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sábado, 31 de maio de 2014

Evangelho Vigília Pentecostes - Jo 7, 37-39 - Ano A

Continuação dos comentários ao Evangelho da Missa da Vigília de Pentecostes - Jo 7, 37-39
II - A PROMESSA DA ÁGUA VIVA
Ora, a solução para o problema do orgulho só a encontraremos na promessa feita por Nosso Senhor no Evangelho escolhido para esta Liturgia.
37a No último dia da festa, o dia mais solene...
O Divino Mestre tinha subido a Jerusalém para a festa dos Tabernáculos, a mais jubilosa de todas as festividades judaicas, cuja duração era de oito dias. Celebrava-se em memória do amparo dispensado por Deus ao povo de Israel, ao longo dos quarenta anos de peregrinação pelo deserto, bem como em ação de graças pelo término da colheita.5
Já nessas alturas de seu ministério público, os ânimos estavam acirrados contra Jesus, sobretudo na Judeia; por este motivo Ele chegara a Jerusalém de maneira despercebida, e só Se manifestou no Templo quando os festejos já iam avançados. Os fariseus, porém, procuravam prendê-Lo, acusando-O de violar o sábado, mas entre o povo as opiniões a seu respeito estavam divididas (cf. Jo 7, 10-32).
37b ...Jesus, em pé, proclamou em voz alta;
Naqueles tempos, quem pregava, explicando a Escritura nas sinagogas, normalmente o fazia sentado (cf. Lc 4, 20) en quanto os ouvintes permaneciam de pé.6 O fato de Nosso Senhor falar em pé — e ainda proclamando em voz alta — denota que Ele ia dizer algo de grande importância e queria Se fazer escutar por todos.
A sede do sobrenatural e a humildade
37c “Se alguém tem sede, venha a Mim, e beba. 38 Aquele que crê em Mim, conforme diz a Escritura, rios de água viva jorrarão do seu interior”.
Entre os diversos ritos da festa dos Tabernáculos estava o da água: ao longo dos oito dias, um sacerdote ia até a fonte de Siloé para retirar um pouco de água, que em seguida era misturada ao vinho das libações no altar do Templo, enquanto o coro cantava a célebre passagem de Isaías: “Vós tirareis com alegria água das fontes da salvação” (12, 3). Esta cerimônia comemorava o milagre operado por intermédio de Moisés, que fez brotar uma fonte do rochedo (cf. Nm 20, 11), mas revestia-se também de caráter messiânico, referente à salvação anelada pelos israelitas, com a chegada do Redentor. Já o nome Siloé — em hebraico siloah —, ou seja, enviado, aludia ao Messias, que haveria de trazer torrentes de bênçãos para o povo eleito.7
Dadas as peculiaridades próprias àquela ocasião, compreende-se que Nosso Senhor as tenha aproveitado para revelar — ainda que de modo um tanto velado — sua missão de verdadeiro Salvador. Ao usar o termo “sede”, o fez no sentido mais elevado da palavra, isto é, sede do sobrenatural, da eternidade, da santidade, da graça. Quem tem sede do sobrenatural é aquele que foge do orgulho e tem a alma aberta para acreditar no Redentor. Em virtude desta fé, nascerá em seu interior uma fonte de água viva.
A água material, um mero símbolo
A água é um elemento criado por Deus com um papel essencial na vida. Sabemos que quase três quartos do nosso planeta são cobertos de água e múltipla é sua utilidade: irrigar as plantações, dessedentar os animais e, sobretudo, manter a saúde do homem. Experimentamos os benefícios da água ao nos ser oferecida para saciar a sede ou quando, após um dia de muito trabalho, proporcionamos ao corpo o alívio de uma ablução; ou se, inclusive, temos a possibilidade de conviver com os peixes — ainda que por pouco tempo — ao mergulhar nas águas do mar... A água limpa, a água lava, a água purifica.
A água material, no entanto, é apenas um símbolo de realidades sobrenaturais que nos são propostas pela fé, como veremos a seguir.
Um milagre infinito!
39a Jesus falava do Espírito, que deviam receber os que tivessem fé n’Ele...
É tão profunda esta doutrina que para melhor ser exposta, podemos usar uma alegoria.
Imaginemos um camponês dos remotos tempos da Idade Média, habitando numa singela casa rural. Certo dia um emissário real lhe anuncia que o soberano resolveu adotá-lo como filho, tornando-o assim irmão de seu primogênito, e também herdeiro. Após o primeiro instante de estupefação de seu interlocutor, ante perspectiva de honra tão extraordinária, o mensageiro continuaria: “O monarca, entretanto, quer transformar tua casa num palácio e vir morar aqui, a fim de estabelecer um relacionamento estreito e diário contigo”. De todos os privilégios enumerados, este seria, sem dúvida, o mais excelente, pois, se grande é a vantagem de pertencer à família real e ser possuidor de inúmeras riquezas, muito maior é a de ser contado entre os íntimos de Sua Majestade!
A história desse homem simples, subitamente mudado em príncipe, é uma pálida imagem do milagre infinito que ocorre em uma criatura humana ao ser qualificada pela graça. Quando as águas ‚ do Batismo são vertidas sobre a cabeça de alguém, o pecado original é apagado, bem como todas as faltas anteriormente cometidas, e lhe é infundida a graça santificante, com as virtudes e os dons. Nesse momento, o Pai, o Filho e o Espírito Santo penetram na alma e fazem dela sua morada. Deus, que já estava na pessoa por essência, por presença e por potência,8 passa a inabitá-la como Pai e Amigo, e a vida sobrenatural passa a borbulhar no interior dela, que se torna templo da Santíssima Trindade!
Não se trata de um templo à maneira do tabernáculo, objeto material inerte onde se conservam as Espécies Eucarísticas, num relacionamento passivo com Nosso Senhor Jesus Cristo ali realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade.

Nossas almas, pelo contrário, são templos vivos, nas quais o Espírito Santo sempre age por meio de um convívio íntimo, a fim de nos santificar. Com efeito, por tratar-se de uma manifestação do incomensurável amor de Deus por nós, tal inabitação atribui-se em particular ao Espírito Santo, Amor substancial.
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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Evangelho Vigília Pentecostes - Jo 7, 37-39 - Ano A

Comentários ao Evangelho da Missa Vigília Pentecostes - Jo 7, 37-39
37 No último dia da festa, o dia mais solene, Jesus, em pé, proclamou em voz alta: Se alguém tem sede, venha a Mim, e beba. 38 Aquele que crê em Mim, conforme diz a Escritura, rios de água viva jorrarão do seu interior”. 39 Jesus falava do Espírito, que deviam receber os que tivessem fé n’Ele; pois ainda não tinha sido dado o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado (Jo 7, 37-39).
Jesus glorioso nos precede!
A restauração da humanidade corrompida pelo orgulho só é possível por uma generosa efusão do Espírito Santo.
A Paixão e consequente glorificação do Homem-Deus a conquistaram para nós.
I - JESUS E MARIA, CENTRO DA CRIAÇÃO
Jesus é a Verdade, a Bondade e a Beleza absolutas e, portanto, a Perfeição. Ele visa, ao agir, o mais elevado e excelente em tudo. Desta forma, o universo — essa magnífica obra dos seis dias preferida por Ele dentre os infinitos mundos possíveis — “não pode ser melhor do que é, se o supomos como constituído pelas coisas atuais, em razão da ordem muito apropriada atribuída às coisas por Deus e em que consiste o bem do universo”,1 comenta São Tomás de Aquino.
Na criação, Nosso Senhor Jesus Cristo é a pedra angular, rejeitada pelos construtores, mas centro da atenção do próprio Deus (cf. I Pd 2, 4-5); pedra em função da qual tudo se estrutura. Com efeito, desde toda a eternidade, na mente divina esteve em primeiro lugar a figura majestosa e insuperável de Cristo, Deus feito Homem e, inseparável dela, a da Santíssima Virgem. Pois, tal é a relação existente entre ambos, que a maioria dos teólogos defende a tese de terem sido Jesus e Maria predestinados num único e mesmo decreto divino.2 Eles são o ponto de referência essencial para a criação de todo o universo. Por isso, pode-se afirmar que tanto um quanto outro estão, em algo, representados em todas as criaturas.
A glória das demais criaturas se fará em função de seus modelos
Por conseguinte, antes destas serem libertadas “do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8, 21), antes de nós recebermos um extraordinário surto de nova vida, isto é, “a adoção filial e a libertação para o nosso corpo” (Rm 8, 23) — como ressalta a segunda leitura de hoje (Rm 8, 22-27) —, era indispensável que primeiro fossem glorificados Jesus e Maria, modelos de toda a criação.
A Liturgia da Vigília desta Solenidade de Pentecostes nos ilustra tal verdade e nos prepara não só para assimilá-la intelectivamente, como também para bem acolhermos a ação do Espírito Santo.
O orgulho leva a querer destronar a Deus
Construção da Torre de Babel
por Bruno Spinello Museo dell’Opera del Duomo, Pisa (Itália)
A primeira leitura (Gn 11, 1-9) relata o episódio, tão repleto de simbolismo, da Torre de Babel, no qual vemos os homens se organizando para um grande empreendimento. Tomados, sem dúvida, pelo prazer de produzir — constante tendência humana no decorrer da História —, aprenderam a fabricar tijolos e se perguntaram que proveito tirar desta nova invenção: “Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja os céus” (Gn 11, 4).
Mas “o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo” (Gn 11, 5). Estas palavras são figurativas — pela necessidade que tem a natureza humana de tornar mais próximo de si um Deus infinito e compreender melhor suas ações —, porque Ele não precisa inclinar-Se para conhecer os acontecimentos: desde sempre Deus tudo sabe! Significa isso que o Onipotente analisa o coração dos orgulhosos, conforme está escrito: “seu olhar perscruta os soberbos” (Si 137, 6). Disse, pois, o Senhor: “Eis que eles são um só povo e falam uma só língua. E isso é apenas o começo dos seus empreendimentos” (Gn 11, 6a). Desponta ali a sofreguidão do homem pelo progresso egoísta, a volúpia e o afã da realização pessoal, os quais, uma vez desatados, não mais se detêm. Primeiro será um tijolo, depois muitos outros tijolos, a seguir uma cidade, por fim uma torre que atinja o céu... até, em certo momento, a ambição de querer derrubar Deus do seu trono.
O Criador, para formar Adão, fez um boneco de barro e soprou em suas narinas. Não só converteu o barro em carne, ossos, sangue e lhe infundiu a vida humana (cf. Gn 2, 7), como também lhe outorgou a participação na vida divina, pela graça. Em contraposição, o homem experimenta a colossal tentação de utilizar-se desse mesmo barro para se equiparar a Deus.
“O orgulho” — escreve o piedoso padre Beaudenom — “tende a privar Deus de sua glória, isto é, de seu próprio papel. Ele ocupa seu lugar, se não intencionalmente — o que seria monstruoso —, ao menos na prática, o que já é bastante detestável”.3 O fim do orgulho é sempre este; e embora queiramos insistir com o presunçoso mostrando-lhe as consequências de seus atos, se não houver um especial auxílio da graça nada o demoverá, como sublinha o texto bíblico: “Agora, nada os impedirá de fazer o que se propuseram” (Gn 11, 6b).
Deus não permite a realização do orgulhoso
Por tal razão, Deus determinou: “Desçamos e confundamos a sua língua, de modo que não se entendam uns aos outros” (Gn 11, 7). Além de ocasionar os piores desastres na vida particular e no relacionamento com os demais, o orgulho traz, sobretudo, a confusão; é uma terrível ferrugem que corrói as verdades sobrenaturais, pois o orgulhoso passa a não mais acatá-las, preferindo discuti-las com raciocínios estranhos a Deus, e a fé vai se esvaindo, por vezes até desaparecer. Eis a tragédia da natureza humana concebida no pecado original.
“A estima de si” — continua Beaudenom — “[...] tende a obscurecer a noção da necessidade de Deus, do recurso a Deus, e mais do que um erro, mais do que uma simples falta, é um imenso perigo, porque esta atitude implica na negação implícita da graça. Sob a influência desta disposição, o orgulhoso não pensa em consultar a Deus e em implorar seu socorro tão necessário. [...] Esse extravio, que nasce de um sentimento viciado, é responsável pelos desastres que às vezes acarreta” .

“E o Senhor os dispersou daquele lugar por toda a Superfície da Terra, e eles cessaram de construir a cidade. Por isso, foi chamada Babel, porque foi aí que o Senhor confundiu a linguagem de todo o mundo, e daí dispersou os homens por toda a Terra” (Gn 11, 8-9). Vemos como aqueles que abraçaram a impiedade na planície de Senaar, querendo dar à Terra um caráter paradisíaco, divorciado de Deus, foram humilhados, segundo a palavra do Salvador: “todo o que se exaltar será humilhado” (Lc 18, 14). Não obstante, o castigo enviado ainda foi uma graça, pois, se lograssem executar seu intento, seria para sua perdição.
II - A PROMESSA DA ÁGUA VIVA
Ora, a solução para o problema do orgulho só a encontraremos na promessa feita por Nosso Senhor no Evangelho escolhido para esta Liturgia.
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segunda-feira, 26 de maio de 2014

EVANGELHO SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR - Mt 28, 16- 20 - ANO A

De Deus viemos, a Ele devemos retornar
No Evangelho de São João encontramos as palavras do Divino Mestre que sintetizam a trajetória de sua vida terrena, e devem também ser o resumo da nossa: “Saí do Pai e vim ao mundo.
Agora deixo o mundo e volto para junto do Pai” (Jo 16, 28). Elas podem se aplicar com toda razão aos homens, pois nenhum de nós criou a própria alma. Apenas o corpo foi formado pelo concurso dos pais e mesmo estes não o engendrariam sem a força de Deus —, mas a alma provém d’Ele, que a cria no instante da concepção para que anime o corpo. Se fomos constituídos por Deus, é preciso que nosso desenvolvimento se faça com vistas a este retorno a Ele, como se deu com Jesus. Eis a extraordinária dignidade de nossa origem e de nossa finalidade: Deus!
No entanto, para atingirmos este fim é indispensável fazer como Nosso Senhor, que viveu com a atenção voltada para o Pai, conforme testemunhou em seu discurso de despedida: “Eu Te glorifiquei na Terra” (Jo 17, 4a). Nisto consiste a missão, o dever moral de cada homem. E não pensemos que tal meta se contrapõe às nossas obrigações no estado familiar ou em qualquer outro, pois se as cumprimos por amor a Deus, em função d’Ele e para Ele, realizamos o nosso chamado e poderemos dizer: “Terminei a obra que Me deste para fazer” (Jo 17, 4b). Com a Encarnação, Jesus revelou à humanidade o Deus Uno e Trino, Pai, Filho que é Ele — e Espírito Santo, e mostrou que a única Religião verdadeira, o único caminho que nos fortalece e nos dá paz é este que Ele trouxe, com o perdão dos pecados, a instituição dos Sacramentos e a felicidade do estado de graça. Por isso pôde afirmar: “Manifestei o teu nome aos homens” (Jo 17, 6). Quanto a nós, devemos continuar a sua obra e, para isso, contar com a força do Espírito Santo que nos é prometida. Se estivermos compenetrados de que somos membros de seu Corpo Místico, chamados a participar da herança de sua glória, e seguirmos a via por Ele aberta, nossos corpos ressuscitarão gloriosos no último dia.
Glorificação da natureza humana
A Ascensão de Cristo é o preâmbulo do que nos aguarda, como Ele anunciou: “vou preparar-vos um lugar” (Jo 14, 2). Ao subir, abre para nós as portas do Céu e, ao cântico dos Anjos, Se estabelece em seu trono ao lado do Pai, representando toda a humanidade, como belamente entoamos nos versos do hino de Laudes desta Solenidade: “Demos graças a tal defensor / que nos salva, que vida nos deu / e consigo no Céu faz sentar-se / nosso corpo no trono de Deus”.12 De fato, no momento em que a humanidade santíssima de Jesus Se assenta no “trono da Majestade divina nos Céus” (Hb 8, 1) e recebe a glória devida, todo o gênero humano é também elevado.
Sabemos, todavia, que só no Juízo Final teremos essa glória, pois antes disso todos morreremos e o corpo não será poupado da decomposição, servindo de alimento aos vermes até se desfazer. Enquanto não o recuperarmos a alma estará, sob certo aspecto, em estado de violência, como explica o padre Royo Marín: “Se é contrário à natureza qualquer mutilação do corpo humano, [...] é evidente que muito mais contrário à natureza humana é que o corpo inteiro se destaque e se separe de sua alma”.’3 Contudo, o período que permeia entre o instante em que fechamos os olhos para esta vida e o da ressurreição no último dia é ínfimo se comparado à eternidade. No fim do mundo comprovaremos o extraordinário poder de Deus pois, assim como criou nossa alma do nada, Ele reconstituirá os corpos a partir do que deles ainda restar; e, se tivermos morrido em graça, os restituirá em estado glorioso, para subirmos ao Céu tal como Nosso Senhor Jesus Cristo em sua Ascensão, comemorada liturgicamente nesta Solenidade.
Ele intercede por nós junto ao Pai
À vista disso, a Oração do Dia adquire especial significado ao recordar que a Ascensão do Senhor “já é a nossa vitória”.14 E prossegue: “Fazei-nos exultar de alegria e fervorosa ação de graças, pois, membros de seu Corpo, somos chamados na esperança a participar da sua glória”.’5 Ele está sentado no trono de Deus, à direita do Pai, como Intercessor, Mediador e Sacerdote, apresentando-Lhe sua humanidade! Sem dúvida, basta-nos isto para obtermos tudo o que necessitamos. E Ele não só oferece sua humanidade, como o faz depois de ter passado por todas as vicissitudes de um corpo padecente, pela Paixão e pela Morte. O padre Monsabré, célebre pregador dominicano, tece algumas considerações sobre este tema: “Lá, Vós concluís a obra de nossa salvação. Lá, Vós fazeis um apelo à nossa fé, à nossa esperança, ao nosso amor, às nossas adorações; lá, precursor diligente e devotado, nos preparais um lugar, mostrando-nos a via que seguistes e as gerações bem-aventuradas que haveis livrado do poder de satanás. Lá, Pontífice misericordioso, Vós mostrais as vossas chagas e aplicais, em nosso favor, os sofrimentos e os méritos de vossa Paixão e de vossa Morte; de lá, derramais sobre nós todos os vossos dons. De lá, enfim, Vós vireis um dia, lei subsistente e viva, Sabedoria Encarnada, Senhor de toda criatura, exemplar de toda vida, plenitude de toda graça, de lá vireis, revestido de grande poder e de grande majestade, para julgar os vivos e os mortos”.16
Deste modo, temos ao lado do Pai alguém que participa de nossa natureza, de nossa carne e de nossos ossos a advogar por nós, acompanhado por Maria Santíssima, que sempre vela com incansável maternalidade pelos homens.
Peçamos a Eles a graça de não serem tisnadas nossas almas pelas ilusões que levaram os Apóstolos a procurarem uma felicidade meramente humana. Esteja nossa atenção sempre voltada para as coisas do alto, buscando restituir a Deus tudo quanto d’Ele recebemos ao longo da vida. E assim como estamos neste mundo para imitar Nosso Senhor, que Se encarnou para ser o Modelo Supremo, assim também devemos nós ser exemplo para os outros. Eis a verdadeira perspectiva neste estado de prova: manter sempre a esperança de que, em determinado momento, estaremos em corpo e alma nos Céus, num eterno e sublime convívio com Deus!
1) Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. De rejeitado a onipotente. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.18 (Jun., 2003); p.6-11; Comentário ao Evangelho da Solenidade da Santíssima Trindade — Ano B, no Volume III desta coleção.
2) Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, vV, p.605.
3) SÃO RÁBANO MAURO, apud SÃO TOMAS DE AQUINO. Catena Aurea. In Matthæum, c.XXVIII, v.16-20.
4) SÃO JERÔNIMO. Comentario a Mateo. L.IV (22,41-28,20), c.28, n.64. In: Obras Completas. Comentario a Mateo y otros escritos. Madrid: BAC, 2002, v.11, p.419.
5) SAO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XC, n.2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (46-90). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.11, p.729.
6) Idem, ibidem.
7) SAO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Suppl., q.89, a.1.
8) Cf. Idem, III, q.53, a.4.
9) Idem, q.57, a.3.
10) Idem, a.6.
11) SAO JOAO CRISÓSTOMO, apud SAO TOMAS DE AQUINO. Catena Aurea In Lucam, c.XXIV v.50-53.
12) SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR. Hino de Laudes. In: COMISSAO EPISCOPAL DE TEXTOS LITURGICOS. Liturgia das Horas. Petrópolis: Ave Maria; Paulinas; Paulus; Vozes, 2000, vIl, p.830.
13) ROYO MARIN, OP, Antonio. Teología de la salvación. 4.ed. Madrid: BAC, 1997, p.174.
14) SOLENIDADE DA ASCENSAO DO SENHOR. Oração do Dia. In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.313.
15) Idem, ibidem.
16) MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie-Louis. Le Triomphateur. In: Exposition du Dogme Catholique. Vie de Jésus-Christ. Carême 1880. 9.ed. Paris: Lethielleux, 1903, v.VIII, p.327-329.


domingo, 25 de maio de 2014

SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR - Ano A - Mt 28, 16- 20

Confusão entre a primeira e a segunda vinda do Messias
2ob “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”.
Jesus em breve partiria para junto do Pai. Antes, porém, faz a promessa de permanecer com os homens até a consumação dos tempos. São João Crisóstomo ressalta que Ele aqui Se refere a todos os membros da Igreja, pois “não disse que estaria somente com eles, mas também com todos os que creriam depois deles. [...] 0 Senhor fala com seus fiéis como a um só Corpo”.5
Além disso, comenta ainda o Santo que Ele chama a atenção dos discípulos para “o fim do mundo, a firn de atraí-los mais e para que não olhem apenas para as dificuldades presentes, senão também para os bens vindouros, que não têm termo”.6
Os Apóstolos, evidentemente, não podiam acompanhá-Lo na Ascensão, pois, quem tem forças para subir ao Céu, “senão aquele que desceu do Céu” (Jo 3, 13)? Entretanto, quando Ele desapareceu envolto em uma nuvem, aproximaram-se dois Anjos vestidos de branco e perguntaram: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o Céu? Esse Jesus que vos foi levado para o Céu virá do mesmo modo como o vistes partir para o Céu” (At 1, 11).
As palavras dos mensageiros celestes são muito expressivas, pois vinham confirmar as promessas de Jesus, abrindo a compreensão dos Onze para começarem a entender que a glória e o aparato desejado para o Messias, e para a instauração do Reino de Deus na Terra, não correspondiam aos planos divinos naquela circunstância, e estavam reservados para o seu regresso. Na realidade, eles confundiam a segunda vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo com a primeira, julgando que esta deveria ser pomposa, tonitruante, cheia de magnificência, brilho e esplendor. Não obstante, Ele nasce numa Gruta, abraça a pobreza a ponto de não ter onde repousar a cabeça (cf. Mt 8, 20), e até os milagres que opera têm um caráter muito sereno, sem grandes ribombos, pois Ele não queria chamar demasiada atenção e até proibia, às vezes, que se fizesse propaganda deles (cf. Mt 12, 15-16; Mc 1, 43-44). Só na segunda vinda — em que “virá do mesmo modo como o vistes partir para o Céu” — Se manifestará com imponência e majestade.
Com efeito, então o Rei dos reis descerá seguido pelo cortejo dos exércitos celestes, montados em cavalos brancos e vestidos de linho de brancura resplandecente (cf. Ap 19, 14). 0 Doutor Angélico defende a tese de que, antes de chegar à Terra, a meia altura, o Salvador será recebido por uma plêiade de cojuízes que irão a seu encontro, como costumam fazer as autoridades de um lugar quando acolhem outra de maior dignidade. São eles varões perfeitos, escolhidos para julgar a humanidade junto com Ele, pois “neles estão contidos os decretos da divina justiça”.7 Só depois, em meio a uma apoteose, será dado início ao Juízo Final, que separará o trigo do joio (cf. Mt 13, 30), os da direita dos da esquerda (cf. Mt 25, 33), e se concluirá com a subida dos bons para o Céu, na companhia do Filho de Deus, enquanto os maus serão precipitados nas trevas.
III - A ASCENSÃO DO SENHOR, PENHOR DA NOSSA
Aquele que hoje Se eleva aos Céus é o mesmo que foi humilhado, açoitado, coroado de espinhos, crucificado entre dois ladrões e depositado num sepulcro. Seu Corpo estava chagado da cabeça aos pés, tal como a respeito d’Ele profetizara o salmista: “sou um verme, não sou homem, [...] poderia contar todos os meus ossos” (Sl 21, 7.18); mas, antes de sua carne começar a sofrer a corrupção (cf. Sl 15, 10), ressuscitou-Se a Si próprio com seu poder divino,8 passou quarenta dias na Terra e voltou para o Pai.
São Tomás se pergunta que força O teria feito subir, e explica que, sendo Ele a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, nesse instante exerceu sua onipotência, pelo que a causa primeira foi sua virtude divina. Baseando-se também em Santo Agostinho, acrescenta que, no momento da Ressurreição, a glória da Alma de Cristo redundou na glorificação do Corpo, com seus atributos próprios, dentre os quais a agilidade, que confere a capacidade de se movimentar segundo o pensamento e o desejo, de maneira que onde está o espírito, lá esteja também o corpo. Ora, não convinha que Ele permanecesse na Terra, uma vez que ela é um local de decomposição, e era preciso que seu Corpo imortal estivesse no lugar apropriado, isto é, o Céu Empíreo. Assim, conclui o Santo Doutor, a segunda causa de sua Ascensão, foi “pelo poder da Alma glorificada que movia o Corpo como queria”.9
Uma promessa feita a toda a humanidade
Nosso Senhor Jesus Cristo alçou-Se por seu próprio poder, e teve a delicadeza de deslocar-Se lentamente, ascendendo não à velocidade do pensamento, mas conforme a admiração dos que presenciavam o milagre. Foi-Se distanciando com calma, sorrindo e abençoando, até Se tornar um ponto cada vez menor e desaparecer. A vista da exaltação do Mestre, todos os circunstantes transbordaram de alegria e “voltaram para Jerusalém com grande júbilo” (Lc 24, 52).
Também para nós a Ascensão é motivo de gozo, de esperança e de fé. Por quê? Usemos de um exemplo para facilitar a compreensão deste mistério e sua implicação na espiritualidade dos fiéis. Seria impossível, e até monstruoso, imaginar que no dia de Páscoa só a Cabeça do Redentor voltasse à vida, enquanto seu Corpo sagrado jazesse chagado no túmulo. Ressuscitando a Cabeça, também todo o Corpo tinha de o fazer! Pois bem, a Igreja é o Corpo Místico de Cristo; e Ele, ressuscitando como Cabeça da Igreja, dá aos batizados o penhor da ressurreição, pois “cada um, de sua parte, é um dos seus membros” (I Cor 12, 27). O mesmo se pode dizer da Ascensão: subindo aos Céus em Corpo e Alma, o Redentor concede a garantia de nos conduzir à eternidade da mesma forma, pois “Ele é nossa Cabeça, mister se faz que os membros vão para onde ela se dirigiu”.’0 A este respeito comenta São João Crisóstomo: “Observe-se que o Senhor nos faz ver suas promessas. Havia prometido ressuscitar os corpos; ressuscitou-Se a Si mesmo dos mortos e confirmou seus discípulos nesta fé, durante quarenta dias. Prometeu que seremos arrebatados ao Céu, e também o provou por meio das obras”.11

Quando o Filho de Deus assumiu nossa carne, quis Ele viver entre nós para dar o exemplo da plenitude e da perfeição em todas as virtudes, atos e gestos que devemos praticar, inclusive na nossa futura partida para o Céu, como esperamos. A Ascensão do Senhor é, pois, para nós, um ponto de imitação. Como será, então, a nossa?
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