-->

sábado, 12 de outubro de 2013

Evangelho XIX Domingo Tempo Comum - Ano C - 2013

 Evangelho 29º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 (Lc, 18, 1-8)

1Disse-lhes também uma parábola, para mostrar que importa orar sempre e não cessar de o fazer: 2 “Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. 3 Havia também na mesma cidade uma viúva, que ia ter com ele, dizendo: Faze-me justiça contra o meu adversário. 4 Ele, durante muito tempo não a quis atender. Mas, depois disse consigo: Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os homens, 5 todavia, visto que esta viúva me importuna, farlhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar-me.”
6 Então o Senhor acrescentou: “Ouvi o que diz este juiz iníquo. 7 E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, e tardará em socorrê-los? 8 Digo-vos que depressa lhes fará justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, porventura encontrará fé sobre a terra?” (Lc 18, 1-8)
 
Comentário ao Evangelho 29º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 (Lc, 18, 1-8)
Mons João Clá Dias

 Com divina didática, Jesus contrapõe à iniquidade de um juiz a obstinada insistência da fragilidade feminina, para nos mostrar a necessidade de sermos incessantes na oração.
A alma humana tem sede do infinito. Por Deus, assim fomos criados e essa é a razão de vivermos em contínua busca da felicidade total, sem dores nem obstáculos, num relacionamento social perfeito e harmonioso. A apetência do ilimitado marca profundamente todas as nossas ações. Esta é, aliás, a principal causa do sentimentalismo romântico e de tantos outros desequilíbrios do convívio humano, no qual buscamos satisfazer entre puras criaturas esse anseio de infinito só saciável por Deus.
O querer obter, a qualquer preço ou esforço, algum bem necessário, ou livrar-se de um incômodo insuportável, não poucas vezes vem penetrado por essa aspiração de plenitude. A viúva implora sem cessar, o juiz usa de subterfúgios e evasivas para dela escapar. Por fim vence a insistência da fragilidade sobre um duro coração amante do bem-estar.
Analisemos a parábola em seus detalhes para, ao final, aproveitarmos as conclusões daí provenientes.

O juiz iníquo

Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens.
De que juiz se trata e qual a cidade em que ele vivia? Não se sabe. A descrição começa como se fosse um conto para crianças: “Havia em certa cidade...” O episódio é propositadamente anônimo. O Divino Mestre deseja com esse procedimento, fixar a atenção de seus ouvintes nos aspectos morais e psicológicos da parábola e por isso apresenta-a desprovida de seus eventuais dados históricos.
O juiz era sem dúvida um judeu de raça e religião, caso contrário, Jesus o caracterizaria como sendo um homem que não acreditava no Deus Verdadeiro.
Na realidade, em seu modo de agir ele representa uma clara personificação do ateísmo prático já comum naqueles tempos, se bem que não tão difuso como nos dias atuais. Provavelmente ele praticava a religião com exclusão do Primeiro Mandamento da Lei de Deus. Era, portanto, um mau judeu.
Ora, devendo ser Deus o centro de nossos pensamentos, desejos e ações, ao ignorá-Lo, ou d’Ele se afastar, as próprias relações humanas se tornam defectivas e viciadas, ou seja, deterioram- se todos os princípios do saudável respeito.
Nesse juiz, vê-se retratado um dos grandes males de nossos tempos: o desaparecimento da douceur de vivre, da benquerença e da admiração no trato social, seja entre iguais, ou entre inferiores e superiores. Ao se considerar o único ponto de referência para atender a seus semelhantes, pouco lhe importam estas ou aquelas qualidades dos mesmos. Ele se move de acordo com a volubilidade do sopro de seus caprichos e não se inclina a dar ouvidos aos respectivos pleiteantes, pois lhe falta o necessário estímulo para conduzir a bom termo suas causas. O egoísmo é sua lei.

A viúva importuna

3 Havia também na mesma cidade uma viúva, que ia ter com ele, dizendo: "Faze-me justiça contra o meu adversário".
Nessa mesma cidade havia uma viúva. Como em todas as épocas, a esposa que se vê desprotegida pela morte de seu marido, torna-se uma figura digna de pena. Recairá sobre ela, a parte mais frágil, o ônus da educação dos filhos, sobretudo dos pequenos, e da administração dos bens e da casa. Se ela não tiver o amparo de amigos verdadeiros, seu isolamento bem poderá se tornar dramático, e os interesses egoístas desses ou daqueles se concentrarão sobre a herança dos menores. Restar-lhe-á o intransigente vigor de seu instinto materno, acompanhado de suas amargas lágrimas. Por nada deste mundo ela abandonará as crianças alimentadas e crescidas em seus braços. Será um modelo insuperável de obstinação nesse particular. Esse é, bem provavelmente, o caso da presente parábola.
A viúva deve ter saturado o juiz com suas inúmeras visitas, implorando-lhe, a cada vez, justiça contra seu adversário.
Este último, quiçá, fosse um israelita constituído na fraude e na maldade que — tirando proveito da existência de um árbitro nada temente da cólera divina — havia dado largas à sua ganância e, assim, procurava extorquir os bens, no todo ou em parte, da desamparada e aflita senhora.
A apropriação indébita sempre existiu ao longo dos tempos. Sobretudo nos casos onde predomina o absolutismo do mais forte, ao excitarem-se as paixões, se estabelece a lei da selva.
E o que poderia fazer uma pobre mulher, nessa crítica situação, senão recorrer aos tribunais? Por outro lado, o mau israelita terá grande interesse em manter o status quo e, não havendo outra solução, se empenhará, na medida do possível, em retardar ao máximo qualquer pronunciamento legal.
Ora, as delongas só poderiam agravar o drama da triste senhora. Daí a grande insistência: “Faze-me justiça contra o meu adversário”.

A atitude do juiz

4a Ele, durante muito tempo não a quis atender.
Não nos são desconhecidas as demoras processuais em nosso Ocidente latino. Mas, nos povos orientais, naqueles tempos, as intérminas esperas faziam guerra às mais robustas paciências. Pelas próprias Escrituras Sagradas temos ciência da existência do suborno na época e, portanto, pode-se levantar a questão: terá o juiz recebido propostas, ou presentes, da parte contrária? Por outra, esperava ele alguma oferta da viúva para solucionar sua causa? O certo é que, por certa razão, talvez até por puro desleixo, capricho ou preguiça, o julgador se recusava a ouvir os rogos da autora do processo em curso.
Ainda uma outra hipótese se poderia levantar para buscar uma explicação de tal atitude. É do conhecimento geral que a demora muitas vezes resolve inextricáveis problemas. Não teria sido, o magistrado em questão, partidário de tomar o tempo como seu conselheiro? Nada leva a crer que assim fosse, pois ele “não temia a Deus, nem respeitava os homens”, e, portanto, a virtude não era a lei de seu habitual procedimento.



Continua no próximo post

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Evangelho XXVIII Domingo do Tempo Comum Ano C – 2013 - Lc 17, 11-19

  Conclusão dos comentários ao Evangelho  XXVIII Domingo do Tempo Comum Ano C – 2013 Lc 17, 11-19
A cena repete-se ao longo da História
O milagre operado por Nosso Senhor ao curar os dez leprosos, Ele o continua a realizar a todo instante em favor de qualquer pecador que, arrependido, venha a suplicar o seu perdão. Ele exige apenas que seja obedecida a mesma recomendação dada aos leprosos: apresentar-se ao sacerdote. Esta prescrição legal não era senão uma pré-figura da absolvição sacramental, instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual nossas almas são purificadas da lepra do pecado.
O Evangelho de hoje sugere-nos uma atualíssima aplicação. Não temos lepra física, porém, nem sempre podemos dizer que estamos isentos da lepra espiritual. E em quantas ocasiões fomos mais beneficiados que os dez leprosos… É preciso, pois, não agir como os nove ingratos, mas imitar o exemplo do samaritano: voltar para agradecer a Nosso Senhor Jesus Cristo por nos ter curado tantas vezes da lepra interior, a começar pela maldição do pecado original, também por Ele abolida.
A prática da verdadeira gratidão
No entanto, quão rara é a virtude da gratidão! Muitas vezes ela se pratica apenas por educação e meras palavras. Todavia, para ser autêntica, é preciso que ela transborde do coração com sinceridade. É lamentável, afirma o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, que “a virtude da gratidão seja entendida hoje de um modo contábil. De maneira que, se alguém me faz um benefício, eu devo responder, contabilisticamente, com uma porção de gratidão igual ao benefício recebido. Há, portanto, uma espécie de pagamento: favor se paga mediante afeto, bem como mercadoria se paga mediante dinheiro. Então, eu recebi um favor e tenho de arrancar de dentro de minha alma um sentimento de gratidão. Também fico pago, tenho um alívio, estou quite”.9 Essa é uma forma pagã, materialista, de conceber a gratidão. Bem diferente é essa virtude quando impregnada de espírito católico.
A gratidão é, em primeiro lugar, o reconhecimento do valor do benefício recebido. Em segundo lugar, é o reconhecimento de que nós não merecemos aquele benefício. E, em terceiro lugar, é o desejo de dedicar-nos a quem nos fez o serviço na proporção do serviço prestado e, mais ainda, da dedicação demonstrada com relação a nós. Como dizia Santa Teresinha, ‘amor só com amor se paga’. Ou a pessoa paga dedicação com dedicação ou não pagou. […] Dentro dessa perspectiva, a gratidão de nossas almas ao benefício que Nossa Senhora nos fez, consentindo na morte de seu Divino Filho e aceitando as dores que sofreu para que fôssemos resgatados, […] deve ser imensa e deve nos levar a querer servi-La com uma dedicação análoga”.10
Ora, além de dar-nos a vida humana, Deus nos concede o inestimável tesouro da participação na sua vida divina pelo Batismo e, mais ainda, nos dá constantemente a possibilidade de recuperar esse estado quando perdido pelo pecado, bastando para isso o nosso arrependimento e a Confissão sacramental. Sobretudo dá-Se a Si mesmo em Corpo, Sangue, Alma e Divindade como alimento espiritual para nos transformarmos n’Ele, santificando-nos de maneira a nos garantir uma ressurreição gloriosa e a eternidade feliz. Ele nos deixou sua Mãe como Medianeira, para cuidar do gênero humano com todo carinho e desvelo. Os benefícios que Deus nos outorga são, assim, incomensuráveis! Qual não deve ser, pois, nossa gratidão em relação a Nosso Senhor e a sua Mãe Santíssima? Abraçar com entusiasmo e abnegação a santidade e batalhar com sempre crescente dedicação pela expansão da glória de Deus e da Virgem Puríssima na Terra, eis o melhor meio de corresponder ao infinito amor do Sagrado Coração de Jesus, que se derrama sobre nós às torrentes, do nascer do Sol até o seu ocaso.
1 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.90, a.3; a.4, ad 1.
2 COLUNGA, OP, Alberto; GARCÍA CORDERO, OP, Maximiliano. Biblia Comentada. Pentateuco. Madrid: BAC, 1960, v.I, p.688.
3 Cf. LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Marc. 5.ed. Paris: J. Gabalda, 1929, p.29.
4 COLUNGA; GARCÍA CORDERO, op. cit., p.685.
5 Cf. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XIV, c.11, n.1 In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v.XVI-XVII, p.951.
6 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.II, p.728.
7 SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., II-II, q.107, a.2.
8 TITO BOSTRENSE, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, c.XVII, v.11-19.
9 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 1 jun. 1974.
10 Idem, 27 dez. 1974.


terça-feira, 8 de outubro de 2013

Evangelho XXVIII Domingo do Tempo Comum Ano C – 2013 - Lc 17, 11-19

  Continuação dos comentários ao Evangelho  XXVIII Domingo do Tempo Comum Ano C – 2013 Lc 17, 11-19
A gratidão de um só
15 “Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; 16 atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu. E este era um samaritano”.
Houve um, entretanto, que ao invés de caminhar rumo ao Templo, resolveu voltar para agradecer a Jesus, cantando as glórias de Deus e manifestando enorme alegria por ter encontrado Alguém em quem se apoiar e a quem seguir. Era aquele que contraíra não só a lepra física, mas também a lepra da alma. Se ele acompanhara inicialmente os outros doentes para se apresentar ao sacerdote, era apenas porque constituía uma sociedade com eles, pois, não sendo israelita, estava isento de tal obrigação. Sem embargo, a partir do momento em que foram curados, a comunidade perdia sua razão de ser e ele tornava-se aos olhos dos demais um estrangeiro infiel, um samaritano qualquer e, portanto, odiado e maltratado pelos judeus.
Vendo Nosso Senhor rodeado de gente, foi se aproximando d’Ele, abrindo com sua presença um vácuo de repugnância na aglomeração. Não obstante, enquanto ele avançava, todos puderam comprovar sua carnadura inteiramente modificada, pois, sem dúvida, como acontecera com Naamã — cuja cura é narrada pela primeira leitura deste domingo —, “a sua pele tornara-se como a de uma criança” (II Re 5, 14), alva, sem queimaduras do Sol, dando inclusive a impressão de que tinha engordado um tanto. Vendo a mudança, a multidão ficou impactada. Chegando perto do Divino Mestre, o samaritano prostrou-se por terra, em sinal de adoração.
Por cima do preceito legal de certificar a cura, a principal obrigação de todos era agradecer a quem os curara. Quando Nosso Senhor disse “ide apresentar-vos aos sacerdotes”, Ele não os proibiu de exprimir reconhecimento ao benfeitor. Deu-lhes apenas uma recomendação, não querendo ferir o livre-arbítrio dos leprosos por respeitar essa faculdade que nos é oferecida para escolhermos o bem,5 nem fazê-los perder o mérito que adquiririam pela gratidão. Todavia, desdenhando a oportunidade, os outros nove resolveram caminhar em rumo contrário ao de Jesus. Mais ainda, nada contradiz a hipótese de que regressaram mais tarde a sua vida normal, esquecendo-se por completo de quem os tinha beneficiado.
Culposa omissão
17 “Então Jesus lhe perguntou: ‘Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? 18 Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?’ 19 E disse-lhe: ‘Levanta-te e vai! Tua fé te salvou’”.
A surpresa manifestada por Nosso Senhor tinha um intuito formativo sobre aqueles que O cercavam e leva-nos a fazer a seguinte reflexão: dez foram curados da lepra de modo miraculoso e, dentre estes, nove retornaram ao meio social em que viviam antes de contraírem a enfermidade. Pertencentes ao establishment local, ansiavam por reintegrar-se no ambiente mundano e davam mais importância ao entorno corrompido e no qual foram contagiados pela lepra, do que ao convívio com o Mestre. Essa era a gratidão do povo judeu, o mais favorecido entre todos, uma vez que o Messias viera em primeiro lugar para as “ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15, 24)... Conforme ressalta Maldonado, “aqueles, como judeus, certamente deveriam ter-se mostrado mais agradecidos a Deus, como seu próprio nome lhes recordava; e, contudo, foram os mais ingratos; os que tinham motivo especial para reconhecer e receber a Cristo como seu libertador, que havia sido enviado propriamente para eles, eram os que pareciam conhecê-Lo menos que os outros”.6
Para eles, o episódio da cura operada por Nosso Senhor ficara para o passado. Hoje ignoramos seu paradeiro, pois desapareceram na História.
Pela falta de gratidão, é recusado um milagre ainda maior
Tal ingratidão em relação a Deus quiçá leve ao inferno, já que pode desencadear uma grande quantidade de outros pecados. “O primeiro grau de ingratidão”, ensina São Tomás de Aquino, “é a ausência de retribuição; o segundo é a dissimulação, ou seja, como que escondendo o fato de se ter recebido o benefício; e, finalmente o terceiro e mais grave consiste em não reconhecer o benefício, seja por esquecimento seja por qualquer outro modo”.7
É preciso, sobretudo, considerar que, além da lepra física, padeciam eles também de uma lepra moral chamada mundanismo, que os tornava cegos de Deus e fazia com que pusessem sua felicidade no prestígio social. O Mestre os curou da primeira para que pudessem, no momento de voltar e agradecer, serem curados da segunda. Entretanto, pela ingratidão, acentuaram ainda mais a lepra moral, se bem estivessem livres da física. Isso nos deve levar a refletir sobre o perigo de certos relacionamentos humanos que não nos aproximam de Jesus. Pode ser que em determinado momento tenhamos de Lhe retribuir algum dom ou favor e, infelizmente, nos esqueçamos desse dever por dar mais valor às amizades terrenas.
O samaritano é favorecido com outro milagre portentoso
No extremo oposto dessa postura encontra-se o décimo leproso, originário da Samaria, região habitada por um povo tisnado por séculos de infidelidade à verdadeira religião. Uma vez recuperada a saúde, ele não tinha a quem recorrer e, percebendo o grande bem que lhe fora feito, soube procurar a sociedade verdadeira. Ele não pediu o perdão de seus pecados, a salvação ou mesmo a entrada no Reino dos Céus, nem suplicou como o Bom Ladrão na cruz: “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino” (Lc 23, 42). Contudo, ele agradeceu e a partir deste ato de gratidão, Jesus o favoreceu com um milagre maior que a cura da lepra: o perdão dos pecados.
Quando obtemos um milagre e somos gratos, alcançamos outro maior que o pedido, pois Deus sabe das nossas necessidades. Esse duplo miraculado provavelmente seguiu Jesus por toda a parte e podemos conjecturar ser ele um dos santos que hoje povoam o Céu e gozam do convívio com a Santíssima Trindade. Os outros nove, de que sentença se tornaram merecedores? Não nos é dado conhecer o destino post-mortem das almas, mas quiçá tenham ido, pelo menos, ao Purgatório, por tamanha ingratidão... Por isso, quanto devemos temer o perigo acarretado para a vida espiritual por uma atitude semelhante à deles em relação aos bens recebidos do Salvador!
A lepra, enfermidade simbólica
Nesta passagem, Cristo nos mostra a lepra como uma doença simbólica, pois ela destrói o organismo e deforma a beleza do semblante. Ora, muito pior que a lepra física é a espiritual contraída por quem comete um pecado mortal. Se a lepra física desfaz o corpo, a do espírito enfeia a alma, a torna repulsiva aos olhos de Deus e faz com que a pessoa se torne escrava de suas más tendências e paixões. O leproso físico era expulso da sociedade, enquanto o espiritual é retirado de uma sociedade muito mais excelente, a divina, pela privação da graça santificante, das virtudes, dos dons, de todo o organismo sobrenatural e, sobretudo, da inabitação da Santíssima Trindade. “A lei dos judeus considera a lepra como uma enfermidade imunda, e a Lei do Evangelho não considera imunda a lepra externa, mas sim a interna”.8 A lepra física é contagiosa, característica verificada também na da alma, pois a pessoa que abraça as vias do pecado acabará causando escândalos que levarão outros à ruína espiritual. Se a lepra física, depois de uma vida infeliz, levava à morte, a lepra do pecado amargura a existência e conduz a uma morte muito mais terrível: a eterna infelicidade, no inferno. A lepra física atinge apenas o corpo, mas se o doente enfrentar a situação com cristã resignação e espírito sobrenatural progredirá na virtude, podendo vir a ser santo. O pecado, embora possa ser cometido sem suficiente noção da gravidade de suas consequências, destrói a vida divina na alma, que é sua maior beleza, dano muito pior do que destruir a formosura do corpo e a saúde.
Continua no próximo post


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Evangelho XXVIII Domingo do Tempo Comum Ano C – 2013 - Lc 17, 11-19

  Comentário ao Evangelho  XXVIII Domingo do Tempo Comum Ano C – 2013 Lc 17, 11-19
Evangelho - Lc 17, 11-19
Aconteceu que, caminhando para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a Galileia. 12 Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos vieram ao seu encontro. Pararam à distância, 13 e gritaram: ‘Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!’ 14 Ao vê-los, Jesus disse: ‘Ide apresentar-vos aos sacerdotes’. Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados. 15 Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; 16 atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu. E este era um samaritano. 17 Então Jesus lhe perguntou: ‘Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? 18 Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?’ 19 E disse-lhe: ‘Levanta-te e vai! Tua fé te salvou’” (Lc 17, 11-19).

  Dez curas e um milagre

Dez miraculados! Dir-se-ia que todos manifestariam sua gratidão, embora cada um com suas características próprias. Entretanto, só um deles — um samaritano — obteve o milagre da cura da alma. E os outros nove judeus? Não agradeceram...
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
O dever de gratidão das almas beneficiadas
Raras vezes interrompemos as ocupações cotidianas para considerar quantos bens nos são concedidos pela Divina Providência ao longo da nossa vida, ainda que não os tenhamos pedido ou sequer desejado. Se formos até à raiz de tais benefícios, devemos lembrar que não existiríamos sem um desígnio de Deus. A partir do nada, foi Ele constituindo a diversidade de seres, ao longo dos seis dias da criação, como está descrito no Gênesis, até modelar Adão do barro e Eva de sua costela, e neles infundir a vida. E cada nascimento, que ocorre a todo instante no mundo inteiro, é um fato extraordinário porque à lei física se acrescenta uma lei espiritual: Deus infunde uma alma inteligente, criada pelo simples desejo de sua vontade, num corpo concebido pelo concurso do pai e da mãe.1 E tudo o mais — a saúde, o alimento, o repouso, o conforto — vem d’Ele, direta ou indiretamente. Além disso, o Criador nos promete para depois de transpor os umbrais da morte um grande milagre: tendo nossos corpos sofrido a decomposição, voltando ao barro do qual fomos feitos, retomaremos um corpo glorioso que se unirá de novo à nossa alma, já na visão beatífica, e gozaremos da felicidade de Deus por toda a eternidade.
Quanta bondade! Entretanto… como é a nossa resposta? Somos gratos por tudo quanto recebemos? Essa é a pergunta que surge ao considerarmos o Evangelho do 28º Domingo do Tempo Comum que nos mostra diferentes atitudes tomadas por quem é objeto de um grande benefício vindo das dadivosas mãos do Salvador.
Saúde, alimento, repouso, conforto... tudo nos vêm d’Ele direta ou indiretamente
Duas classes de milagre: do corpo e do espírito
Na época de Nosso Senhor, o leproso, devido à falta de recursos médicos que possibilitassem o seu tratamento — carência que se prolongou por muitos séculos —, era um pária desprezado pela sociedade. Uma vez detectada a enfermidade, era ele apresentado ao sacerdote que, após um minucioso exame, o declarava legalmente impuro mediante um cerimonial apropriado. Se é verdade que ele não era deportado para uma ilha, segundo o costume adotado em tempos posteriores, deveria, contudo, ausentar-se da cidade, do convívio humano e viver isolado no campo. Obrigavam-no, ademais, a utilizar uma veste característica para anunciar a situação de excomunhão social em que se encontrava e a seguir certas normas, como a de se deslocar tocando uma campainha para indicar sua presença, de forma que as pessoas abrissem caminho, evitando o risco de contaminação pelo contato ou pela simples cercania. Aproximando-se de alguém além do permitido, recebia de imediato uma severa reprimenda, pelo pânico gerado diante do perigo do mal se espalhar. Arrastava-se assim “lamentando-se de si mesmo como o faria por um defunto, com as vestes rasgadas, a cabeça descoberta e a barba coberta com seu manto, gritando aos transeuntes, para que não se aproximem: ‘Imundo!’”.2
Ao longo de uma vida sem perspectiva de cura, veria seus próprios membros apodrecerem até caírem, num processo causador de nauseabundo odor e de incômodos vários.3 Tal estado produzia, como é compreensível, um profundo trauma psicológico. Ademais, como as doenças eram tidas, naquele tempo, como castigo pelos próprios pecados ou por aqueles cometidos pelos antepassados, a lepra trazia consigo também um drama moral: ser leproso de corpo significava, antes de tudo, possuir lepra de alma. “Encontramo-nos com ideias populares dos antigos, nas quais se mistura o religioso e o natural. O leproso se considerava castigado por Deus em virtude de pecados ocultos”.4 Nesse contexto social, desenrola-se a cena recolhida por São Lucas.
Unidos para suplicar um milagre
11“Aconteceu que, caminhando para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a Galileia.12 Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos vieram ao seu encontro. Pararam à distância, 13 e gritaram: ‘Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!’”.
Reza o ditado que a desgraça em conjunto é sempre mais alegre. Os dez leprosos de que fala o Evangelho formavam uma sociedade entre si, e deste modo tornavam suas penas mais suportáveis e garantiam uma companhia até sobrevir a morte, termo forçoso daquela lenta e dolorosa enfermidade. Sem dúvida, já tinham ouvido falar do Mestre e sabiam das numerosas curas por Ele operadas, entre as quais se contavam várias do mal de que padeciam. Ao receber a notícia da proximidade do Divino Taumaturgo, logo se puseram a caminho e foram tentar um encontro com Nosso Senhor, com a esperança de não surgir obstáculo algum que lhes impedisse um contato, mesmo ao longe.
Com efeito, pelo relato evangélico vemos como esses dez leprosos cumpriam os preceitos legais, no que se refere à sua terrível doença. Por tal motivo não ousaram acercar-se demais de Jesus, e colocando-se a certa distância imploraram a cura, por misericórdia. Eles obedeceram à Lei, sim, mas faltou-lhes fervor para se ajoelharem todos juntos diante de Cristo, que decerto os teria tocado e curado naquele momento, como no episódio antes ocorrido com outro leproso (cf. Mt 8, 2-4; Mc 1, 40-45; Lc 5, 12-16).
Este fato nos serve de lição para a vida espiritual: tratando-se do relacionamento com Jesus, devemos agir com plena confiança e intimidade irrestrita, nunca receando recorrer a Ele, por piores que sejam os deslizes morais que nos pesem na consciência.
Uma prova para a fé dos leprosos
14“Ao vê-los, Jesus disse: ‘Ide apresentar-vos aos sacerdotes’. Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados”.
Percebendo logo a chegada deles, Nosso Senhor os olhou. Ele não operou a cura naquele ato, por não querer causar demasiada estupefação na opinião pública. Assim, abrindo um pouco o espaço no meio da multidão que estava junto d’Ele, mandou, com autoridade, que fossem se apresentar aos sacerdotes.
Naquela época era muito rara a cura da lepra. Nas poucas ocasiões em que isso acontecia realmente, ou quando constatado que o próprio diagnóstico inicial tinha sido equivocado, sendo o leproso já conhecido como tal na região, deveria por Lei apresentar-se a um sacerdote. Este lavrava uma ata na qual constavam as características do caso, desde os primeiros sintomas até o desaparecimento da enfermidade, e o documento possibilitava ao antigo doente a reintegração no convívio social (cf. Lv 14, 1-32).
Pois bem, o Mestre determinou esta medida, embora nem houvesse sinais visíveis de cura. A pronta obediência dos dez leprosos patenteia a fé que possuíam em Jesus — fruto por certo de uma moção da graça, infundida pelo próprio Homem-Deus — e denota a forte convicção de que Ele os curaria pelo caminho. Estando todos de acordo em observar essa norma, empreenderam a viagem rumo a Jerusalém.
Podemos conjecturar que eles saíram em conjunto, experimentando grande consolação interior, pois Nosso Senhor ia criando graças para alimentar em suas almas a fé na própria cura. E cada um, segundo sua crença e temperamento, demonstraria isso de uma forma diferente dos outros. Entre eles, um mais silencioso pensaria, quiçá, numa lepra pior que a do corpo, que era a do pecado, pois vivia afastado da religião verdadeira… era samaritano. Confiante na cura, cogitava no modo de melhor estar à altura do prodígio de que em breve seria objeto.
Finalmente, durante o percurso, deram-se conta de que a lepra os abandonara e, sem dúvida, prorromperam em gritos de alegria. A gravidade do mal de que se viram livres concorre mais ainda para certificar a grandeza do milagre operado. Apressaram então o passo para obterem quanto antes o atestado de cura.
Continua no próximo post.