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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Comentário ao Evangelho – II Domingo do Advento - Ano B - Mc 1, 1-8

Comentário ao Evangelho – II Domingo do Advento
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
1 Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. 2 Está escrito no Livro do profeta Isaías: ‘Eis que envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. 3 Esta é a voz daquele que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!’.
4 Foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados. 5 Toda a região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam seus pecados e João os batizava no rio Jordão. 6 João andava vestido de pelo de camelo e comia gafanhotos e mel do campo. 7 E pregava, dizendo: ‘Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. 8 Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo’” (Mc 1, 1-8).
Fazei penitência!
A vestimenta e os hábitos de São João Batista destoavam muito dos costumes daquela sociedade. O contraste dos homens impuros e gananciosos, com aquela figura reta, simples, eloquente, e que bradava: ‘Fazei penitência!’, deixava as consciências profundamente abaladas.
I – O mal no universo criado
À medida que progride, vai a ciência desvendando maravilhas insuspeitadas na vastidão sideral. Constantemente se descobrem novos corpos celestes, muitos deles de fulgurante beleza, dispostos em espaços astronômicos fora de qualquer padrão humano, locomovendo-se com velocidades assombrosas numa delicada e sublime harmonia, reflexo da perfeição do Criador.
Se essa constatação nos causa explicável admiração, consideremos que Deus, em sua onipotência, poderia ter criado infinitos universos, com infinitas outras criaturas, e esses infinitos seres estariam em sua presença por toda a eternidade. Dentro de cada um desses mundos, bem saberia Ele como a História se desenvolve a cada instante. Pois, como sublinha São Pedro na Segunda Leitura deste domingo do Advento, “para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia” (II Pd 3, 8).

É próprio da Providência Divina ordenar os males para o bem
Ora, como conceber que Deus, sendo onipotente e a Bondade em substância, tenha criado este nosso universo onde o pecado pôde se fazer presente já na revolta de Lúcifer, antes da queda de nossos primeiros pais? Por qual razão lhes permitiu Ele a possibilidade de cair? Não teria sido melhor criar uma humanidade incapaz de se deixar arrastar por delírios como a construção da Torre de Babel?
Perguntas como estas afligiram homens de todas as eras, e tornam-se pungentes, sobretudo, em nossos dias tão marcados pelo hedonismo e pela aversão a qualquer sofrimento. Ante elas, cabe lembrar a doutrina de São Tomás de Aquino, segundo a qual “não é incompatível com a bondade divina permitir que haja males nas coisas governadas por Deus”.1
Para justificar sua afirmação, o Doutor Angélico aduz, entre outras razões, a seguinte: “Se o mal fosse totalmente excluído das coisas, daí se seguiria a eliminação de muitos bens. Portanto, não é próprio da Providência Divina excluir das coisas totalmente o mal, mas sim ordenar a algum bem os males que se produzem”.2
Com grande beleza literária, desenvolve esse assunto o padre Monsabré: “O mal é, de si, odioso, mas a industriosa Providência sabe tirar dele proveito em favor do bem. Do espetáculo da iniquidade triunfante, Ela faz nascer o desejo de uma perfeição sublime que compensa, aos olhos de Deus, as humilhações de nossa natureza degradada; da perseguição dos maus, Ela colhe virtudes heroicas, méritos que não conseguiríamos adquirir numa vida tranquila, sacrifícios sangrentos que, unidos ao Sacrifício da Cruz, enriquecem o precioso tesouro da Redenção; das agressões do erro, Ela faz surgir admiráveis manifestações da verdade. A corrupção romana gera o eremitismo da Tebaida, o furor dos carrascos multiplica os mártires, a insolência da heresia chama ao combate os Irineus, os Atanásios, os Hilários, os Cirilos, os Ambrósios, os Agostinhos, os Jerônimos, todo o batalhão sagrado dos Doutores”.3
O mesmo autor acrescenta: “Percorrei a história das catástrofes e nela vereis sempre o mal condenado a favorecer a causa do bem: os “Preparai no deserto o caminho do erros incitando à procura da Senhor, aplainai na solidão a estrada verdade, as heresias abrinde vosso Deus; nivelem-se todos os do campo para os dogmas, vales, rebaixem-se todos os montes as invasões dos bárbaros ree colinas, endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas” (Is 40, 3-4) juvenescendo o sangue e as virtudes dos povos, as revo“Profeta Isaías”, por Aleijadinho - Santuário luções flagelando grandes do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas do Campo (MG) crimes e dando duras e salutares lições à depravação das leis, dos caracteres e dos costumes, as perseguições fazendo germinar a gloriosa raça dos mártires, o crime do Calvário consumando a Redenção do mundo”.4
A libertação anunciada por Isaías
Dentre os numerosos episódios do Antigo Testamento em que vemos Deus suscitar o bem dos males que afligiam o povo judeu basta lembrar, por exemplo, o período do cativeiro no Egito (cf. Ex 1, 8-22) finalizado com Moisés, ou, com ainda maior propriedade, o exílio na Babilônia, ao qual nos remete a primeira leitura deste domingo (Is 40, 1-5.9-11).
Encontravam-se os judeus sob a férula babilônica, chorando e expiando os pecados cometidos, quando, em certo momento, Deus se compadeceu deles e enviou-lhes o Profeta Isaías5 para anunciar a esperada libertação: “Consolai o meu povo, consolai-o, diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém e dizei em alta voz que sua servidão acabou e a expiação de suas culpas foi cumprida” (Is 40, 1-2).
As palavras do profeta indicam com clareza ter chegado a hora do perdão para o povo de Deus. Ele tomou a iniciativa de tirá-lo do cativeiro, impondo-lhe apenas uma condição: “Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada de vosso Deus; nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas, endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas” (Is 40, 3-4).
Trata-se aqui de uma linguagem simbólica usada para significar realidades espirituais. Com efeito, o Profeta convida seu povo a abater o orgulho, que leva o homem a julgar-se um deus; a atuar com retidão, corrigindo as ideias erradas; e a eliminar as asperezas geradas na alma pelo amor-próprio e pelo egoísmo. Isto feito, estarão criadas as condições para o Criador manifestar sua bondade e seu poder.
Mas a libertação profetizada por Isaías transborda os limites da Antiga Aliança, devendo ser entendida no seu sentido primordialmente messiânico: “Lá vem o Senhor, nosso Deus! Ele vem com poder, seu braço tudo vence. Vem com Ele o que Ele ganhou, à frente d’Ele o que conquistou. Qual pastor que cuida com carinho do rebanho, nos braços apanha os cordeirinhos, para levá-los ao colo, e à mãe ovelha vai tangendo com cuidado” (Is 40, 10-11).
Assim, a primeira leitura deste domingo, de diáfana e riquíssima simbologia, prepara nossas almas para a chegada do Redentor.
II – A voz que clama no deserto
A Liturgia de hoje nos apresenta o início do Evangelho de São Marcos, chamado por São Justino de Memórias de Pedro,6 pois o Evangelista, discípulo e intérprete do Apóstolo, teve uma só preocupação ao escrevê-lo: inteira fidelidade a tudo quanto ouvira de seu mestre.7
Por isso, comenta um autor do século passado: “Através de seu grego hebraizante, apoiados nos antigos testemunhos e no exame interno do livro, podemos reconhecer emocionados a inconfundível fisionomia de São Pedro [...]. Este é o Evangelho de Pedro, composto com singeleza por seu discípulo, sem outra pretensão literária a não ser a de reproduzir as pregações de seu mestre”.8

Muito significativo é o fato de ter sido redigido este segundo sinótico em Roma, para um ambiente no qual predominavam os gentios convertidos. Com efeito, segundo narra Eusébio de Cesareia, a origem desse manuscrito está nos insistentes pedidos feitos a Marcos pelos ouvintes do Príncipe dos Apóstolos. Eles o importunaram com todo gênero de exortações a compor um memorial escrito da doutrina que lhes fora transmitida de viva voz. E não deixaram o Evangelista em paz enquanto este não conseguiu finalizar sua tarefa.9

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