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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

EVANGELHO SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR – ANO B

Evangelho Mt 2, 1-12
1 Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns Magos do Oriente chegaram a Jerusalém, 2 perguntando: “Onde está o Rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo’.
3 Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém.
4 Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. 5 Eles responderam: “Em Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: 6 E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo”. 7 Então Herodes chamou em segredo os Magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. 8 Depois os enviou a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o Menino. E, quando O encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-Lo”.
9 Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o Menino. 10 Ao verem de novo a estrela, os Magos sentiram uma alegria muito grande.
11 Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe. Ajoelharam-se diante d’Ele, e O adoraram. Depois abriram seus cofres e Lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra. 12 Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho” (Mt 2, 1-12).
Comentários ao Evangelho da Solenidade da Epifania do Senhor
A docilidade do Espírito Santo ensinada por pagãos
À dureza de coraçõo da maioria do povo eleito, rejeitando o nascimento do Messias, opõe-se o exemplo de docilidade ao chamado de Deus, manifestado por reis pagãos de longínquas nações.
I - O MESSIAS SE MANIFESTA AO POVO ELEITO
Nos primórdios do Cristianismo, no Oriente, a Solenidade da Epifania conhecida entre os gregos por Teofania, manifestação de Deus —, era mais comemorada do que o próprio Natal. Para melhor penetrarmos no significado desta festividade, voltemos os olhos para o nascimento do Menino Jesus. Encontraremos uma Virgem de condição humilde embora descendente da linhagem real de Davi —, considerada como uma pessoa comum. Ela não dá à luz num palácio, mas numa Gruta, e seu Filho não tem por berço senão a manjedoura dos animais. O Verbo Encarnado é posto sobre paihas, envolto em panos e aquecido por um boi e um burro. E quem sãoos primeiros convidados a visitá-Lo? Pastores, homens de classe social muito simples que, encantados, se reúnem em torno do Presépio, comprovando a veracidade da mensagem angélica recebida. Além desta, não consta nenhuma outra homenagem de seus compatriotas…
Qual o motivo de Jesus Se manifestar de maneira tão pobre a seu povo? Não teria sido mais eficaz se Ele surgisse no esplendor da sua majestade e glória? Naquela época, a maioria dos judeus deturpara a ideia do Messias, a quem concebiam como um hábil político capaz de proporcionar a Israel a supremacia sobre todas as nações. E era preciso compreenderem que Nosso Senhor vinha para uma missão muito mais elevada: a de Salvador da humanidade. Por isso deviam entender que seu Reino não era deste mundo (cf. Jo 18, 36)!
Assim, ao povo eleito — com o qual Deus havia estabelecido Aliança, sobre o qual derramara graças e bênçãos sem conta, ao qual enviara profetas, fizera revelações e dera a Lei — Jesus Se apresenta sem exteriorizar sua divindade. No entanto, este povo, apesar de saber perfeitamente, pelas Escrituras, que estava próximo o aparecimento do Messias na cidade de Belém, não quis reconhecer o seu Senhor e Deus, conforme o oráculo de Isaías: “O boi conhece o seu possuidor, e o asno, o estábulo do seu dono; mas Israel não conhece nada, e meu povo não tem entendimento” (1, 3).
Bem diversa, como mostra o Evangelho de hoje, é a manifestação do Redentor — o Rei dos reis e Senhor dos senhores — aos gentios, representados pelos Magos. Nela já se prognostica que a Religião verdadeira, apanágio dos hebreus desde Abraão até o momento extraordinário em que Deus assume a natureza humana envolto nas luzes e nas esteiras magníficas da raça escolhida, se propagaria por todas as nações da Terra. Antes mesmo de os Apóstolos promoverem a conversão dos pagãos, o próprio Menino Jesus toma a iniciativa de atraí-los a Si, como inigualável Apóstolo das gentes, infinitamente superior ao grande São Paulo. E assim o Natal atinge sua plenitude na universalidade da missão de Nosso Senhor, expressa na Epifania.
II - UM DEUS-REI SE MANIFESTA AOS GENTIOS
Estudiosos da astronomia e interessados pelas coisas do céu, em vez de se ocuparem com glórias mundanas, foram os Magos preparados pela Providência para discernir o significado de uma misteriosa estrela que começou a se mover no firmamento. Por uma inspiração do Espírito Santo, sabiam ter chegado a hora de nascer um Rei que seria ao mesmo tempo Deus e, portanto, deveria ser adorado.
Contemplativos do céu… dóceis ao sinal da estrela
Como concluíram que este Menino devia surgir no seio do povo judeu? Talvez se baseassem em algum conhecimento da Revelação escrita e na expectativa messiânica de Israel, largamente difundida no Oriente pagão.2 Decerto tocados pela graça, tiveram uma experiência mística de que algo grandioso adviria, e interpretaram o aparecimento da estrela como um sinal sobrenatural que os pôs em movimento em busca do Rei recém-nascido que haveria de mudar a História. “Vimos” e “viemos”, diz o Evangelho. Ou seja, bastou-lhes ver a estrela para abandonarem tudo com uma docilidade única, prontidão exemplar e total confiança em Deus, e, sem medir esforços, empreenderam uma longa viagem através de desertos e montanhas, enfrentando toda espécie de riscos, inclusive a incerteza quanto à acolhida que teriam no reino de Israel, por mais distinta e numerosa que fosse sua comitiva. Vê-se, pois, não terem agido motivados por prudência humana, mas, sim, pelo impulso do dom de conselho, pelo qual o Espírito Santo faz o homem julgar com retidão sobre como deve agir em qualquer circunstância.3
Da atitude dos Magos podemos extrair um ensinamento útil para nossa vida espiritual: muitas vezes, por um sopro da Providência em nossas almas, somos levados a abraçar uma santa imprudência, que pode dar origem a uma grande realização. Precisamos ser flexíveis à voz do Espírito Santo que nos convida por meio de seus dons.
Um triste contraste
1 Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns Magos do Oriente chegaram a Jerusalém, 2 perguntando: “Onde está o Rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo’.
Ao chegarem os Magos à região de Jerusalém, a estrela que os guiava ocultou-se. Eles, porém, não se perturbaram nem desistiram, porque tinham a certeza de que Deus lhes falava no fundo do coração e de que não fora uma impressão passageira que os impelira. Perdido o caminho, à falta de um auxílio sobrenatural sensível, puseram em jogo todos os recursos naturais que estavam ao seu alcance. Sem hesitar, sem permitir que um lampejo de insegurança se apoderasse de seu espírito, entraram na cidade para se informar, provocando um tremendo alvoroço por seu vistoso séquito, sua língua, costumes e luxuosos trajes. Por isso São João Crisóstomo 4 interpreta o desaparecimento da estrela como um fato promovido por Deus para tornar a notícia do nascimento do Messias conhecida na Cidade Santa. Anunciam, então, que haviam ido visitar o Rei dos judeus, alegando terem divisado sua estrela. Com efeito, não era raro na Antiguidade identificar o advento de personagens ilustres com fenômenos celestes. E ficava subentendida sua fé na divindade do Menino, pois disseram: “vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo”. Ora, que Rei é este? Ninguém adora um rei da Terra... só se adora a Deus, Rei do Céu e da Terra que governa os astros.
Mas que significava esta estrela para os habitantes de Jerusalém, pouco versados em astronomia? Constatamos nesse quadro um triste contraste: reis pagãos acreditaram na mensagem que lhes fora transmitida por Deus através de uma estrela, e os judeus, com a Revelação e com todas as profecias, não quiseram abrir a alma para o seu Rei, o Messias.
O pânico nos maus  provocado por Deus
3 Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém.
A simples aparição dos Magos em Jerusalém, procurando o Rei dos judeus, provocou abalo nessa parcela do Império Romano. Não passavam de três Reis do Oriente... Herodes podia até mandar prendê-los e apossar-se de suas riquezas. Pelo contrário, ele ficou com medo... A História é varada por medos e coragens. Há ocasiões em que o Espírito Santo insufla a coragem numa parte da humanidade, produzindo autênticos surtos de entusiasmo. Não importa o número, a força, o poder, basta estar assistido por uma graça para pôr medo pela presença, pelo olhar ou por uma afirmação, e fazer tremer o adversário. E um medo sobrenatural, também incutido por Deus. Foi o que aconteceu na visita dos Reis Magos. Herodes representava o polo oposto ao de Nosso Senhor. Enquanto Jesus é a Luz que vem a este mundo, Herodes simboliza as trevas; Cristo é a salvação, Herodes, a perdição. Esse rei Péssimo, expoente do mal, se apavora, teme pelo seu trono e como ocorre em determinadas circunstâncias àqueles que abraçam o pecado como lei é sacudido. A razão mais profunda da reação de Herodes e de toda Jerusalém está na onipotência de Deus, que se manifesta quando se diz a verdade e apoia os que, como os Magos, a proclamam com plena segurança. Que dom preciosíssimo o de intimidar os ímpios pela fé! Logo ao nascer o Menino Jesus já divide os campos: é a pedra de escândalo.
As autoridades religiosas atestam sua falta de fé
4 Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, Perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. Eles responderam: “Em Belém na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta:  tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo”.
Convém ressaltar que, ao se dirigir aos sacerdotes e mestres da Lei, Herodes não pergunta onde iria nascer o Rei dos judeus, pois receava empregar esta palavra. Ele diz o “Messias”. Ora, a resposta dos sacerdotes indica terem eles ciência clara de onde este maravilhoso evento se daria: em Belém de Judá.
Esta era uma localidade insignificante em Israel, segundo critérios humanos, mas Nosso Senhor a escolhera por ser o berço de Davi. Perante Deus uma cidade não vale pelo que produz, por sua situação geográfica ou por uma população numerosa, e, sim, por seu nexo com Ele.
As autoridades religiosas, todavia, pouco atentas aos desígnios divinos, estavam ocupadas tão só em agradar a Herodes, numa vil troca de interesses. Nessa situação, compreende-se a cegueira do povo, quando devia discernir o iminente aparecimento do Salvador.
Duas opções: converter-se ou odiar com desejo de matar
Então Herodes chamou em segredo os Magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. 8 Depois os enviou a Belém, dizendo: “ide e procurai obter informações exatas sobre o Menino. E, quando O encontrardes avisai-me, para que também eu vá adorá-Lo”.
Herodes ficou ainda com mais medo diante da comunicação do Sinédrio e, político ladino, arquitetou um plano para eliminar o Menino Jesus, sem contundir os régios visitantes. Inquiriu-os para saber a idade aproximada da criança, e os encarregou de “obter informações exatas”. Deste modo, “prometia devoção aquele que já afiava a espada e pintava com cores de humildade a perversidade de seu coração”.5 E o ódio que professam todos quantos, tendo optado por uma vida de pecado, encontram quem lhes advirta a consciência. Para estes, só há duas opções: converter-se ou odiar com desejo de matar.
Os Magos, no entanto, acataram o conselho com toda boa-fé. São RemIgio6 comenta que assim se deve fazer com um pregador ruim: ouvir suas palavras, mas não seguir inteiramente suas orientações. Os Reis aceitaram a notícia certa dada por Herodes e não voltaram para dizer onde estava o Menino.
Deus dá consolações a quem crê
9 Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o Menino. 10 Ao verem de novo a estrela, os Magos sentiram uma alegria muito grande.
Era tal a convicção dos Magos de que chegariam a encontrar o Menino, que estavam dispostos a procurar onde fosse preciso, perseverança que os levaria até o objetivo. E com o reaparecimento da estrela eles extasiaram-se, sentindo a consolação e a alegria de quem tem retidão de espírito. E o prêmio de Deus aos que nunca desanimam nas boas obras: Ele jamais abandona aqueles que não O abandonam!
Continua no próximo post

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Evangelho - Solenidade da Santa Mãe de Deus

Comentários ao Evangelho - Lc 2, 16-21 - Solenidade da Santa Mãe de Deus
Naquele tempo, 16 os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura.
17Tendo-O visto, contaram oque lhes fora dito sobre o Menino. 18E todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam.
19Quanto a Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração.
20 Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido, conforme lhes tinha sido dito. 21 Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do Menino, deram-Lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo Anjo antes de ser concebido (Lc 2, 16-2 1).
Predestinada desde toda a eternidade
Da consideração do maior dentre os privilégios marianos emanam maravilhas que nos permitem vislumbrar a sublime grandeza da Mãe de Deus e nossa.
UM PRIVILÉGIO CONCEBIDO DESDE SEMPRE
A Igreja escolhe o primeiro dia do calendário civil para celebrar a maternidade divina de Nossa Senhora, a fim de que iniciemos o ano por meio da gloriosa intercessão de Maria. Ela derrama sobre nós suas bênçãos de maneira muito especial nesta Solenidade, cuja coincidência com a Oitava do Natal nos indica que a melhor forma de louvar o Menino Jesus é exaltar as qualidades da Mãe d’Ele e nossa, bem como a melhor forma de elogiar a Mãe é festejar o nascimento de seu Divino Filho.
A Liturgia nos apresenta leituras breves, porém cheias de significado. Embora não sejam propostas diretamente por Deus, mas por comissões de peritos que extraem das Sagradas Escrituras as passagens mais adequadas para cada celebração, o Espírito Santo os assiste nesse trabalho a fim de que seja realizado do modo mais perfeito, apesar da insuficiência do homem.
Elevada acima de toda a criação
Convém ressaltar que a, presença de Nossa Senhora nas Escrituras é muito discreta. E possível que Ela mesma tenha pedido aos evangelistas que sua pessoa figurasse num segundo plano nas páginas sagradas, não só por humildade, mas também para evitar o risco de Lhe atribuírem natureza divina. De fato, isto ocorreu nos primeiros tempos da Igreja, em algumas regiões onde chegaram a cultuá-La como deusa.1
Sob certo aspecto, explica-se o surgimento dessa errônea crença, que a Igreja soube retificar. Em razão da maternidade divina, Maria está tão unida ao mistério da Encarnação do Verbo que, mesmo possuindo natureza estritamente humana, Ela participa, de maneira relativa, do mais alto grau da criação: a ordem hipostática que, de forma absoluta, pertence apenas a Cristo.2 Portanto, está Nossa Senhora tão acima de todos os outros planos criados — mineral, vegetal, animal, humano, angélico e o da graça —, que é compreensível certa dificuldade em considerá-La como mera criatura humana favorecida com graças insuperáveis.
Uma benção da Antiga Aliança que atinge sua plenitude em Maria
A primeira leitura, tirada do Livro dos Números (6, 22-27), traz a fórmula da bênção transmitida pelo próprio Deus aos sacerdotes de Israel e usada pela Santa Igreja até hoje. O povo judeu a recebia todos os dias, pela manhã e à tarde, quando o sacerdote saía do santuário depois de ter oferecido o incenso a Deus no altar dos perfumes.3 Ao contrário de outras bênçãos que enfatizam a obtenção de benefícios materiais, esta se centra na vida sobrenatural. Embora os dons naturais nos sejam concedidos por Deus, devem frutificar com vistas ao seu serviço. De que adiantará a alguém possuí-los em profusão, se Deus não o abençoar? Nunca produzirá frutos para a eternidade.
Atrai nossa atenção em particular, nesta Solenidade, o fato de todas as bênçãos da Antiga Aliança, outorgadas por Deus ao povo de Israel através de Aarão, se terem concentrado em Nossa Senhora e n’Ela produzirem seus efeitos máximos, sem nenhuma fimbria de insuficiência.
Um altíssimo privilégio, concebido por Deus desde toda a eternidade
A grandeza de Maria aparece com maior evidência no trecho da Carta aos Gálatas escolhido para a segunda leitura (cf. Gal 4, 4-7), no qual São Paulo sublinha que Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu de uma mulher: “Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva” (Gal 4, 4-5). Se humanizarmos um pouco a figura de Deus, como tantas vezes o faz a Escritura, podemos imaginá-Lo esperando “o tempo previsto” para o nascimento da Mãe do Redentor. Mas, na realidade, Ele — para quem tudo é presente —concebeu eternamente a obra da criação e, no centro desta, num só ato de sua vontade divina e num mesmo e idêntico decreto, predestinou a Jesus e Maria.4 Portanto, no plano da Encarnação do Verbo, estava também contido o dom singularíssimo da maternidade divina de Nossa Senhora. Ambos, Mãe e Filho, inseparáveis, são a arquetipia da criação, a causa exemplar e final em função da qual todos os outros homens foram predestinados, “para a glória dos dois, como um cortejo real para Eles”.5
Isto nos faz compreender porque, dentre os incontáveis privilégios de Maria — dos quais a abundante coletânea de títulos acumulados pela piedade católica para louvá-La nos dá uma pálida ideia —, o principal é o de ser Mãe de Deus. Comparados com este, todos os outros são ínfimos! Deus poderia ter escolhido um meio distinto para assumir nossa natureza e estar entre nós, mas Ele quis tomar Nossa Senhora como Mãe. Para uma pessoa humana é impossível uma prerrogativa superior a esta, e por isso, como ensina São Tomás,6 Ela Se encontra na categoria das criaturas perfeitas, à qual pertencem apenas duas mais: a humanidade santíssima de Jesus e a visão beatífica. Este privilégio toca na essência mais profunda de Maria e é dele que Lhe defluem os demais.
A obediência de Maria abriu as portas da graça
É evidente que Ela preza muitíssimo este dom, e decerto as palavras são insuficientes para referir as elevadas considerações que Ela teceu a respeito, desde o momento de seu “Fiat!”, quando percebeu por inteiro o que significava para Ela ser Mãe de Deus. Não obstante, como diz o adágio latino, nemo summus fit repente — nada de grandioso acontece de repente. Longe de ser um fato súbito que colheu Nossa Senhora de surpresa, o anúncio de São Gabriel foi o auge de um processo, como São Luís Grignion de Montfort tenta descrever: “A divina Maria teve, em quatorze anos de vida, tal crescimento na graça e na sabedoria de Deus, e uma fidelidade tão perfeita ao seu amor, que entusiasmou de admiração não só os Anjos todos, mas ainda o próprio Deus. Sua profunda humildade, levada até o aniquilamento, O encantou; sua pureza toda divina O atraiu; sua fé viva e suas orações frequentes e amorosas O forçaram. A Sabedoria foi amorosamente vencida por tão afetuosas súplicas”.7 Porém, qualquer descrição, por mais completa que seja, não passa de um traço dessa realidade, tão rica ela é.
Com tal ato de obediência à divina vontade, Maria fez com que o Filho de Deus, eterno, gerado e não criado, Se tornasse Filho de Deus no tempo, gerado e criado quanto à sua natureza humana. Santo Anselmo sintetiza este mistério numa surpreendente expressão: “Um só e o mesmo seria naturalmente, a um só tempo, o Filho comum de Deus Pai e da Virgem”.8 Nossa Senhora proporcionou ao Filho, então, a possibilidade de Se dirigir ao Pai a partir da natureza humana e a alegria de sentir-Se inferior ao Pai, de oferecer-Lhe tudo o que está ao seu alcance, na inteira obediência a Ele, do que encontramos belíssimas amostras no Evangelho. Entre outras, destaca-se a oração proferida por Jesus durante a agonia no Horto das Oliveiras: “Meu Pai, se é possível, afasta de Mim este cálice! Todavia não se faça o que Eu quero, mas sim o que Tu queres” (Mt 26, 39). E o Espírito Santo, que nada podia oferecer ao Pai nem ao Filho — porque, sendo as três Pessoas Divinas substancialmente idênticas desde toda a eternidade, tudo Lhes era comum —, pela obediência de Maria encontrou a possibilidade de Lhes apresentar muitos filhos e irmãos: todos os homens que pela graça do Batismo se tornam, por adoção, filhos do Pai e irmãos de Jesus Cristo. Portanto, “é à humanidade do Verbo e, por conseguinte, a Maria, que o Espírito Santo deve o fato de ser o Autor da grande obra da Igreja, que não é senão a continuação da Encarnação, de dar à luz os membros, assim como deu à luz a Cabeça, e de produzir para a graça e para a glória o mundo universal dos eleitos”.9
Um altar à altura de um oferecimento infinito
Já no instante da Encarnação, Jesus Se ofereceu ao Pai como vítima expiatória por nossos pecados e passou a interceder junto a Deus em nosso favor. Por isso, além de Redentor, Cristo é também a Vítima perfeita e o único Sacerdote, o qual “não tem necessidade, como os outros sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro pelos pecados próprios, depois pelos do povo; pois isto o fez de uma só vez para sempre, oferecendo-Se a Si mesmo” (Hb 7, 27). 0 seu primeiro ato foi de caráter sacerdotal.
Qual foi o altar à altura de tal oferecimento, com o qual Nosso Senhor reparou todos os pecados da humanidade e que seria mais tarde consumado no Calvário? O claustro materno de Nossa Senhora, onde Ele esteve durante nove meses, no convívio mais íntimo possível de uma criatura com o Criador. Ao longo de todo esse período, Maria formava, com o seu sangue, o Corpo sagrado do Menino Jesus no processo próprio à gestação, pelo qual o sangue materno supre a criança em suas necessidades. Desta maneira, o Sangue oferecido por Jesus ao Pai tinha por origem o sangue de Maria, que se divinizava ao se tornar parte do Corpo do Salvador. Em virtude disso, a fonte do sacerdócio de Nosso Senhor é também a maternidade divina de Nossa Senhora.
 MATERNIDADE DIVINA, CAUSA DO ÓDIO INFERNAL
À vista de toda a grandeza que este privilégio mariano encerra, não é difícil entender a razão de o demônio detestá-lo com força ímpar. Ademais, uma das hipóteses levantadas para explicar a causa da revolta de satanás é precisamente a rejeição da Encarnação do Verbo em Maria. E a própria História confirma como ele não poupou esforços, com todo o seu ímpeto de maldade, para tentar destroçar os defensores da maternidade divina aqui na Terra.
Sua sanha chegou a um auge no século V, quando o herege Nestório, Patriarca de Constantinopla, começou a propagar — apoiando-se na heresia ariana — que em Cristo existem duas pessoas, uma divina e outra humana e que, em consequência, Maria não podia ser chamada Mãe de Deus, mas somente Mãe do Cristo enquanto homem.
Ora, na gestação de uma criança a mãe não cria a alma, apenas engendra o corpo. Ninguém dirá, entretanto, que ela é mãe só do corpo do bebê. Ao receber nos braços o recém-nascido, terá ela a alegria de ser mãe de uma pessoa considerada no seu todo, corpo e alma, pois, como afirma São Tomás,1° ser concebido e nascer é algo que se atribui à pessoa toda. Da mesma forma, Maria Santíssjma concebeu, pela ação do Espírito Santo, Aquele que possui duas naturezas — a humana, formada no seu seio virginal, e a divina, comunicada pelo Pai — unidas numa só Pessoa: o Verbo de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Filho de Deus na eternidade e Filho de Maria gerado no tempo. Logo, Eia é verdadeiramente Mãe de Deus.
Foi o ardoroso zelo de São Cirilo de Alexandria que, sob os auspícios e a bênção do Papa São Celestino I, obteve a vitória na batalha contra a heresia nestoriana, durante o Concílio de Efeso, que culminou com a definição solene da maternidade divina de Nossa Senhora como verdade de Fé: “Se alguém não confessar que o Emanuel é Deus no sentido verdadeiro e que, portanto, a Santa Virgem é deípara [Mãe de Deus] (pois gerou segundo a carne o Verbo que é de Deus e veio a ser carne), seja anátema”.11
Considerados tais pressupostos, analisemos o trecho do Evangelho recolhido pela Liturgia para esta Solenidade.
UMA CENA PREPARADA POR DEUS
Naquele tempo, 16a os pastores foram às pressas a Belém...
Nos versículos anteriores a este, São Lucas narra a aparição do Anjo aos pastores, anunciando o nascimento de Cristo na cidade de Davi e indicando-lhes o sinal para reconhecê-Lo: “Achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura” (Lc 2, 12). Depois de ouvirem o hino de glória a Deus entoado pela “multidão do exército celeste” (Lc 2, 13), os pastores decidiram entre si: “Vamos até Belém e vejamos o que se realizou e o que o Senhor nos manifestou” (Lc 2, 15). Tão logo cessou a aparição angélica, foi este o primeiro impulso daqueles piedosos homens, que o realizaram “às pressas”.
Deus prepara os seus escolhidos
Embora pudéssemos focalizar nossa análise numa descrição histórica dos pastores, apresentando detalhes de seu modo de vida ou de seu status na sociedade judaica da época, voltemos a atenção ao aspecto sobrenatural desses personagens e consideremos, em primeiro lugar, o fato de terem sido eles escolhidos por Deus, desde todo o sempre, para receber o anúncio do nascimento de Jesus. A aparição do Anjo, preferindo-os entre tantos outros homens, não foi mero acaso. Deus nunca deixa de preparar os seus eleitos, e não podemos pensar que o mensageiro celeste tenha colhido ex abrupto os primeiros adoradores do Menino Deus, com toda a rudeza de caráter própria ao ofício por eles exercido.
À semelhança de Nossa Senhora, estes humildes camponeses foram trabalhados pela Providência Divina, já na infância — ou até mesmo em seus antepassados —, para tão grande acontecimento. Como bons judeus, eles conheciam as Escrituras, sobretudo as profecias da vinda do Messias, e, por uma ação da graça, cada vez maior era seu amor e sua apetência pela chegada do Salvador. Certamente imaginavam cenas banhadas de consolação nas quais, por exemplo, se viam oferecendo ao Redentor o melhor de si mesmos.
Na noite do nascimento do Menino Jesus, talvez eles tenham sentido uma consolação especial, num crescendo que culminou com a aparição do Anjo. Era crença comum no Antigo Testamento que todo homem que visse um Anjo morreria em breve (cf. Jz 6, 22-23; 13, 21-22). Entretanto, depois de uma primeira reação de temor (cf. Lc 2, 9), ao ouvir as palavras e o cântico da milícia celestial os pastores encheram-se de encanto, e nem sequer pensavam nisso quando os Anjos desapareceram.
Uma importante lição nos é oferecida nessa passagem: também nós fomos escolhidos por Deus desde toda a eternidade. Foi Ele quem preparou tudo para nos santificarmos, segundo nossa vocação específica. Criou graças especialíssimas para cada um de nós e, havendo fidelidade de nossa parte, elas nos serão concedidas em abundância sempre maior — sem sensibilidade, às vezes, para nos pôr à prova —, até nossa partida deste mundo.
Generosidade em atender ao chamado de Deus
A presteza dos pastores em se dirigir ao Presépio supõe que não tenham levado consigo o rebanho, pois o seu deslocamento exige certo vagar. Os animais ficaram à mercê das feras e dos ladrões. Eis aqui outra prova de estarem tomados pela graça: desejavam algo maior e nada constituiu obstáculo para encontrá-lo; senão teriam se contentado com a visão dos Anjos, permanecendo ali para guardar as ovelhas. No entanto, dóceis ao convite angélico, abandonaram tudo e, durante o tempo em que estiveram na Gruta, nem pensaram no rebanho. Sua atenção estava inteiramente posta em quem os atraíra a Belém.
Não deve ser outra a nossa forma de proceder em relação às boas-novas vindas do Céu. Quando somos chamados para uma vocação divina, precisamos rejeitar tudo o que nos impede de segui-la e ir às pressas ao encontro d’Aquele que nos convoca.
A recompensa de quem é dócil à graça
16b …e encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura.
São Lucas quis nomear Maria em primeiro lugar, pois também no Presépio Ela é nossa Medianeira junto a Nosso Senhor Jesus Cristo e a tesoureira de todas as graças.
Sem dúvida, Maria havia reclinado o Menino Jesus na manjedoura, com todo cuidado e afeto, para que os pastores pudessem adorá-Lo sem atribuir nada a Ela. A cena era a mais modesta possível, mas, por uma ação do Espírito Santo, os pastores diante do Salvador, do verdadeiro Deus, tiveram intensa alegria interior, como nunca na vida haviam sentido, que lhes dava a certeza de estar ali o Messias prometido, o Esperado das Nações. Nem repararam nos aspectos secundários, como o fato de estar Ele envolto em panos e ter como berço um cocho, pois quem tem fé não dá importância aos detalhes inferiores e só considera o cerne: queriam adorar o recém-nascido que thes fora anunciado como o Cristo Senhor.
Quando percebeu o júbilo sobrenatural que arrebatava os visitantes, quiçá a Virgem Santíssima tenha feito com que o Menino passasse pelos braços de cada um, para terem a felicidade de carregá-Lo ao colo. Se o próprio Jesus Se dá a nós na Comunhão, bem se pode conjecturar que Nossa Senhora tenha agido desse modo considerando o Sacramento da Eucaristia a ser futuramente instituído, tal a maternal idade d’Ela. Assim sendo, aquilo que Constituiu a alegria de Simeão terá sido também a alegria dos pastores.
De pastores a primeiros arautos da Boa-nova
17 Tendo-O visto, contaram o que lhes fora dito sobre o Menino.
18 E todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam.
Ao empregar as palavras “o que lhes fora dito”, decerto o Evangelista não se refere apenas à mensagem do Anjo. Sendo os pastores pessoas simples, é de se supor que tenham feito perguntas a Nossa Senhora sobre o porvir daquele Menino grandioso. E de maneira muito afetuosa Ela lhes deve ter contado maravilhas, inclusive considerações teológicas feitas não só a partir de revelações, mas também dos seus conhecimentos, por ser dotada de ciência infusa.
Tão entusiasmados ficaram ao receber esses tesouros de sabedoria que, ao sair da Gruta, começaram a transmiti-los a todos com os quais se encontravam. Foi o pretexto escolhido pela Providência para fazer chegar aos ouvidos do povo o eco do magno acontecimento, iniciando-se, por meio de arautos pastores, a pregação do Evangelho, O maravilhamento geral causado por esta primeira divulgação da Boa-nova atesta que os pastores haviam correspondido à graça e tinham sido objeto de uma autêntica transformação.
Eis outra importante lição para nós: só colherá frutos no apostolado aquele cuja alma estiver tomada de enlevo e admiração.
As altíssimas cogitações de Maria
19 Quanto a Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração.
Nossa Senhora analisava tanto os dados a respeito de seu Divino Filho — a mensagem de São Gabriel, a manifestação de Santa Isabel, o cântico de São Zacarias, etc. — quanto os acontecimentos que se sucederam desde o momento da Anunciação. E, para Se fortalecer mais na fé, ia conferindo esses elementos com tudo o que já conhecia, seja devido ao dom de sabedoria e de ciência, que Ela possuía em plenitude, seja pela perfeita compreensão das Sagradas Escrituras, as quais lia “com a alma cheia de luzes, maiores que as de Isaías e as de todos os outros profetas”.12
Também os pastores, durante a visita ao Presépio, foram para Ela objeto de cuidadosa análise, pois via os efeitos que o Menino Jesus, nascido poucas horas antes, produzia na alma de cada um. Afinal, se a voz de Maria foi suficiente para purificar São João Batista ainda no seio de Santa Isabel,’3 que mudança não terá operado o próprio Deus Menino naqueles homens cheios de fervor? Constatando os efeitos e remontando-os à Causa, Ela ia constituindo uma elevadíssima teologia.
Conta-se que São Tomás de Aquino, ao sair de um êxtase, parou de escrever a Suma Teológica, declarando: “Non possum: quia omnia quæ scripsi videntur mihi paleæ — Não posso. Tudo quanto escrevi, parece-me, unicamente, palha...”.14 Se ele tivesse conversado com Nossa Senhora sobre essas cogitações, talvez não escrevesse obra teológica alguma, pois com o conhecimento de tantas maravilhas julgaria insuficiente qualquer pensamento próprio...
Da admiração ao apostolado
20 Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido, conforme lhes tinha sido dito.
Tendo comprovado com os sentidos tudo o que o Anjo e Nossa Senhora lhes haviam dito, os pastores saíram do Presépio admirados, e o manifestavam com o constante louvor a Deus que afluía a seus lábios. Tocados por uma graça que movia a fé, alimentava a esperança e fortificava a caridade, logo passaram a comunicar isso aos outros, pois o bem é eminentemente difusivo.15 Assim também devemos ser nós: quando recebemos uma graça, ou quando Deus nos envia qualquer consolação, precisamos fazer com que os demais participem dos mesmos dons.
O primeiro derramamento de Sangue do Redentor
21 Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do Menino deram-Lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo Anjo antes de ser concebido.
A circuncisão era o preceito dado por Deus a Abraão (cf.Gn 17, 10-14), verdadeiro privilégio que, distinguindo os judeus dos outros povos, apagava a mancha do pecado original já no Antigo Testamento e conferia a graça enquanto símbolo da fé na futura Paixão de Cristo e pré-figura do Batismo, embora as portas do Céu continuassem fechadas.’6
Nosso Senhor não tinha necessidade de Se submeter a esse ritual, pois Ele é o Sumo Bem, a Verdade por essência, o Belo Absoluto e, ao Se encarnar no seio de uma Virgem Imaculada, jamais poderia assumir nossa natureza em pecado, que era totalmente incompatível com Ele. Mas, por nossa causa, Ele quis vir “numa carne semelhante à do pecado” (Rm 8, 3), e aplicar em Si, inclusive, o remédio próprio ao pecado, a circuncisão. Além de cumprir a lei por Ele mesmo instituída, foi esse o modo pelo qual iniciou a obra da Redenção, concluída na Cruz.
Nessa perspectiva, vemos como é expressivo o nome de Jesus, cujo significado é Deus salva ou Salvador. Foi-Lhe posto este nome na cerimônia legal da circuncisão, quando verteu suas primeiras gotas de Sangue, o qual seria derramado abundantemente na Paixão em reparação por nossos pecados. E sendo o nome a coroação plena do nascimento de uma pessoa, porque é o que vai designá-la para sempre, mais uma vez o Evangelho nos reporta à maternidade divina, pois, a partir do momento em que Jesus recebeu este nome bendito, Maria pôde ser chamada, com propriedade, Mãe de Jesus, ou seja, Mãe do Salvador, Mãe de Deus.
MÃE DE DEUS… E TAMBÉM MÃE NOSSA!
Diante da riqueza da Liturgia inspirada pelo Espírito Santo para exaltar a maternidade divina de sua Esposa, devemos compreender que também nós estamos contemplados nesse privilégio de Maria. Todos os batizados fazemos parte da Santa Igreja, Corpo Místico do qual Cristo é a Cabeça e nós seus membros. Ora, quem é Mãe da Cabeça é Mãe‚ de todo o Corpo! E quando nascemos para a graça, no Batismo, passamos a participar da família divina enquanto filhos de Deus e irmãos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Também por esse aspecto Maria é nossa Mãe.
Além disso, assim como os rios correm a partir de uma nascente, a fonte de nossa vida sobrenatural é Nosso Senhor Jesus Cristo, pois “todos nós recebemos da sua plenitude graça sobre graça” (Jo 1, 16). E a Mãe desse manancial de graças é também Mãe dos riachos que d’Ele procedem.
Foi o próprio Salvador que, crucificado entre dois ladrões no alto do Calvário, deu caráter oficial à maternidade de Nossa Senhora extensiva a nós. Na pessoa de São João Evangelista, Jesus nos entregou a Ela como autênticos filhos, ao dizer: “Mulher, eis aí teu filho!” (Jo 19, 26), e ao Apóstolo: “Eis aí tua Mãe!” (Jo 19, 27). Desta forma, colocou à disposição de todos nós, seus irmãos pela graça e pela Redenção, sua própria Mãe. E Ela ama a cada um como se fosse seu filho único, a tal ponto que se somássemos o amor de todas as mães do mundo por um só filho, o resultado não alcançaria o amor que Nossa Senhora nutre por nós, individualmente.17
Encontramos nas palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira uma tocante consideração a esse respeito: “Entre o Verbo Encarnado e nós há algo em comum, algo insondavelmente precioso: temos a mesma Mãe! Mãe perfeita desde o primeiro instante de seu ser concebido sem mácula. Mãe Santíssima de tal maneira que, em cada momento de sua existência, não cessou de corresponder à graça; apenas cresceu, cresceu e cresceu até alcançar inimaginável elevação de virtude. Essa Mãe, d’Ele e nossa, tem misericórdia do filho mais esfarrapado, torto, desarranjado; e quanto mais desarranjado, torto e esfarrapado, maior sua compaixão materna. ‘Minha Mãe: aqui estou eu. Tende pena de mim hoje, agora, como sempre tivestes e, espero, sempre tereis. Purificai-me, ordenai-me, tomai minha alma cada vez mais semelhante à vossa e à d’Aquele que, como a mim, é dada a indizível felicidade de Vos ter por Mãe!”.18
A Jesus, cujo Natal celebramos nesta Oitava, dirigimos nosso olhar cheio de gratidão e imploramos que cheguem à sua plenitude as graças por Ele trazidas ao mundo ao nascer em Belém: “Senhor, Vós quereis reinar sobre a Terra de uma forma solene, majestosa e, ao mesmo tempo, maternal. Por isso, Vós entregais o vosso Reino à vossa Mãe Santíssima. Nós Vos pedimos, Senhor, que a misericórdia d’Ela triunfe o quanto antes! Neste momento, nosso coração se volta a Ela, cheio da certeza de que sua misericórdia e bondade para cada um de nós é superior à de qualquer mãe. Ela está disposta a nos abraçar, a nos acolher em seu colo e nos proteger, quer seja contra a maldade dos homens, quer seja contra a maldade vinda do inferno. Enfim, Ela está disposta a fazer de tudo por nós! Senhor, não A retenhais! Deixai que a misericórdia d’Ela nos abrace, pois só assim os horrores do mundo contemporâneo não atingirão nossa alma. Nós Vos pedimos, Senhor, que Ela desdobre sobre os vossos filhos toda a sua bondade maternal e misericordiosa, para que o reino do afeto, o reino do carinho materno, o reino da bondade insuperável de Maria Santíssima se estabeleça na Terra. E que Ela apareça sorridente na cerimônia de inauguração dessa nova era histórica, dizendo a seus filhos: ‘Por fim, o meu Imaculado Coração triunfou”.
1) Os desvios na devoção a Nossa Senhora nos primeiros tempos ocasionaram inclusive cerimoniais de culto, como comenta Alastruey: “segundo o testemunho de Santo Epifânio, os coliridianos, na Arábia, veneravam a Virgem como deusa e ofereciam, com ritos idolátricos, pequenos pães ou tortas em sua honra. Esta seita era composta quase exclusivamente por mulheres, e a elas estavam reservados os ofícios sacerdotais. Entre os montanistas orientais, os chamados marianistas e filo-marianistas adoravam Maria como deusa” (ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de la Virgen Santísima. 4.ed. Madrid: BAC, 1956, p.841).
2) Cf. ROYO MARIN, OP, Antonio. La Virgen María. Madrid: BAC, 1968, p.100-102.
3) Cf. COLUNGA, OP, Alberto; GARCIA CORDERO, OP, Maximiliano. Biblia Comentada. Pentateuco. Madrid: BAC, 1960, v.1, p.787-788.
4) A respeito da predestinação eterna do Redentor e sua Mãe Santíssima, ensina o Papa João Paulo II na Encíclica Redemptoris Mater: “No mistério de Cristo, Maria está presente já ‘antes da criação do mundo’, como Aquela a quem o Pai ‘escolheu’ para Mãe do seu Filho na Encarnação — e, conjuntamente ao Pai, escolheu-A também o Filho, confiando-A eternamente ao Espírito de santidade. Maria está unida a Cristo, de um modo absolutamente especial e excepcional; e é amada neste ‘Filho muito amado’ desde toda a eternidade” (JOAO PAULO II. Redemptoris Mater, n.8).
5) ROSCHINI, OSM, Gabriel. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p.25.
6) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.25, a.6, ad 4.
7) SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. L’Amour de la Sagesse Éternelle, n.107. In: OEuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.151.
8) SANTO ANSELMO. De conceptu virginali et originali peccato, c.XVIII. In: Obras Completas, Madrid: BAC, 1953, v.11, p.47.
9) NICOLAS, Auguste. La Vierge Marie et le plan divin. 2.ed. Paris: Auguste Vaton, 1856, t.I, p.376.
10) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., III, q.35, a.4.
11) Dz 252.
12) PHILIPON, OP, Marie-Michel. Los dones del Espíritu Santo. Barcelona: Balmes, 1966, p.370.
13) Cf. SAO LUIS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.19. In: OEuvres Complètes, op. cit., p.497.
14) BARTOLOMEU DE CAPUA. Depoimento no Processo de Canonização, apud AMEAL, João. São Tomás de Aquino. Iniciação ao estudo da sua figura e da sua obra, Porto: Tavares Martins, 1961, p.145.
15) Cf. sAo fÁs DE AQUINO. Suma contra os gentios. LIII, c.24, n.6.
16) Cf. SAO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.70, a.4.
17) Cf. SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT, Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, op. cit., n.202, p.620.
18) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A mesma Mãe. In: Dr Plinio. São Paulo. Ano IX. N.96 (Mar., 2006); p.36.



EVANGELHO SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR – ANO B

Comentários ao Evangelho da Epifania  Mt 2, 1-12
1 Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns Magos do Oriente chegaram a Jerusalém, 2 perguntando: “Onde está o Rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo’.
3 Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém.
4 Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. 5 Eles responderam: “Em Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: 6 E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo”. 7 Então Herodes chamou em segredo os Magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. 8 Depois os enviou a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o Menino. E, quando O encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-Lo”.
9 Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o Menino. 10 Ao verem de novo a estrela, os Magos sentiram uma alegria muito grande.
11 Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe. Ajoelharam-se diante d’Ele, e O adoraram. Depois abriram seus cofres e Lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra. 12 Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho” (Mt 2, 1-12).
Comentários ao Evangelho da Solenidade da Epifania do Senhor
A docilidade do Espírito Santo ensinada por pagãos
À dureza de coração da maioria do povo eleito, rejeitando o nascimento do Messias, opõe-se o exemplo de docilidade ao chamado de Deus, manifestado por reis pagãos de longínquas nações.
I - O MESSIAS SE MANIFESTA AO POVO ELEITO
Nos primórdios do Cristianismo, no Oriente, a Solenidade da Epifania conhecida entre os gregos por Teofania, manifestação de Deus —, era mais comemorada do que o próprio Natal. Para melhor penetrarmos no significado desta festividade, voltemos os olhos para o nascimento do Menino Jesus. Encontraremos uma Virgem de condição humilde embora descendente da linhagem real de Davi —, considerada como uma pessoa comum. Ela não dá à luz num palácio, mas numa Gruta, e seu Filho não tem por berço senão a manjedoura dos animais. O Verbo Encarnado é posto sobre palhas, envolto em panos e aquecido por um boi e um burro. E quem são os primeiros convidados a visitá-Lo? Pastores, homens de classe social muito simples que, encantados, se reúnem em torno do Presépio, comprovando a veracidade da mensagem angélica recebida. Além desta, não consta nenhuma outra homenagem de seus compatriotas…
Qual o motivo de Jesus Se manifestar de maneira tão pobre a seu povo? Não teria sido mais eficaz se Ele surgisse no esplendor da sua majestade e glória? Naquela época, a maioria dos judeus deturpara a ideia do Messias, a quem concebiam como um hábil político capaz de proporcionar a Israel a supremacia sobre todas as nações. E era preciso compreenderem que Nosso Senhor vinha para uma missão muito mais elevada: a de Salvador da humanidade. Por isso deviam entender que seu Reino não era deste mundo (cf. Jo 18, 36)!
Assim, ao povo eleito — com o qual Deus havia estabelecido Aliança, sobre o qual derramara graças e bênçãos sem conta, ao qual enviara profetas, fizera revelações e dera a Lei — Jesus Se apresenta sem exteriorizar sua divindade. No entanto, este povo, apesar de saber perfeitamente, pelas Escrituras, que estava próximo o aparecimento do Messias na cidade de Belém, não quis reconhecer o seu Senhor e Deus, conforme o oráculo de Isaías: “O boi conhece o seu possuidor, e o asno, o estábulo do seu dono; mas Israel não conhece nada, e meu povo não tem entendimento” (1, 3).
Bem diversa, como mostra o Evangelho de hoje, é a manifestação do Redentor — o Rei dos reis e Senhor dos senhores — aos gentios, representados pelos Magos. Nela já se prognostica que a Religião verdadeira, apanágio dos hebreus desde Abraão até o momento extraordinário em que Deus assume a natureza humana envolto nas luzes e nas esteiras magníficas da raça escolhida, se propagaria por todas as nações da Terra. Antes mesmo de os Apóstolos promoverem a conversão dos pagãos, o próprio Menino Jesus toma a iniciativa de atraí-los a Si, como inigualável Apóstolo das gentes, infinitamente superior ao grande São Paulo. E assim o Natal atinge sua plenitude na universalidade da missão de Nosso Senhor, expressa na Epifania.
II - UM DEUS-REI SE MANIFESTA AOS GENTIOS
Estudiosos da astronomia e interessados pelas coisas do céu, em vez de se ocuparem com glórias mundanas, foram os Magos preparados pela Providência para discernir o significado de uma misteriosa estrela que começou a se mover no firmamento. Por uma inspiração do Espírito Santo, sabiam ter chegado a hora de nascer um Rei que seria ao mesmo tempo Deus e, portanto, deveria ser adorado.
Contemplativos do céu… dóceis ao sinal da estrela
Como concluíram que este Menino devia surgir no seio do povo judeu? Talvez se baseassem em algum conhecimento da Revelação escrita e na expectativa messiânica de Israel, largamente difundida no Oriente pagão.2 Decerto tocados pela graça, tiveram uma experiência mística de que algo grandioso adviria, e interpretaram o aparecimento da estrela como um sinal sobrenatural que os pôs em movimento em busca do Rei recém-nascido que haveria de mudar a História. “Vimos” e “viemos”, diz o Evangelho. Ou seja, bastou-lhes ver a estrela para abandonarem tudo com uma docilidade única, prontidão exemplar e total confiança em Deus, e, sem medir esforços, empreenderam uma longa viagem através de desertos e montanhas, enfrentando toda espécie de riscos, inclusive a incerteza quanto à acolhida que teriam no reino de Israel, por mais distinta e numerosa que fosse sua comitiva. Vê-se, pois, não terem agido motivados por prudência humana, mas, sim, pelo impulso do dom de conselho, pelo qual o Espírito Santo faz o homem julgar com retidão sobre como deve agir em qualquer circunstância.3
Da atitude dos Magos podemos extrair um ensinamento útil para nossa vida espiritual: muitas vezes, por um sopro da Providência em nossas almas, somos levados a abraçar uma santa imprudência, que pode dar origem a uma grande realização. Precisamos ser flexíveis à voz do Espírito Santo que nos convida por meio de seus dons.
Um triste contraste
1 Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns Magos do Oriente chegaram a Jerusalém, 2 perguntando: “Onde está o Rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo’.
Ao chegarem os Magos à região de Jerusalém, a estrela que os guiava ocultou-se. Eles, porém, não se perturbaram nem desistiram, porque tinham a certeza de que Deus lhes falava no fundo do coração e de que não fora uma impressão passageira que os impelira. Perdido o caminho, à falta de um auxílio sobrenatural sensível, puseram em jogo todos os recursos naturais que estavam ao seu alcance. Sem hesitar, sem permitir que um lampejo de insegurança se apoderasse de seu espírito, entraram na cidade para se informar, provocando um tremendo alvoroço por seu vistoso séquito, sua língua, costumes e luxuosos trajes. Por isso São João Crisóstomo 4 interpreta o desaparecimento da estrela como um fato promovido por Deus para tornar a notícia do nascimento do Messias conhecida na Cidade Santa. Anunciam, então, que haviam ido visitar o Rei dos judeus, alegando terem divisado sua estrela. Com efeito, não era raro na Antiguidade identificar o advento de personagens ilustres com fenômenos celestes. E ficava subentendida sua fé na divindade do Menino, pois disseram: “vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo”. Ora, que Rei é este? Ninguém adora um rei da Terra... só se adora a Deus, Rei do Céu e da Terra que governa os astros.
Mas que significava esta estrela para os habitantes de Jerusalém, pouco versados em astronomia? Constatamos nesse quadro um triste contraste: reis pagãos acreditaram na mensagem que lhes fora transmitida por Deus através de uma estrela, e os judeus, com a Revelação e com todas as profecias, não quiseram abrir a alma para o seu Rei, o Messias.
O pânico nos maus  provocado por Deus
3 Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém.
A simples aparição dos Magos em Jerusalém, procurando o Rei dos judeus, provocou abalo nessa parcela do Império Romano. Não passavam de três Reis do Oriente... Herodes podia até mandar prendê-los e apossar-se de suas riquezas. Pelo contrário, ele ficou com medo... A História é varada por medos e coragens. Há ocasiões em que o Espírito Santo insufla a coragem numa parte da humanidade, produzindo autênticos surtos de entusiasmo. Não importa o número, a força, o poder, basta estar assistido por uma graça para pôr medo pela presença, pelo olhar ou por uma afirmação, e fazer tremer o adversário. E um medo sobrenatural, também incutido por Deus. Foi o que aconteceu na visita dos Reis Magos. Herodes representava o polo oposto ao de Nosso Senhor. Enquanto Jesus é a Luz que vem a este mundo, Herodes simboliza as trevas; Cristo é a salvação, Herodes, a perdição. Esse rei Péssimo, expoente do mal, se apavora, teme pelo seu trono e como ocorre em determinadas circunstâncias àqueles que abraçam o pecado como lei é sacudido. A razão mais profunda da reação de Herodes e de toda Jerusalém está na onipotência de Deus, que se manifesta quando se diz a verdade e apoia os que, como os Magos, a proclamam com plena segurança. Que dom preciosíssimo o de intimidar os ímpios pela fé! Logo ao nascer o Menino Jesus já divide os campos: é a pedra de escândalo.
As autoridades religiosas atestam sua falta de fé
4 Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, Perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. Eles responderam: “Em Belém na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta:  tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo”.
Convém ressaltar que, ao se dirigir aos sacerdotes e mestres da Lei, Herodes não pergunta onde iria nascer o Rei dos judeus, pois receava empregar esta palavra. Ele diz o “Messias”. Ora, a resposta dos sacerdotes indica terem eles ciência clara de onde este maravilhoso evento se daria: em Belém de Judá.
Esta era uma localidade insignificante em Israel, segundo critérios humanos, mas Nosso Senhor a escolhera por ser o berço de Davi. Perante Deus uma cidade não vale pelo que produz, por sua situação geográfica ou por uma população numerosa, e, sim, por seu nexo com Ele.
As autoridades religiosas, todavia, pouco atentas aos desígnios divinos, estavam ocupadas tão só em agradar a Herodes, numa vil troca de interesses. Nessa situação, compreende-se a cegueira do povo, quando devia discernir o iminente aparecimento do Salvador.
Duas opções: converter-se ou odiar com desejo de matar
Então Herodes chamou em segredo os Magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. 8 Depois os enviou a Belém, dizendo: “ide e procurai obter informações exatas sobre o Menino. E, quando O encontrardes avisai-me, para que também eu vá adorá-Lo”.
Herodes ficou ainda com mais medo diante da comunicação do Sinédrio e, político ladino, arquitetou um plano para eliminar o Menino Jesus, sem contundir os régios visitantes. Inquiriu-os para saber a idade aproximada da criança, e os encarregou de “obter informações exatas”. Deste modo, “prometia devoção aquele que já afiava a espada e pintava com cores de humildade a perversidade de seu coração”.5 E o ódio que professam todos quantos, tendo optado por uma vida de pecado, encontram quem lhes advirta a consciência. Para estes, só há duas opções: converter-se ou odiar com desejo de matar.
Os Magos, no entanto, acataram o conselho com toda boa-fé. São RemIgio6 comenta que assim se deve fazer com um pregador ruim: ouvir suas palavras, mas não seguir inteiramente suas orientações. Os Reis aceitaram a notícia certa dada por Herodes e não voltaram para dizer onde estava o Menino.
Deus dá consolações a quem crê
9 Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o Menino. 10 Ao verem de novo a estrela, os Magos sentiram uma alegria muito grande.
Era tal a convicção dos Magos de que chegariam a encontrar o Menino, que estavam dispostos a procurar onde fosse preciso, perseverança que os levaria até o objetivo. E com o reaparecimento da estrela eles extasiaram-se, sentindo a consolação e a alegria de quem tem retidão de espírito. E o prêmio de Deus aos que nunca desanimam nas boas obras: Ele jamais abandona aqueles que não O abandonam!
Uma adoração fruto da fé
11 Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe. Ajoelharam-se diante d’Ele, e O adoraram. Depois abriram seus cofres e Lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra.
Quando os Reis Magos chegaram, a Sagrada Família havia já saído da Gruta e ocupava uma casa em Belém. Ali viram só Nossa Senhora e o Menino Jesus, para se tornar patente que Ela, de fato, é única e foi constituída Medianeira necessária por vontade d’Ele. Sendo Maria Rainha dos Anjos e dos homens, é provável que, por uma inspiração do Espírito Santo, seu Divino Esposo, Ela tenha conhecido os Magos à distância, desde o momento em que começaram a ser tocados pela graça e os acompanhasse pelos caminhos, rezando para que fossem flexíveis e dóceis, e se entregassem à Providência que os chamava. Nossa Senhora, então, sustentou a fidelidade deles, e não seria de estranhar que São José, enquanto Patriarca da Igreja, se unisse a Ela nessa intenção e, inclusive, que ambos conversassem sobre isso.
Bem podemos imaginar que os Reis tenham adorado o Menino nos braços da Santíssima Virgem. Contudo, lemos no Evangelho de São Lucas que os pastores, ao entrar na Gruta, se depararam com Maria, José e o Menino deitado numa manjedoura (cf. Lc 2, 16). Qual o sentido desta diferença? Como se tratava de pessoas muito simples, era mister tomar cuidado para eles não confundirem o Filho com a Mãe e, de repente, A adorarem também. Por isso assumiu Nossa Senhora esta atitude humilde de deixar o Menino reclinado para os pastores Lhe renderem homenagem, seguindo o exemplo de silêncio e oração que Ela lhes dava. Agora, entretanto, não se trata de pastores rudes, mas de pessoas cultas e delicadas. Os Reis não entenderiam que Maria apontasse para um berço, indicando onde estava o recém-nascido, quando seria melhor venerar o Menino nos braços da Mãe.
Por certo, a casa da Sagrada Família não tinha qualquer ar palaciano e, obviamente os Magos encontraram Maria e o Menino sem nenhuma insígnia real. Não obstante, depois da longa viagem, penetraram nesse ambiente modesto e, diz-nos o Evangelista, “ajoelhara 5 diante d’Ele, e O adoraram”. Ou seja, em seu íntimo reconheceram a divindade do Menino! Tiveram, portanto, um movimento de alma íntegro. “Se tivessem partido em busca de um rei terreno e o tivessem encontrado, teriam mais motivos de confusão que de alegria, por terem empreendido tão dura viagem esperando outra coisa. Como, porém, procuravam o Rei do Céu, sentiam-se felizes, embora o que estivessem vendo não apresentasse um rei. [...] Teriam, acaso, adorado um Menino incapaz de compreender a honra da adoração senão tivessem visto n’Ele algo divino? Logo, não adoraram um Menino que nada entendia: adoraram sua divindade, que tudo conhece. Até a qualidade especial dos presentes a Ele oferecidos dá testemunho de que tinham algum vislumbre ou indício da divindade do Menino”.7
Eles, Reis, já talvez avançados em idade, se ajoelhavam para adorar uma criança. No fundo, desejavam ser escravos de Nosso Senhor Jesus Cristo e dar-se a Ele completamente, com todos os seus bens. Esta era a razão de Lhe ofertarem magníficos presentes: ouro por reconhecerem n’Ele a realeza, o Rei dos reis; incenso por sua divindade, é Deus e merece ser incensado; e mirra, pois querem oferecer-Lhe seus sacrifícios e, com isso, serem beneficiados por suas graças. Exorta-nos, a este propósito, Santo Elredo: “como não convém chegar a Cristo ou adorá-Lo com as mãos vazias, preparai-Lhe vossos presentes. Oferecei-Lhe ouro, ou seja, um amor verdadeiro; incenso, uma oração pura; e mirra, a mortificação de vosso corpo. Com estes dons, Deus Se aplacará convosco, para alvorecer sobre VÓS e manifestar-se sua glória em vós. Ele será glorificado em vós e vos fará participar de sua glória”.8
O caminho dos Magos e o de Herodes
12 Avisados em sonho para não voltarem a Herodes retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho.
O autor da Obra Imperfeita 9 comenta que os Reis trilharam o caminho de Herodes até Jesus, mas não o de Jesus a Herodes, pois quem fez o caminho do mal para o bem não pode voltar à vida anterior. Ademais, em contato com o Menino Jesus e com Nossa Senhora, devem ter sentido uma consolação enorme e, decerto andavam por permanecer junto a Eles para sempre. Perceberam, todavia, não ser esta a vontade de Deus, e retornaram às suas terras para serem lá os arautos do Messias. Nós, igualmente, uma vez descoberta a finalidade para a qual somos criados, temos de fazer apostolado e procurar que todos gozem da mesma felicidade.
Tremendo contraste entre os Magos vindos do Oriente e aqueles que são os principais beneficiados por Nosso Senhor: os de sua pátria! Os primeiros recebem uma graça de discernimento dos espíritos, uma intuição profética por onde veem a santidade de Maria e de José, e a divindade de Jesus Cristo, a ponto de caírem de joelhos, honrando-O como Rei, Deus e Senhor, a despeito das exterioridades. Os outros não O reconhecem e não O aceitam. E Herodes fará de tudo para matá-Lo, como finalmente o conseguirão os príncipes dos sacerdotes, ao rejeitar e crucificar o Messias, que não Se coadunava com sua mentalidade e seus anseios mundanos.
III - TAMBÉM PARA NÓS BRILHA UMA ESTRELA
A história dos Reis Magos é um extraordinário exemplo de correspondência ao chamado de Deus. Viram eles uma estrela rutilante dentro da qual — segundo uma bela tradição — se encontrava um Menino que tinha por trás uma luz mais intensa formando uma Cruz 10 e a seguiram sem hesitação. Esta estrela é um símbolo muito expressivo da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Assim como a luz da estrela guiou os Magos, a Igreja é a luz que cintila incessantemente, sem nunca bruxulear nem diminuir seu fulgor, para guiar os povos rumo ao Reino de Deus. E, ao longo dos tempos, todos quantos se converterem é porque de alguma maneira viram esta estrela e resolveram adorar a Jesus Cristo. Ela continua a brilhar e brilhará até o último dia da História, como prometeu Nosso Senhor: “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).
O Salmo Responsorial da Solenidade da Epifania (cf. Sl 71, 11) traz esta magnífica profecia: “As nações de toda a Terra hão de adorar-Vos, ó Senhor!”. Fica patente, nesta sentença inspirada pelo Paráclito, não apenas que Jesus veio para todos, mas que, em determinado momento, a humanidade inteira deverá adorá-Lo. Para que isso se verifique, é indispensável que haja apóstolos, Os primeiros cristãos eram tão poucos! Contudo — como o grão de mostarda, que se desenvolve até tornar-se uma grande árvore —, se espalharam pelo mundo. Hoje, nossa responsabilidade não é menor que a dos Apóstolos, porque a palavra enunciada no Salmo Responsorial ainda não se cumpriu. Há, quiçá, uma obrigação mais grave no presente, já que muitos abandonaram a verdadeira Religião e deram as costas a Deus.
Neste dia manifestamos nossa fé de que, cedo ou tarde, a Religião Católica será admitida e louvada por todos os povos, pois não é possível Nosso Senhor Jesus Cristo ter Se encarnado, ter redimido os homens e ser por eles ignorado.
Somos fiéis ao brilho desta estrela?
Cabe, aqui, uma aplicação pessoal: luziu diante de nossos olhos esta estrela por ocasião do Batismo, quando infundiu Deus em nossa alma um cortejo de virtudes — as teologais: fé, esperança e caridade; e as cardeais: prudência, justiça, temperança e fortaleza, em torno das quais se agrupam todas as outras — e os dons do Espírito Santo, e passamos a participar da natureza divina. Pertencemos ao Corpo Místico de Cristo e o Céu se abre diante de nós. Tornou-se mais resplandecente esta estrela no dia de nossa Primeira Comunhão, ao recebermos o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Cristo glorioso, para Ele nos assumir e santificar. A todo instante ela nos convida à santidade, a rejeitar nossas más tendências e a estar totalmente prontos para ouvir a voz da graça que diz em nosso interior “Vem, segue-me!”, e nos chama a sermos generosos, de forma a cada um de nós também constituir para os outros uma estrela, atraindo-os para a Igreja.
Se, por miséria ou por provação, perdermos de vista esta luz, precisamos ir a Jerusalém, ou seja, à Santa Igreja, a qual, em seus templos sagrados, se mantém sempre à nossa espera para nos indicar onde está Jesus. Ali haverá um sacerdote, estará exposto o Santíssimo Sacramento ou se encontrará uma imagem piedosa, instrumentos para reacender a estrela existente em nosso coração.
Incumbe-nos, ademais, tomar cuidado com o “Herodes” instalado dentro de nós: nosso orgulho, nosso materialismo, nosso egoísmo. Ele almeja apagar esta estrela, pelo pecado mortal, e colocar-nos nas vias dos prazeres ilícitos; quer levar-nos a matar Jesus Cristo que está em nossa alma como um luzeiro cintilante. Seremos do mundo e do demônio se tivermos uma vida dupla, limitando-nos a frequentar a igreja aos domingos e comportando-nos, depois, como se desconhecêssemos a estrela. Devemos, portanto, estar sempre junto a Nosso Senhor, oferecendo-Lhe o ouro do nosso amor, o incenso da nossa adoração e a mirra das nossas misérias e contingências, pedindo constantemente o auxilio de sua graça.
Compreendamos, nesta Solenidade da Epifania, que os Magos nos dão o exemplo de como alcançar a plena felicidade. Com os olhos fixos em Maria, imploremos: “Minha Mãe, vede como sou fraco, inconstante, miserável, e quanto preciso, ó Mãe, da vossa súplica e da vossa proteção. Acolhei-me, minha Mãe, eu me entrego em vossas mãos para que Vós me entregueis a vosso Filho”. E dirigindo-nos a São José, digamos: “Meu Patriarca, senhor meu, aqui estou, tende pena de mim, ajudai-me a pedir a vossa esposa, Maria Santíssima, para Ela ter sempre os olhos postos em mim”. Roguemos aos Reis Magos que intercedam junto ao Santo Casal e ao Menino Jesus, para nos obter a graça de não procurarmos luzes mentirosas, mas seguirmos a verdadeira estrela, ou seja, a da prática da virtude e do horror ao pecado.
1) Outros comentários acerca desta Solenidade em: CLA DIAS, EP, João Scognamiglio. O Espírito Santo e noSsos maravilhamentos? In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.145 (Jan., 2014); p.10-16; Diante do Rei, os bons reis e o mau. In:Arautos do Evangelho. São Paulo. N.85 (Jan., 2009); p.10-19;
2) Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.36-37.
3) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-JI, q.52, al; ad 1.
4) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO Homilía VII, n.3. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.1, p.133.
5) AUTOR INCERTO Opus imperfectum in Matthæum. Homilia II, c.2, n.8: MC 56, 641.
6) Cf. SÃO REMÍGIO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Matthæum, cII, v.7-9.
7) AUTOR INCERTO, op. cit., n.1l, 642.
8) SANTO ELREDO DE RIEVAL. Sermón IV En la manifestación dei Señor, n.36. In: Sennones Litórgicos Sennones 1-14. Burgos: Monte Carmelo, 2008, tI, p.96-97.
9) Cf. AUTOR INCERTO, op. cit., n.12, 643.

10) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.36, a.5, ad 4.