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sábado, 29 de setembro de 2012

Admirar, eis a solução de incontáveis problemas

O egoísmo nos traz a amargura e a infelicidade. Como Zaqueu, subamos com coragem e sem respeito humano a “árvore da admiração” a tudo o que é verdadeiro, bom e belo, e teremos a alegria de receber Jesus em nossa alma.

O homem tem necessidade de admirar

O final do século XIX acompanhou assombrado o ingente esforço de uma menina norte-americana que marcaria a História. Acometida de grave doença aos 18 meses de idade, Helen Adams Keller (1880-1968) perdeu completamente a visão e a audição. Ficou, assim, reduzida a um triste isolamento, sem possibilidade de conhecer o exterior, a não ser pelo tato, olfato e paladar.
Essa trágica e silenciosa noite de sua mente poderia ter se perpetuado por toda a vida, se não fosse o providencial encontro com uma genial educadora, Anne Mansfield Sullivan, que conseguiu ensinar-lhe a linguagem das mãos, o alfabeto braile e, por fim, a falar fluentemente.
Depois de indizíveis dificuldades, Helen chegou a dominar o francês e o alemão, com boa pronúncia. Cursou faculdade, percorreu o mundo dando palestras e escreveu livros. Anos a fio, ela desenvolveu um quase inacreditável labor, impelida pela ânsia de se relacionar com os outros, movimento natural de todo ser humano, dotado de instinto de sociabilidade.
Ora, assim como pelo heliotropismo as plantas crescem à procura da luz, também as almas necessitam abrir-se à contemplação das criaturas para, a partir delas, subir até o Criador. Não foi diferente com Helen Keller, a qual crivava a sua mestra com perguntas como estas: O que faz o sol ser quente? Onde estava eu antes de vir para minha mãe? Os passarinhos e os pintos saem do ovo: de onde vem o ovo? Quem fez Deus? Onde está Deus? A senhora já viu Deus?1
Estas são questões que revelam como a alma aspira inelutavelmente chegar à Causa Primeira de tudo, a partir das causas segundas. Pois há em nós uma inata tendência para Deus — que, por analogia, poderíamos chamar de teotropismo — a qual nos leva a fazer correlações, transcendendo da escala natural à sobrenatural. Nesse sentido, ensina São Tomás: “permanece no homem, ao conhecer o efeito, o desejo de saber que este efeito tem uma causa e de saber o que é a causa. Esse desejo é de admiração e causa a inquirição”.2
Ora, como tudo quanto há no universo espelha em alguma medida o Criador, o movimento ordenado da alma é deixar-se atrair pelos reflexos de verdade, beleza e bem, presentes nas criaturas.
Assim, todos devemos procurar tornar nossa alma muito propensa à admiração, de forma a, deparando-nos com algo que é elevado, santo, nobre ou simplesmente reto, nos encantarmos e remontarmos à Causa suprema. E, com toda a evidência, essa admiração cabe, sobretudo, em relação ao Homem-Deus, à sua Mãe Santíssima e à Santa Igreja.
1 Cf. KELLER, Helen Adams. A história de minha vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940, p.248-249.
2 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I- -II, q.3, a.8, resp. Ver também q.32, a.8, resp.: “A admiração é um certo desejo de saber, que surge no homem porque vê o efeito e ignora a causa; ou porque a causa de certo efeito excede o conhecimento ou a potência de conhecer”.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Comentário Evangelho Lc 14, 33

Amarras e lastros na vida espiritual
Em consequência do pecado, costuma haver amarras que prendem as nossas almas à terra e lastros que dificultam seu itinerário rumo à perfeição
33 Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser Meu discípulo!’” Lc 14, 33

Em junho de 1783, os irmãos Joseph-Michel e Jacques-Étienne Montgolfier, filhos de um fabricante de papel de Lyon, conseguiram fazer voar, perante os assombrados olhos dos seus conterrâneos, um grande balão feito de linho, com 32 metros de circunferência. Cheio de ar quente fornecido pela combustão de palha seca, a aparatosa invenção elevou-se várias centenas de metros acima do solo e percorreu em dez minutos uma distância de dois a três quilômetros. Três meses depois, repetiram com êxito sua experiência no Parque de Versalhes, diante de Luís XVI, Maria Antonieta e toda a corte da França.
Desde então, foi muito aperfeiçoada a técnica de fabricação dos aeróstatos, mas o princípio de seu funcionamento — baseado numa das mais elementares leis da Física — continua inalterado: sendo mais leve, o ar quente tende a subir. Enquanto está sendo enchido de ar, o balão fica preso ao solo por amarras. Em certo momento, são elas soltas e o engenho inicia sua ascensão, sendo então preciso ir liberando lastros gradativamente para ele poder atingir uma altura maior.
Esta é uma bela imagem da elevação das almas a Deus. “Aquecidas” pela prática das virtudes, especialmente da caridade, iniciam elas a subida espiritual e começam a “voar”. Costuma haver, porém, em consequência do pecado, amarras que as prendem à terra e lastros que dificultam seu itinerário rumo à perfeição. É imperioso, portanto, cortar aquelas e alijar estes, para o espírito humano poder elevar-se ao transcendente e ao eterno. À semelhança de nosso corpo, padecem as almas dos danosos efeitos de uma espécie de lei da gravidade espiritual por onde nos sentimos atraídos para o mais baixo, o mais trivial, o que nos exige menos esforço.
Até para as pessoas consagradas existem amarras e lastros, por vezes mais difíceis de soltar do que os dos simples fiéis. Se os religiosos não corresponderem ao convite da graça para viver num patamar mais elevado, poderão sentir uma como que vertigem por onde tenderão a se apegar com especial veemência ao que é terreno.
Para ajudar a vencer esses entraves nas instituições religiosas, tem o Espírito Santo suscitado, ao longo dos tempos, as mais diversas formas de espiritualidade que intensificam o desapego dos bens passageiros. Algumas nos causam espanto por sua radicalidade. Por exemplo, a Ordem dos Clérigos Regulares Teatinos vive de esmolas, como tantas outras, mas seus membros não podem pedi-las: devem esperar que elas lhes sejam oferecidas espontaneamente!1
Em vista dessa nossa má tendência, Cristo nos ensina serem indispensáveis a renúncia e a abnegação, para sermos verdadeiros discípulos Seus.


1 CONSTITUIÇÕES, art.26:
“Nós, clérigos, devemos viver do Altar e do Evangelho, e de quanto nos oferecerem espontaneamente os fiéis, sem pedir esmola alguma aos seculares, nem diretamente nem por intermédio de outrem. Toda a nossa esperança deve estar posta na palavra de Cristo Senhor, que diz: ‘Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a Sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo’”.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

“Tu me conduzirás à terra da retidão” Salmo 142

Comentários sobre o Salmo 142

Após exprimir seu veemente desejo de andar nos caminhos do Senhor, de conformar suas cogitações e vias com as vias e cogitações de Deus, o Salmista pensa naquilo e naqueles que podem impedi-lo  de alcançar a almejada união com o Criador. Então diz:
Livra-me dos meus inimigos, Senhor; junto de Ti me refugio...
Refere-se ele aos seus inimigos terrenos, em particular os que o perseguem por amor à justiça. São seus adversários, não porque o odeiam pessoalmente, mas por detestarem a Deus, a quem ele ama. Sobre aquele que é perseguido pelo fato de amar a justiça desce uma misericórdia especial.
Inteira submissão à vontade de Deus
...Ensina-me a fazer a tua vontade, porque Tu és o meu Deus.
O caminho de Deus é um símbolo para exprimir a vontade do Altíssimo, que o Salmista quer cumprir. O significado mais  profundo  de  suas  palavras  é  este: “Creio em Ti e te amo de todo o coração; adoro-te e me dou inteiramente a Ti. Se teu caminho for árduo e, ao longo dele, eu mesmo deva sofrer uma verdadeira crucifixão, se me deres graças e forças para tanto, quero padecê-la. Mas, se for marcado por uma benignidade especial, então eu a desejo. Serei como Jó: se todas as pragas da Terra caírem sobre mim,  ou vierem dias em que me cumulares de felicidade, desejarei umas e outra . Porém, não almejo as pragas pelas pragas, nem a felicidade por causa da felicidade. Eu quero apenas a Ti, ó meu Deus!”
A terra da retidão
O teu bom espírito me conduzirá à terra da retidão. Por causa do teu nome, Senhor, me darás a vida segundo a tua justiça.
Esta é uma linda metáfora: “terra da retidão”! Ou seja, Deus conduzirá o Salmista para o local onde se é reto.
O conceito enunciado neste versículo pode ser aplicado a várias situações históricas. Por exemplo, em nossa época, quando vivemos num mundo onde muitos homens a cada dia se distanciam mais da virtude, ansiamos por sair desse estado e chegar àquela terra da retidão que será o Reino de Maria. Desejamos alcançá-la, não porque nos trará benefícios particulares, e sim porque veremos nela a merecida glorificação da Mãe de Deus na História. Essa é nossa atitude de alma, pois queremos trilhar o caminho do Senhor . E percorrê-lo, pensando no seu termo: a contemplação do Criador, face a face, no  Céu. A eterna bem-aventurança: para lá Deus leva o homem justo.
Nunca esmorecer nas vias da perfeição
Afirma o Rei David:
Tirarás a minha alma da tribulação, e pela tua misericórdia dissiparás todos os meus inimigos.
Para não abandonarmos o método das analogias, consideremos que, ao longo de nossa vida, Maria Santíssima pode permitir que passemos por grandes provações e nos  sintamos exaustos. Nessa hora, dois caminhos se apresentarão diante de nós. Um, o do poltrão, que diz: “Minha Mãe, não aguento mais, tirai-me da luta!”. O outro, do herói, que reza: “Minha Mãe, eu desfaleço, mas desejo lutar ainda mais; dai-me forças!”
De acordo com as inspirações do Divino Espírito Santo, a ação da graça em nossa alma, de um lado, e as de nossas más tendências, de outro, somos inclinados à primeira ou à segunda atitude. Nesses momentos, cada um de nós, olhando para dentro  de si  mesmo,  deve  pensar:  “Estou  lutando  pela  causa  da  Santíssima  Virgem,  quero ser justo. Quantas vezes Ela renovou  em  mim  as  forças  que  esmoreciam!  E sempre que Ela me fortaleceu, fui  capaz de me reerguer . Agora não será diferente.”
E, voltando-se para Nossa Senhora, implorar: “Estou mergulhado na tribulação. Mas Vós, ó Mãe, me tirareis dessa situação e dissipareis meus inimigos que não  consigo vencer. A Vós, também, estendo minha mão!”
Esperança na renovação de todas as coisas
E destruirás todos os que atormentam a minha alma, porque eu sou teu servo.
Tão  intensa  é  a  beleza deste versículo final, que ela nos tolhe os comentários . . . Digamos apenas, na linha das aplicações, que nos  é dado esperar uma especial proteção de Nossa Senhora no sentido de que Ela remova do nosso caminho rumo ao Céu tudo que nos atormenta, nos atribula, nos impede de correspondermos plenamente aos desígnios de  Deus sobre nós.
Digamos, outrossim, que ainda nesta Terra, a Virgem  Santíssima terá servos bons e fiéis com os quais renovará todas as coisas, implantando o Reino de Maria. E  desse modo veremos confirmada, uma vez mais, a promessa divina de que as portas do inferno jamais prevalecerão contra a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.*

*Plinio Correa de Oliveira ( Revista Dr Plinio)