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sábado, 24 de agosto de 2013

Evangelho XXII Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013

 Lc 14, 1.7-14 – Comentário ao Evangelho 22º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 
Delírio farisaico pelos primeiros lugares
7 “Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares”.
Naqueles banquetes dispunham-se as mesas em forma de “u”, para facilitar o serviço, acomodando-se os comensais ao longo da parte externa. O principal lugar, bem ao centro, estava reservado para a autoridade ou a pessoa a quem se desejava homenagear. À sua direita sentava-se o anfitrião, à sua esquerda, o primeiro dos convidados e assim iam se instalando os convivas, por ordem decrescente de importância, até os extremos da mesa.
Naturalmente, nenhum escriba ou fariseu queria ocupar esses últimos lugares; pelo contrário, disputavam sem inibição e com avidez os postos de honra. Os problemas de precedência eram tão vivos entre eles que Nosso Senhor chegara a recriminá-los publicamente por esse defeito: “Ai de vós, fariseus, que gostais das primeiras cadeiras nas sinagogas e das saudações nas praças públicas!” (Lc 11, 43).
Para ilustrar a exacerbada ânsia de prestígio que os dominava, Fillion relata um curioso episódio, extraído do próprio Talmud: “Certo dia, o rei asmoneu Alexandre Janeu dava um banquete a vários sátrapas persas, e entre os convidados estava o rabino Simeão ben Shetach. Logo que entrou no salão, foi ele sentar-se no lugar de honra, entre o rei e a rainha. Ao ser repreendido por essa arrogante intrusão, respondeu de pronto: ‘Não está escrito no livro de Sirac: Honra a sabedoria e ela te honrará’? Chegava a este ponto o enfatuamento dos doutores israelitas naquela época!”.4
Ora, sendo os convidados desse banquete membros da seita dos fariseus, chegando, começavam logo a manobrar para ficar o mais próximo possível do anfitrião, a fim de satisfazer seu incontido orgulho. Tomados pelo delírio de aparecer, disputavam entre si a precedência, sem o mínimo recato, alegando cada qual em seu favor critérios como idade, relevância da sua linhagem ou a própria sabedoria, como acima vimos. Pouco se preocupavam em ouvir algum ensinamento ou admirar a quem quer que fosse; o único critério que lhes interessava era serem objeto dos elogios e da consideração dos presentes.
Assim ofuscados pelo egoísmo, passara-lhes despercebida na sala do banquete a presença de Alguém que, enquanto homem, era de estirpe real, descendente de Davi; e, enquanto Deus, era o Criador do Céu, da Terra, do alimento que ia ser servido e até dos próprios comensais.
Cristo, entretanto, senta-Se despretensiosamente à mesa, sem exigir em nenhum momento uma manifestação do respeito devido à Sua Pessoa.
Modo delicado de repreender
7b “Então contou-lhes uma parábola: 8a “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento…”
Talvez tenha de fato ocorrido, nesse banquete, uma cena semelhante à descrita pouco adiante na parábola, motivo pelo qual Jesus preferiu falar em tese, fazendo referência a uma hipotética festa de casamento; dessa forma, evitava constrangimentos para os demais convidados. Assim opina o Cardeal Gomá, o qual qualifica de “delicada maneira de repreender os fariseus” o uso desse recurso literário.5
Segundo Santo Ambrósio, o Salvador os admoesta “com doçura, para que a força da persuasão conseguisse suavizar a aspereza da correção, e objetivando também que a razão ajudasse a persuasão, e a advertência corrigisse o orgulho”.6 Analisando sob outro prisma o fato, observa Fillion: “Jesus imagina de propósito a cena numa festa de bodas porque em tais circunstâncias, nas classes abastadas, observa-se mais rigorosamente a etiqueta”.7 E o padre Tuya acrescenta: “O banquete de casamento ao qual Jesus faz menção é o Reino Messiânico [...]. Ali, os primeiros lugares estão reservados para os que foram mais humildes”.8
“Quem se eleva será humilhado”
8b“...não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, 9 e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar”.
Para realçar os inconvenientes do orgulho, Nosso Senhor começa por mostrar aos fariseus o quanto a ânsia de ocupar os primeiros postos era-lhes contraproducente, mesmo do ponto de vista meramente natural. Porque, conforme ensina São Cirilo de Alexandria, “o elevar-se prontamente a honras que não merecemos, denota que somos temerários e torna nossas ações dignas de vitupério”.9
Melhor entenderemos esta parábola se considerarmos que não vigoravam ainda no convívio social os princípios de cortesia introduzidos pela benéfica influência do Cristianismo. Naquela época, a ausência de bondade fazia-se sentir nas relações humanas, regidas pelos princípios da Lei de Talião: “Olho por olho, dente por dente”. E o trato entre os homens era, portanto, marcado pelo egoísmo e a dureza, buscando cada um apenas seus próprios interesses.

Se o convidado da parábola tivesse, por precaução, escolhido o último lugar, teria sido honrado pelo anfitrião. Entretanto, a procura imprudente da vanglória, acarretou-lhe ser publicamente humilhado. Aliás, neste sentido, é interessante notar, com o Cardeal Gomá, “o contraste entre aquele que baixa, coberto de confusão, e o que sobe, cheio de honra; e entre as duras palavras ditas ao primeiro e as suaves com as quais o segundo é convidado a ocupar um lugar melhor”.10
Continua no próximo post

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Evangelho XXII Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013

 Lc 14, 1.7-14 – Comentário ao Evangelho 22º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 
“Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles O observavam. 7 Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares. Então contou-lhes uma parábola: 8 ‘Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, 9 e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar. 10
Mas quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados. 11 Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado’. 12
E disse também a quem O tinha convidado: ‘Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa. 13 Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. 14 Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos’” (Lc 14, 1.7-14).
Antídoto para a vanglória?
Repetidas vezes nos alerta o Divino Mestre contra o orgulho, de cujos efeitos todos padecemos, infelizmente. Como combatê-lo com eficácia? No que consiste a verdadeira humildade? Muitos, por equívoco, a confundem com mediocridade.
Choque entre dois modos de ser
Nesta terra de exílio, um dos melhores modos de nos comunicarmos com Deus e termos, assim, algum antegozo da visão beatífica é contemplar os símbolos do Criador postos no universo, pois “as perfeições invisíveis de Deus, o Seu sempiterno poder e divindade, tornam-se visíveis à inteligência, por suas obras” (Rm 1, 20). Ou seja, desde que queiramos, é-nos dado discernir o Invisível no visível, o Infinito no finito, o Criador nas criaturas.
“Eis o Cordeiro de Deus”
Por isso, a Divina Providência dispôs na natureza uma abundância de símbolos de grande expressão, alguns dos quais foram aplicados ao próprio Filho de Deus, a fim de melhor O conhecermos e mais O amarmos. Ele mesmo Se apresenta como a videira cujos ramos produzem muito fruto (cf. Jo 15, 1-5), ou como o Bom Pastor, que dá a vida por Suas ovelhas (cf. Jo 10, 11-16). Também é o Messias chamado de Leão da tribo de Judá (Ap 5, 5), e como tal Se manifesta ao repreender com severidade os fariseus (cf. Mt 23, 13-33), e ao “expulsar os que no templo vendiam e compravam” (Mc 11, 15).
Entretanto, ao longo de Sua vida e, sobretudo, na hora suprema de Sua Paixão e Morte, foi Jesus predominantemente o Divino Cordeiro. Não sem razão, durante a Celebração Eucarística, memorial do Sacrifício do Calvário, o sacerdote apresenta aos fiéis a Hóstia consagrada, antes da Comunhão, dizendo: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Dentre os inúmeros símbolos de Nosso Senhor Jesus Cristo, escolheu a Santa Igreja esse como sendo o mais significativo para tão sagrado momento.
Humildade e mansidão
A liturgia, ora comentada, põe em realce esse aspecto da Alma de Nosso Senhor, e a aclamação do Evangelho nos convida a imitá-Lo: “Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração” (cf. Mt 11, 29).
Na verdade, Ele é muito mais do que isso, pois essas virtudes, que o homem luta por praticar, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade as possui em essência: Jesus é a humildade e a mansidão.
Quem é verdadeiramente humilde, é também manso, tem flexibilidade de espírito, está disposto a servir ou a obedecer a seu irmão, preocupa-se mais com os outros do que consigo mesmo, aceita qualquer humilhação ou ofensa com alegria, e quando nota um defeito na atitude de outro, reza por ele e procura não deixar transparecer o que percebeu. Pratica, assim, uma elevada e nobre forma de caridade para com o próximo.
Em sentido contrário, o orgulhoso gosta de assumir posição de superioridade, tende a desprezar os demais e deixa-se levar pela inveja, quando percebe uma qualidade nos outros. Com seu temperamento difícil e implicante, acaba tornando-se uma pessoa de convívio problemático, evitada por todos.
Tal era o caso dos fariseus do Evangelho que comentamos. Presunçosos cumpridores de incontáveis preceitos formais, utilizavam-se da Antiga Lei para se sobressair e ocupar os primeiros lugares na sociedade. Entre eles e o resto do povo havia um verdadeiro abismo, todo feito de discriminação e desdém.
“Quem Se humilha, Será elevado”
Num sábado anterior ao episódio referido neste trecho do Evangelho, ou talvez nesse mesmo dia, Nosso Senhor restituíra a saúde a uma mulher que “andava curvada e não podia absolutamente erguer-se” (Lc 13, 11) havia dezoito anos. Essa cura produzira entre os fariseus verdadeira celeuma, pois, na concepção deles, teria Jesus desprezado a Lei, violando o repouso sabático.
Mas o Divino Mestre deu-lhes uma resposta que os encheu de confusão: “Hipócritas! Não desamarra cada um de vós no sábado o seu boi ou seu jumento da manjedoura, para levá-los a beber?” (Lc 13, 15). O povo, ao contrário, se entusiasmava à vista dos milagres por Ele realizados (cf. Lc 13, 17).
Crescia, em consequência, em toda a Palestina, o prestígio de Jesus de Nazaré, e muitos O consideravam um grande profeta, surgido afinal depois de quatrocentos anos de silêncio do Céu.
Convite mal-intencionado

1“Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles O observavam”.
Este Evangelho nos apresenta Nosso Senhor indo almoçar na casa de um dos chefes dos fariseus, certamente a pedido deste. Honroso na aparência, o convite fora feito, porém, com o objetivo de poder analisá-Lo mais de perto para preparar-Lhe uma cilada. “Eles O espreitavam insidiosamente, na esperança de encontrar algo de repreensível em Sua palavra ou em Seu procedimento: convidam-No como quem quer prestar honras, e O espionam como a um inimigo” 1, nota o Cardeal Gomá.
Bem diversa era a atitude do Cordeiro de Deus: aceitou o convite, movido pelo desejo de fazer-lhes bem. Conhecia desde toda a eternidade a cena que lá ia se desenrolar e ansiava por chegar o momento em que pudesse indicar a essas almas, cegas pelo orgulho, o verdadeiro caminho para o Reino dos Céus.2 Como assinala o padre Duquesne, “Jesus teve a terna complacência de comparecer, com intenção de aproveitar a oportunidade para edificar, instruir, convencer e, se possível, conquistar para a verdade aqueles com os quais iria comer”.3
Delírio farisaico pelos primeiros lugares

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Evangelho XXI Domingo do Tempo Comum – Lc 13, 22-30 - Ano C - 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho 21º Domingo do Tempo Comum -  Lc 13, 22-30– Ano C - 2013
A pena dos sentidos
Ao cometer um pecado grave, a alma manifesta uma aversão a Deus e um apego à criatura. À primeira cabe a pena do dano e à segunda, a dos sentidos.
Consideremos de início o menor dos sofrimentos: a pena dos sentidos.
Difícil é compreender a natureza de um fogo que não necessita de combustível. Fogo “inteligente”, que atinge não só a matéria – sem consumi-la – mas também os próprios espíritos, anjos e almas. Ademais, trata-se de um fogo cuja ação aprisiona, coarcta e mantém as almas, a contra-gosto, num lugar específico. Segundo nos comenta o Pe. Antonio Royo Marin, os horrores que alguém poderia enfrentar num calabouço escuro, sem poder mover-se, seriam nada em comparação com o encontrar- se prisioneiro perpétuo de uma criatura inferior, o fogo, que o tiraniza numa asfixiante e intérmina imobilidade.
Será físico o pranto dos condenados? São Tomás comenta ser analógica a afirmação contida neste versículo, a respeito do “choro”. Afirma ele que, após a ressurreição dos corpos, não poderão os condenados exteriorizar suas dores através das lágrimas, pois os ressuscitados não produzirão nenhum tipo de humor.
Pena do dano
O fato de faltar ao homem a agilidade de um felino – o gato por exemplo – ou a força de um leão, não significa uma privação mas sim uma simples carência, pois não é próprio à nossa natureza possuir essas qualidades. Contudo, o ser paraplégico ou cego, faz-nos sofrer uma verdadeira privação. Ora, fomos criados para Deus, por isso temos sede da felicidade infinita de vê-Lo e amá-Lo tal qual Ele é. E a privação eterna desse gozo, na condição de “expulsos para fora”, constitui o maior de todos os tormentos.
Acrescente-se a isso a exclusão da presença de todos os Anjos e Santos, em especial de Jesus e de Maria, além da perda dos bens sobrenaturais (graças, virtudes e dons) e da glorificação do próprio corpo. O ver nossos conhecidos de outrora na plenitude da felicidade, enquanto nós ardemos de indignação no “choro e ranger de dentes”, aumentará ainda mais um castigo, de si, inimaginável.
Ademais, se todas essas angústias fossem passageiras... Não! Serão eternas, ou seja, não terão fim.
29 Virão muitos do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e se sentarão à mesa do Reino de Deus.
Será também terrível para um precito ver aqueles que viveram em sucessivas e posteriores épocas históricas ingressando no Reino dos Céus, enquanto ele é expulso de Deus para viver, eternamente imóvel, nas chamas do inferno.
MARIA, PORTA DO CÉU
30 Então haverá últimos que serão os primeiros, e primeiros que serão os últimos
Surpreendente será essa inversão de valores, por isso, não devemos jamais nos sentir seguros devido às nossas qualidades, nem pelas graças recebidas, menos ainda pela riqueza que possa estar em nossas mãos. É necessário servir a Deus com ardor e entusiasmo, entrando “pela porta estreita” que bem poderá ser Maria Santíssima.
Não é sem razão que a Ela foi dado o título de Porta do Céu. Estreita porque exige de nós uma confiança robusta em sua proteção maternal. Invoquemo-La em todas as tentações e dificuldades, a fim de comprovarmos a irrefutável realidade de quanto “jamais se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à sua proteção maternal, implorado sua assistência, reclamado o seu socorro fosse por Ela desamparado”. E, ao chegarmos ao Céu, rendamos eternas graças aos méritos infinitos de Jesus e às poderosas súplicas de Maria.
1 ) Pe. J. M. LAGRANGE, El Evangelio de Nuestro Señor Jesucristo, Barcelona, 1933, p. 289.
2 ) Denzinger, 211
3 ) Fr. Antonio Royo Marín, Teología de la salvación, BAC, Madrid, 1997, p. 117
4 ) Suma Teológica I, q 23, a.7
5 ) S. Basílio: in Psalm. 1.
6 ) Ver: Jdt 16, 17; Ecli 7, 18- 19; Is 33, 14; Dan 12, 2; Mt 13, 49-50; Mt 25, 41-46; etc. Ver tb. CIC, nº 1.035.
7 ) Fr. Antonio Royo Marín, op. cit., p. 304.
8 ) Op. Cit.

9 ) Cf. S. Tomás, Suma Teológica, Suppl., 97,3

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Evangelho XXI Domingo do Tempo Comum – Lc 13, 22-30 - Ano C - 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho 21º Domingo do Tempo Comum -  Lc 13, 22-30– Ano C - 2013
Juízo Final - Portal Notre Dame

26 Então começareis a dizer: Comemos e bebemos em tua presença, tu ensinaste nas nossas praças.
É bem verdade. Quantas vezes nós nos aproximamos da mesa da Comunhão e nos beneficiamos dos demais Sacramentos, ouvimos boas pregações sobre o Evangelho, além dos conselhos em particular, no seio da Igreja fundada pelo Redentor. Porém, que proveito tiramos de todos esses privilégios? Eles nos são dados para melhor cumprirmos os Mandamentos. Insensatos são aqueles que se entregam a uma vida de pecado até a hora da morte, arriscando- se a ouvir dos lábios de Jesus a sentença irrevogável de eterna reprovação. Só então entenderão as palavras do Divino Mestre: “Pois, que aproveitará a um homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16, 26).
27 Ele vos dirá: Não sei donde sois; afastai-vos de mim vós todos os que praticais a iniquidade.
Esta resposta contém duas afirmações:
1. “Não sei donde sois...”Não devemos imaginar que somente serão objeto da rejeição de Jesus os não-batizados. Também a nós, batizados, poderá ser ela aplicada se não cumprirmos nossos deveres. Neste caso, Jesus se dirigirá a nós de maneira ainda mais explícita: “Eu vos arranquei das trevas do pecado e vos redimi às custas de meu próprio sangue, elevando-vos à dignidade de filhos da Igreja. Mas vós quisestes as vias do orgulho e, seguindo o conselho de Satanás, obedecer à lei do mundo e entregar-vos às paixões. Não ouvistes a voz da graça e a de meus Ministros”...
2. “... afastai-vos de mim vós todos que praticais a iniquidade”. Ser repelido por Deus é o mais terrível dos tormentos eternos, segundo nos ensina a Teologia. Nós somos criados com vistas à felicidade eterna, ou seja, a conhecer a Deus face a face e amá-Lo como Ele mesmo se ama – sempre guardadas as devidas proporções. Nossa alma tem sede desse convívio com Deus e só n’Ele repousaremos. Ora, o vermo-nos expulsos por Aquele que é a única Causa de nossa alegria, significaria para nós um tormento sem comparação. Que terrível palavra: “Afastai-vos de mim...”
Porta do céu
28 Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac, Jacob, e todos os profetas no Reino de Deus, e vós serdes expulsos para fora.
Devido à nossa sensibilidade física reforçada pelo instinto de conservação, somos levados a julgar o fogo do Inferno o pior dos tormentos. Na realidade, possui ele uma intensidade fortíssima, a ponto de tornar desprezível qualquer forno de alta combustão na face da terra e, portanto, sua capacidade de infligir sofrimentos é incalculável. Porém, a maior dor se encontra apontada nas últimas palavras do versículo 28: “... serdes expulsos para fora”.
Que o Inferno existe, as Escrituras e o Infalível Magistério da Igreja proclamam como verdade revelada.
A Teologia busca razões claras para ajudar-nos na aceitação fácil desse indispensável dogma de Fé, como explica Pablo Buyse, em sua obra Dios, el alma y la religión: “Focalizemos, por exemplo, o seguinte caso, por desgraça muito frequente na vida passional. Um homem pretende seduzir uma angelical jovem. Ao resistir esta, profere uma ameaça. Em vão. A lâmina de um punhal ameaça o peito da jovem. Não cede apesar de tudo. O grito de raiva do malévolo se confunde com o grito de dor da vítima, que cai agonizante. O sedutor, desesperado, crava em seu próprio peito o punhal banhado ainda no sangue de sua vítima. Vede aí, um ao lado do outro, dois cadáveres: o do verdugo e o de uma mártir. Pode Deus confundi-los num mesmo destino? Não, mil vezes não. É preciso que esse criminoso seja castigado na outra vida e se premie para sempre essa virtude”