convento de Santa Sabina, em Roma, puseram-se os três de joelhos, cada um admirando as virtudes e vocações dos outros dois. Na capela existente atualmente, nesse local, uma inscrição comemora o histórico acontecimento.” (4)
Infelizmente, nos dias atuais, o convívio entre os homens se realiza cada vez mais com base no puro egoísmo, fato este que torna difícil degustar a cena do reencontro dos Apóstolos com o Divino Mestre. Marcos, que tanto aprendera na proximidade de Pedro, procura sintetizar essa felicidade de situação com estas simples palavras: “Tendo os Apóstolos voltado a Jesus...”