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sábado, 24 de maio de 2014

SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR - Ano A - Mt 28, 16- 20



Naquele tempo, 16 os Onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando viram Jesus, prostraram-se diante d’Ele. Ainda assim alguns duvidaram.
18 Então Jesus aproximou-Se e falou: “Toda a autoridade Me foi dada no Céu e sobre a Terra. 19 Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20 e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 16- 20)



O penhor da nossa vitória
Ao assumir nossa carne, quis o Filho de Deus viver entre nós para nos dar o exemplo da plenitude da perfeiçõo a que deseja nos elevar A subida do Senhor aos Céus é também um ponto de imitação. Como será, então, a nossa?
I - A HORA DA PARTIDA DE JESUS CRISTO
Igreja celebra na Quinta-feira da 6ª Semana do Tempo Pascal a Solenidade da Ascensão do Senhor, transferida no Brasil para o 7 Domingo da Páscoa, por razões pastorais. Houve épocas em que esta festividade era realizadacom grande brilho. Assim como se comemora à meia-noite do dia 24 de dezembro o nascimento do Menino Jesus e às três horas da tarde da Sexta-Feira Santa a sua Morte, a Ascensão o era ao meio-dia. Na Idade Média costumava-se realizar uma procissão para representar o trajeto feito por Nosso Senhor, acompanhado pelos Apóstolos e discípulos, de Jerusalém ao Monte das Oliveiras, de onde Ele ascendeu para junto do Pai (cf. At 1, 12). Durante a Missa, o diácono apagava o Círio Pascal logo após o
cântico do Evangelho, simbolizando o último episódio da existência visível do Redentor na Terra.
Hoje, ao contemplarmos sua subida aos Céus, tenhamos presente que Jesus não nos abandonou, mas, pelo contrário, continua conosco, conforme a promessa feita no Evangelho: “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”. E nós, enquanto filhos, também desejamos permanecer com Ele, uma vez que veio a este mundo trazer-nos a participação na sua natureza divina.
II - QUANDO SERÁ RESTAURADO O REINO?
Ao longo de seus escritos, os evangelistas procuram expor os acontecimentos centrais da vida terrena de Nosso Senhor, na maior parte da qual Ele assumiu um corpo padecente como o nosso. No entanto, com exceção de São Lucas, quase nada dizem a respeito da Ascensão (cf. Mc 16, 19), evento de suma importância. Apenas no terceiro Evangelho encontramos alguns versículos dedicados a este mistério (cf. Lc 24, 50-51), além de um relato mais pormenorizado, no início dos Atos dos Apóstolos, em que, dando sequência a seu primeiro livro, o mesmo autor descreve a ação mística de Jesus após sua partida para os Céus, ou seja, o desenvolvimento e expansão da Igreja em seu nascedouro.
Por tal razão, e por ter sido o término do Evangelho de São Mateus objeto de outros comentários,’ será ele analisado à luz da narrativa da Ascensão feita por São Lucas — primeira leitura desta Solenidade (At 1, 1-11) —, já que o texto evangélico não se refere propriamente ao fato histórico da despedida de Nosso Senhor, mas sim a uma de suas aparições ocorrida durante os quarenta dias em que, ressuscitado, conviveu com os Apóstolos e lhes transmitiu seus últimos ensinamentos.
Errônea concepção a respeito do Messias
Naquele tempo, 16 os Onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando viram Jesus, prostraram-se diante d’Ele. Ainda assim alguns duvidaram.
Várias destas manifestações de Nosso Senhor nesse período deram-se na Galileia. Ao escolher uma região afastada de Jerusalém tornava-se patente que o verdadeiro culto a Deus não se prendia mais ao Templo, mas à sua Pessoa Divina. O primeiro versículo do Evangelho recorda também sua predileção pelos lugares elevados, tantas vezes demonstrada durante sua vida pública. Alguns acreditam que este episódio tenha ocorrido no Tabor, outros em um dos montes situados nas proximidades do Lago de Genesaré.2 O certo é que o local foi determinado pelo próprio Jesus por razões sapienciais, como comenta São Rábano Mauro: “O Senhor apareceu-lhes num monte para dar a entender que o Corpo que havia tomado da terra ao nascer — como sucede a todos os homens — já estava elevado acima de todas as coisas terrenas quando ressuscitou, e ensinava aos fiéis que, se desejassem ver como Ele a magnificência da ressurreição, deviam esforçar-se por passar das mais baixas paixões às mais elevadas aspirações”.3
Ao reconhecerem Jesus, os Onze prostraram-se diante d’Ele para adorá-Lo. Bem podemos cogitar que nesses encontros durante sua permanência visível entre nós antes de subir aos Céus, os Apóstolos sentiam no fundo da alma que algo grandioso estava para acontecer. Entretanto, apesar de O haverem acompanhado em sua pregação, de terem passado pelo terrível trauma de vê-Lo preso, flagelado, coroado de espinhos, morto na Cruz e sepultado, tendo inclusive constatado o milagre da Ressurreição e presenciado suas aparições já em Corpo glorioso ao longo de quarenta dias, não souberam interpretar bem aquela promessa imponderável feita pela graça em seu interior, porque lhes faltava a descida do Espírito Santo. Deduziram eles, equivocadamente, ter chegado a hora do triunfo social de Cristo.
Conforme crença comum entre os judeus, aguardavam eles a restauração da soberania política de Israel, levada a uma nova plenitude em que, finalmente, o povo eleito estivesse acima de todas as nações, sem precisar pagar impostos aos romanos. E imaginavam Jesus como o rei ideal segundo essa perspectiva. Em consequência, a divulgação do Evangelho, como Ele havia recomendado que fizessem, seria feita ao mesmo tempo com a palavra nos lábios, a espada na mão direita e uma bolsa na esquerda.
Embora eles, enquanto membros do povo judeu, estivessem já por vários anos sofrendo a perseguição e o ostracismo, não entendiam o motivo pelo qual Deus permitia esses infortúnios, o que na verdade visava instruí-los a não depositar a esperança no poder, na política ou no dinheiro, e sim no sobrenatural, na Religião verdadeira, na Redenção operada por Cristo e na Revelação feita por Ele. Surpreende-nos comprovar que essa errônea concepção tenha perdurado por tanto tempo entre os Apóstolos, mas a realidade é que nas aparições de Nosso Senhor ressuscitado, e até no momento da Ascensão, eles ainda pensavam numa glória humana, a ponto de chegarem a indagar: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino em Israel?” (At 1, 6). A explicação mais corrente dos exegetas a essa passagem centra-se na mentalidade deformada dos que a formularam, e poucos se detêm na significativa resposta do Divino Mestre.
Cristo reina por meio da Igreja
Com efeito, é de se notar como, nessa ocasião, Ele não contradiz os discípulos, não refuta de forma violenta seu anseio de um poderio ostensivo na face da Terra. Ao invés disso, lhes diz: “Não vos cabe saber os tempos e os momentos que o Pai determinou com a sua própria autoridade” (At 1, 7). E uma clara alusão a que algo na linha do que desejavam de fato se realizaria, mas no tempo estabelecido pela vontade divina. Momentos, portanto, em que a onipotência de Deus tem de se manifestar com todo o seu vigor na obra d’Ele chamada Santa Igreja Católica Apostólica Romana, verificando-se os efeitos do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, de valor infinito, derramado no Calvário. Haverá então um só rebanho, sob a égide de um só pastor, e a autoridade de Cristo se exercerá de modo refulgente, inclusive com reflexos na vida social.
Essa mesma perspectiva, descortinada pelo Senhor no dia de sua Ascensão, nós a encontramos nos subsequentes versículos deste Evangelho:
18 Então Jesus aproximou-Se e falou: “Toda a autoridade Me foi dada no Céu e sobre a Terra”.
Tal autoridade “no Céu e sobre a Terra” Nosso Senhor a possui desde todos os séculos, enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Filho Unigênito de Deus. Porém, enquanto Homem Ele a recebeu por direito de conquista através do sacrifício de sua Paixão e Morte, como observa São Jerônimo: “Foi dado o poder Aquele que pouco antes havia sido crucificado, sepultado num túmulo, que jazia morto e depois ressuscitou. Foi-Lhe dado o poder no Céu e na Terra para que o que antes reinava no Céu agora reine em toda a Terra, por meio da fé dos que creem”.4
Muitas vezes, contudo, a Igreja enfrenta terríveis tribulações nas quais seus inimigos empreendem todos os esforços para arrebatar a sua autoridade. A análise da História nos leva a comprovar que Deus permite, em certas circunstâncias, até mesmo um triunfo aparente do mal. E quando este está prestes a atingir o seu auge e a ponto de cravar o estandarte da vitória absoluta, Deus reverte o curso dos acontecimentos. Assim, dado que nunca houve uma crise tão grave como a de nossos dias, em que o progresso do mal se encontra num estágio avançado e vislumbra seu êxito total, é necessário que, em determinado momento, este mesmo mal seja acuado, aterrorizado, humilhado e jugulado, e a Igreja brilhe com novo fulgor. Esta vitória, como acima dissemos, não se limita à santidade no campo das almas, que ela sempre suscitou desde que foi fundada, mas abarca inclusive a sacralização da ordem temporal.
Ensina São Paulo que a própria criação, com a “esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, [...] geme e sofre como que dores de parto” (Rm 8, 21-22), pois, se foi “sujeita à vaidade” (Rm 8, 20), também deve ser beneficiada pela Redenção. Da mesma maneira, pode-se afirmar que a sociedade civil, a qual está na base da espiritual e lhe oferece elementos, foi fortemente atingida pelo pecado e precisa receber neste mundo — pois ela não passará para a eternidade — a sua glória, pelos méritos do Salvador. A assembleia celeste, todavia, formada pelos Santos, é perpétua e seu prêmio consiste no convívio com Deus, na visão beatífica.
A nós, como outrora aos discípulos, não nos “cabe saber os tempos e os momentos”, mas temos certeza de que essa glorificação virá, pois Nosso Senhor possui pleno domínio sobre todas as coisas e, por mais que os homens queiram impedir o cumprimento de seus desígnios, Ele os realizará quando for de sua vontade.
A necessidade de evangelizar
19 “Portanto, Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20a e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei!”

Abandonando o futuro nas mãos de Deus, o que deveriam fazer os Apóstolos? Pôr em prática a recomendação de Jesus neste versículo, sem pensar em qualquer restauração segundo seus critérios deturpados, preparando-se para serem testemunhas da Boa-nova em todo o orbe, sem contar com qualquer recurso militar, político ou financeiro, e sim com a força do Espírito Santo, como Ele lhes garantiu antes de deixá-los: “descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da Terra” (At 1, 8). Com este irresistível poder eles começariam a divulgar os ensinamentos do Divino Mestre e o Reino de Deus se implantaria de forma impalpável, muito mais através da fé do que pelos meios concretos, tal como o grão de mostarda que, ao ser semeado, vai se desenvolvendo quase imperceptivelmente até alcançar vigorosa expansão (cf. Mt 13, 3 1-32).
Continua no próximo post

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Comentário ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21

Conclusão dos comentários ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21
Uma ideia equivocada de teofania
21b “Ora, quem Me ama, será amado por meu Pai, e Eu o amarei e Me manifestarei a ele”.
Os Apóstolos, ainda por demais influenciados pela falsa concepção messiânica vigente em Israel, esperavam uma manifestação extraordinária de Nosso Senhor para o mundo inteiro, como se deram por vezes no Antigo Testamento. Imaginavam assim uma glorificação terrena de Jesus, o qual seria reconhecido pelo povo como o Messias libertador.
Meros interesses mundanos nesses homens, entretanto, chamados a serem as pilastras, os fundamentos da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana!
Ora, uma demonstração inequívoca da divindade de Jesus tornaria a Fé menos meritória. Escutar, em meio a tremores de terra, nuvens de fumaça evolando-se da montanha, toques de trombetas, uma voz proclamando: “Eu sou o Deus de Israel...”, levaria a uma aceitação do Messias mais pela evidência do que pela Fé, o que acabaria sendo inútil. Com efeito, já não haviam bastado os incontáveis milagres feitos pelo Divino Mestre diante de multidões? Quantos cegos passaram a ver, quantos paralíticos a andar, quantos leprosos ficaram limpos! Sem contar as multiplicações dos pães e dos peixes. A tudo o povo assistira de coração endurecido. Por acaso, na suprema hora da Paixão, algum desses miraculados por Jesus — e foram muitos! — levantou-se para defender seu grande Benfeitor?
Era necessária uma conversão, uma mudança de mentalidade daquele povo. Quando Nosso Senhor disse que Se manifestaria a quem guardasse sua palavra e O amasse, causou surpresa nos Apóstolos, como nos é revelado pela pergunta feita logo a seguir por Judas Tadeu: “Senhor, como se explica que Te manifestarás a nós e não ao mundo?” (Jo 14, 22). E a voz desse Apóstolo não passava de um eco do pensamento dos demais, conforme ouvimos pouco antes Filipe pedir: “Mostra-nos o Pai” (Jo 14, 8), e Tomé indagar: “Mas, Senhor, não sabemos para onde vais, como é que vamos saber o caminho?” (Jo 14, 5).
A manifestação de Jesus a quem O ama
Preocupados em presenciar algo retumbante, não viam os Apóstolos a grandiosa sublimidade que se passava diante deles. Comenta Royo Marín: “Ao revelar-nos sua vida íntima e os grandes mistérios da graça e da glória, Deus nos faz ver as coisas, por assim dizer, do seu ponto de vista divino, tal como Ele as vê. Faz-nos perceber harmonias de todo sobrenaturais e divinas que nenhuma inteligência humana, nem mesmo angélica, teria jamais conseguido perceber naturalmente”.12
Descortinava-se pela fé uma maravilhosa realidade espiritual. “A fé infusa” — comenta Garrigou Lagrange —, “pela qual cremos em tudo quanto Deus nos revelou, porque Ele é a Verdade, é como um sentido espiritual superior que nos permite ouvir uma harmonia divina, inacessível a qualquer outro meio de conhecimento. A fé infusa é como uma percepção superior do ouvido, para a audição de uma sinfonia espiritual que tem Deus por Autor”.13
Nosso Senhor nos promete aqui a maior das recompensas, que Ele explicita mais ainda no versículo seguinte: “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e Nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23).
De fato, que mais se poderia dar ao homem, além de transformá-lo em morada do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Mais do que isso, impossível. Diz São Tomás que tudo Deus poderia ter criado de forma mais bela, mais excelente, com exceção de três criaturas: Jesus, em sua humanidade santíssima; Maria, em sua humanidade e santidade perfeitíssima, e a visão beatífica.14 Ora, aqui nos diz Jesus que já nesta Terra começamos a ser morada do Pai, do Filho e do Espírito Santo, tendo portanto uma vida incoativa, semente de glória posta em nossa alma, que se desabrochará por inteiro na eternidade.
Nisso consiste a manifestação de Nosso Senhor a quem amar e guardar sua palavra: será transformado num tabernáculo da Santíssima Trindade! Sem fenômenos extraordinários, no silêncio, no recolhimento, algo indizível se passará entre as Três Pessoas da Santíssima Trindade e a alma. Quantas vezes não sentimos no fundo da alma a presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, por exemplo, quando por amor a Ele resistimos à tentação e evitamos o pecado?
IV – Peçamos a Maria a vinda do Seu Divino Esposo
A Liturgia do 6º Domingo da Páscoa, insistindo na necessidade do amor para o cumprimento da Lei, nos convida a estarmos sempre abertos às inspirações do Defensor e, em consequência, seremos mais mansos e bondosos, inteiramente flexíveis e desejosos de fazer bem a todos.
Ainda a Divina Providência, por misericórdia, nos concede uma incomparável Intercessora que jamais Se cansará de ajudar-nos: “Maria é a porta oriental de onde sai o Sol de Justiça, a porta aberta ao pecador pela misericórdia [...] Ela será aberta e não será fechada. O povo se aproximará sem temor. Glorificando a Mãe do Senhor, ele O adorará. Recorrendo a Maria e prestando-Lhe suas homenagens, colherá os frutos do holocausto oferecido por Jesus”.15
Peçamos à divina Esposa do Paráclito, Mãe e Senhora nossa, que nos obtenha a graça da vinda o quanto antes deste Espírito regenerador a nossas almas, conforme suplica a Santa Igreja: “Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ” — “Enviai o vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da Terra”.
Tudo, portanto, está ao nosso alcance para sermos o que devemos ser, e assim recebermos o prêmio imerecido do convívio eterno com a Santíssima Trindade.
1SANTO AGOSTINHO. Sermão 268, 2: PL 38, 1232, apud CIC 797.
2PAULO VI. Unitatis redintegratio, n.2.
3Cf. SAURAS, OP, Emilio. El Cuerpo Místico de Cristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1956, p.811-814.
4ROYO MARÍN, OP, Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p.48.
5GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.IV, p.196.
6Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q.18, a.4, ad.3; q.19, a.6, ad.1; q.71, a.5, ad.1; II-II, q.79, a.3, ad.4.
7CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Consagração a Nossa Senhora e a graça divina. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano VIII. N.89 (Ago., 2005); p.24.
8SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS. Histoire d’une âme. Bar-le-Duc: St. Paul, 1939, p.183.
9CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.40.
10CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 5.ed. São Paulo: Retornarei, 2002, p.44.
11LACORDAIRE, OP, HenriDominique. Conférences de Notre-Dame de Paris. Paris: J. de Gigord, 1921, v.IV, p.312.
12ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teologia de la Perfección Cristiana. 5.ed. Madrid: BAC, 1968, p.475.
13GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. Les trois ages de la vie intérieure. Montréal: Lévrier, 1955, v.I, p.67.
14SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I, 25, a.6, ad.4: “A humanidade de Cristo, pelo fato de estar unida a Deus; a Bem-Aventurança criada, por ser o deleitar-se em Deus; e a Bem-Aventurada Virgem, por ser a Mãe de Deus, têm até certo ponto infinita dignidade, provinda do bem infinito que é Deus. Sob este aspecto, nada pode ser feito melhor do que eles, como nada pode ser melhor do que Deus”.

15JOURDAIN, Zèphy-Clément. Somme des Grandeurs de Marie. 2.ed. Paris: Hippolyte Walzer, 1900, v.I, p.694.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Comentário ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21

Continuação dos comentários ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21

III – Preparação para a descida do Espírito Santo
15b “...e Eu rogarei ao Pai, 16 e Ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco:”
O termo Defensor — Paráclito, tradução do original grego Parakletos — significa etimologicamente “chamado a auxiliar”, como o vocábulo latino Advocatus. Quando Se refere ao Espírito Santo como Defensor, Nosso Senhor emprega essa palavra no sentido de Advogado. Cabe ao advogado a função de defender em juízo a causa de seus clientes, apresentando todos os argumentos e provas para que estes não sejam condenados.
Ora, dada a contingência humana, todos nós cometemos faltas. Como afirma São João, com exceção apenas de Nossa Senhora e do próprio Jesus Cristo, Homem Deus, quem diz que não tem pecado é um mentiroso (cf. I Jo 1, 8).
Assim, todos somos réus e, com razão, tememos a justiça divina. Como nos apresentaremos diante do Juiz com essas lacunas, sem termos a integridade de que nos fala o versículo anterior? Por essa razão, o Divino Pastor nos promete enviar o Defensor para nos auxiliar na prática da Lei.
De fato, quando agimos bem, devemos ter certeza absoluta de que nossa boa ação não é fruto de nossa pobre natureza decaída, mas sim do indispensável auxílio da graça divina. Santa Teresinha experimentava claramente esta insuficiência ao escrever: “Sentimos que, sem o socorro divino, fazer o bem é tão impossível como trazer de volta o Sol ao nosso hemisfério durante a noite”.8
Esse Defensor, afirma ainda Nosso Senhor, permanecerá para sempre conosco. Ou seja, estará agindo sem cessar, protegendo e consolando, embora não na mesma intensidade, e por vezes de modo imperceptível. Cabe-nos, assim, ouvirmos o que Ele nos diz no fundo da alma, seguindo os princípios e os ditames de nossa consciência. Para isso também, temos necessidade de uma graça divina.
Se formos fiéis a essas inspirações, teremos um Advogado contra as acusações apresentadas por nossa consciência e aquelas que o demônio fará a cada um de nós, no Juízo Particular. Oposição entre o Espírito Santo e o mundo
17a “o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não O vê nem O conhece”.
O que leva o mundo a não ver nem conhecer o Espírito da Verdade?
Quem resolve seguir princípios contrários à Lei de Deus, procura deformar e aquietar a sua consciência, para não ouvir a voz do Espírito Santo que está sempre a indicar-lhe as retas vias da virtude e da santidade à qual todos — sem qualquer exceção — são chamados, conforme a doutrina bem explicitada pelo Concílio Vaticano II: “Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição: ‘Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito’ (Mt 5, 48) [...] É, pois, claro a todos que os cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”.9
Participar do relacionamento entre as três Pessoas divinas
17b “Vós O conheceis, porque Ele permanece junto de vós e estará dentro de vós. 18 Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós. 19 Pouco tempo ainda, e o mundo não mais Me verá, mas vós Me vereis, porque Eu vivo e vós vivereis. 20 Naquele dia sabereis que Eu estou no meu Pai e vós em Mim e Eu em vós”.
A cena é emocionante. Nesse discurso de despedida, Nosso Senhor quer deixar patente que cada um de nós, batizados, faz parte desse relacionamento de familiaridade entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Como o Pai está no Filho, a Trindade estará em mim, se eu amar a Deus e cumprir a Lei. O Espírito Santo estará em mim, e serei templo vivo d’Ele.
Como devemos, pois, cuidar desse templo, desse tabernáculo que somos nós mesmos, nunca permitindo que nele entre a desordem do pecado!
Não existe amor sem humildade
21a “Quem acolheu os meus mandamentos e os observa, esse Me ama”.
Aqui o Divino Mestre retoma a ideia do início do Evangelho deste domingo: amar a Deus sobre todas as coisas significa praticar os Mandamentos. Nisto consiste a prova do verdadeiro amor.
Ora, podemos dizer que a base fundamental para acolher os Mandamentos da Lei de Deus se chama humildade. O orgulhoso confia em si, julga-se capaz de tudo e, por isso, não verá necessidade de crer num Deus onipotente. Para acolher os Mandamentos, deve-se rejeitar aquilo a que a natureza humana decaída aspira: ser considerada deus. A partir do momento em que a pessoa se inclina ao pecado, começa a ceder em matéria de orgulho ou de sensualidade, e se não receber uma proteção muito especial da graça, ela irá até o último limite do mal.
Observa a este propósito o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “Como os cataclismos, as más paixões têm uma força imensa, mas para destruir. Essa força já tem potencialmente, no primeiro instante de suas grandes explosões, toda a virulência que se patenteará mais tarde nos seus piores excessos”.10
O perigo das concessões
De fato, as concessões ao pecado comparam-se a uma pequena bola de neve que se desprende do alto do monte, vai crescendo à medida que desce e acaba provocando uma avalanche. Aparentemente insignificantes no princípio, se não forem combatidas, podem levar a alma ao extremo desta absurda pretensão: “Hei de subir até o céu e meu trono colocar bem acima das estrelas divinas, hei de sentar-me no alto das montanhas pelas bandas do norte, onde os deuses se reúnem! Vou subir acima das nuvens, tornando-me igual ao Altíssimo” (Is 14, 13-14).
O delírio de querer ser Deus está incrustado em todo defeito consentido. Ilustra bem isso a tentação proposta a Eva pelo demônio, incitando- a a comer do fruto proibido: “No dia em que dele comerdes [...] sereis como deuses” (Gn 3, 5). Comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal era a única proibição que havia no Paraíso! Contudo, Adão caiu, e seu pecado produziu, segundo Lacordaire, “efeitos desastrosos, tais como o obscurecimento do espírito, o enfraquecimento da vontade, o predomínio do corpo sobre a alma e dos sentidos sobre a razão, consequências lamentáveis que nos são por demais reveladas pela experiência que fazemos, em nós mesmos, do império do pecado”.11
Até hoje a humanidade inteira padece as consequências dessa primeira transgressão a uma ordem de Deus, cometida no Paraíso. E Nosso Senhor Jesus Cristo teve de encarnar-Se e voluntariamente derramar todo o seu sangue para repará-la. Por aí se mede quanto precisamos de vida interior, de oração e de vigilância para cortarmos logo no início tudo quanto possa nos conduzir ao pecado.

O contrário desta situação nos é dado pelo maravilhoso convite do versículo seguinte.
Continua no próximo post.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21

Continuação dos comentários ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21
II – O amor, condição para Se cumprir a lei
A passagem do Evangelho considerada hoje integra o grande “Sermão da Ceia” pronunciado por Jesus ao terminar o banquete pascal, após Judas Iscariotes ter-se retirado para consumar sua traição. São João foi o único evangelista a consignar este discurso, talvez o mais belo e mais admirável proferido pelos adoráveis lábios do Redentor.
A humildade manifestada momentos antes por Cristo ao lavar os pés de cada um de seus discípulos — que havia pouco disputavam o primeiro lugar... — gravara em suas almas uma profunda impressão da bondade divina e ao mesmo tempo tornara neles ainda mais intensa a consciência da própria indignidade. Por outro lado, o comovedor anúncio da traição de um dentre eles provavelmente os deixara desconcertados e aterrorizados. Por fim, a instituição da Sagrada Eucaristia, grande Sacramento de amor, estreitara ainda mais os laços que os uniam ao Senhor, incutindo-lhes confiança e abrindo-lhes os horizontes da vida eterna.
“O fato de Jesus ter falado só aos seus Apóstolos, aos quais acabava de instituir sacerdotes e de comunicar seu Corpo e Sangue” — comenta Gomá y Tomás —, “e de ser o último colóquio que com eles teria antes de sua morte [...] confere um relevo extraordinário a este discurso. Nele o Divino Mestre abriu de par em par seu pensamento e seu coração, dando-lhes o que poderíamos chamar a quintessência do Evangelho”.5
15“Se Me amais, guardareis os meus mandamentos...”
Quando contemplamos uma bela imagem de Nossa Senhora, ficamos encantados com a expressão que o artista soube imprimir aos traços fisionômicos, ressaltando esta ou aquela virtude a fim de estimular a piedade dos fiéis. Entretanto, bastaria um risco no rosto para desqualificar a obra inteira.
São Tomás, repetindo o princípio de Dionísio Areopagita nos ensina que o bem procede de uma causa íntegra, enquanto o mal, de qualquer defeito: “Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu”.6 E se desejamos a perfeição numa imagem de Nossa Senhora, devemos querê-la também, por coerência, no bem que praticamos, pois se nele houverqualquer defeito, já estará presente o mal. Precisamos, pois, nos esforçar para praticar os Mandamentos em sua integridade.
Dá significativo testemunho a este respeito o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, recordando suas entusiasmadas reações nas aulas de Catecismo sobre os Dez Mandamentos: “Como eles são belos e apaziguam a alma! Lembro-me — há tantos anos! — de quando os aprendi; decorava-os e dizia para mim mesmo: ‘Que coisa bonita! Não mentir, não roubar, honrar pai e mãe, amar a Deus sobre todas as coisas, não tomar em vão seu Santo Nome, etc.’ E, encantado, pensava: ‘Se todas as pessoas agissem assim, como o mundo seria belo e diferente do atual!’”.7
Se amarmos esses divinos preceitos com o ímpeto e a força que de nós espera o Criador, teremos mais facilidade de observá-los, porque antes de tudo é preciso amar, conforme lê-se no Deuteronômio: “O que te pede o Senhor teu Deus? Apenas que O temas e andes em seus caminhos; que ames e guardes os Mandamentos do Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma, para que sejas feliz” (Dt 10, 12-13). Precisamos, pois, acolher em nosso coração e amar os seus Mandamentos; ou seja, não basta procurar entendê-los racionalmente. Tendo verdadeiro amor e entusiasmo pelo Supremo Legislador, veremos como é bela a prática da virtude e como é horrenda qualquer ofensa a Ele.

Ora, como ter esse amor e onde encontrar forças para cumprir integralmente tal desejo de Nosso Senhor?
Continua no próximo post.

domingo, 18 de maio de 2014

Comentário ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21

Comentário ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21
Evangelho  Jo 14, 15-21
“Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 15 ‘Se Me amais, guardareis os meus mandamentos, e Eu rogarei ao Pai, 16 e Ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: 17 o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não O vê nem O conhece. Vós O conheceis, porque Ele permanece junto de vós e estará dentro de vós. Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós. Pouco tempo ainda, e o mundo não mais Me verá, mas vós Me vereis, porque Eu vivo e vós vivereis. 20 Naquele dia sabereis que Eu estou no meu Pai e vós em Mim e Eu em vós. 21 Quem acolheu os meus mandamentos e os observa, esse Me ama. Ora, quem Me ama, será amado por meu Pai, e Eu o amarei e Me manifestarei a ele’” (Jo 14, 15-21).
O amor íntegro deve ser causa do bem total
I –O  Espírito Santo é a alma da igreja
Maravilhoso é o dom da vida! Tanto nos encantam a inocência e exuberância da criança quanto nos impressiona gravemente a consideração de um corpo humano sem vida. Inerte, encontra-se em estado de violência, de tragédia, dissonante de sua normalidade. Há pouco ainda, notava-se nele como todos os membros e órgãos, tão distintos entre si, entretanto se ordenavam em função da unidade dada pela alma. Ausente esta, o corpo inteiro entra em decomposição.
Fonte de unidade, vida e movimento
Isso que ocorre na natureza humana é imagem de algo muito mais elevado e misterioso: a relação da Igreja com o Espírito Santo. A propósito, esclarece Santo Agostinho: “O que é o nosso espírito, isto é, a nossa alma em relação a nossos membros, assim é o Espírito Santo em relação aos membros de Cristo, ao Corpo de Cristo que é a Igreja”.1
Com efeito, o Espírito Santo, com toda a propriedade, é a alma da Igreja no sentido em que não lhe comunica seu ser substantivo divino, mas lhe dá unidade, vida e movimento. Não só isso, mas Ele a santifica, promove seu crescimento e esplendor, fazendo dela “o Templo do Deus Vivo” (II Cor 6, 16).
De modo que esse corpo moral extraordinário que é a Igreja, só tem verdadeira vitalidade sobrenatural por ação do Espírito Santo. É o que afirma o Papa Paulo VI: “O Espírito Santo habita nos crentes, enche e rege toda a Igreja, realiza aquela maravilhosa comunhão dos fiéis e une a todos tão intimamente em Cristo, que é princípio da unidade da Igreja”.2
 Ação santificadora sobre as almas
Em Jesus Cristo, a união da natureza divina com a humana tem por hipóstase o Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. E nas almas dos justos, a graça santificante, que nos torna participantes da natureza divina, é atribuída por apropriação ao Divino Espírito Santo.3 É, portanto, Ele o promotor da nossa divinização (com “d” minúsculo), da nossa união com Deus. “No cristão” — explica o padre Royo Marín —, “a inabitação equivale à união hipostática na pessoa de Cristo, embora não seja ela, mas sim a graça santificante, que nos constitui formalmente filhos adotivos de Deus. A graça santificante penetra e embebe formalmente nossa alma, divinizando-a. Mas a divina inabitação é como a encarnação do absolutamente divino em nossas almas: do próprio ser de Deus tal como é em Si mesmo, um em essência e trino em pessoas”.4

Para aproveitarmos convenientemente as graças da comemoração de Pentecostes, que se aproxima, a Liturgia deste domingo nos convida a considerar a maravilha da ação santificadora do Espírito Santo em nossas almas. Quão necessitado está o mundo, na situação presente, de um sopro especial d’Ele para mudar os corações e renovar completamente a face da Terra! É nesta perspectiva que devemos refletir nas sublimes palavras do Divino Mestre, propostas pela Igreja à nossa enlevada meditação neste dia.
Continua no próximo post.