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sábado, 28 de junho de 2014

EVANGELHO XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - Mt 11, 25-30

COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - Mt 11, 25-30
II - A VERDADEIRA ESSÊNCIA DA HUMILDADE
Naquele tempo, Jesus pôs-Se a dizer: 25 “Eu Te louvo, á Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. 26 Sim, Pai. porque assim foi do teu agrado”.
Nos dias atuais há quem, incumbido da missão de pregar, afirme ter vindo o Divino Redentor exclusivamente para os miseráveis e pobres, dando uma interpretação social — para não dizer socialista — a diversas passagens do Evangelho, e em concreto a este trecho tão profundo e magnífico, de maneira especial com respeito ao termo pequeninoS.
Os pequeninos no conceito de Jesus
Pequeninos, na linguagem do Divino Mestre, são aqueles que duvidam das próprias forças. sabendo que por sua mera energia e empenho nunca poderão penetrar no plano sobrenatural da graça. Nossa filiação divina não procede de nossos méritos, para que ninguém se ufane (cf. Ef 2, 8-9), mas se opera através do Batismo, pelo qual nos é infundida uma participação criada na vida incriada de Deus: a graça santificante. Mais tarde essa relação com Deus se intensifica por meio dos demais Sacramentos e pelos exercícios de piedade, dos quais haurimos ânimo e vigor para praticar estavelmente a virtude. Eis a essência do Reino de Deus que Nosso Senhor veio anunciar. Portanto, é preciso manter sempre presente no espírito o quanto tudo isso nos vem de uma revelação feita pelo Pai, como assevera São Tiago: “Toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes” (1, 17).
Já era assim no Paraíso Terrestre, onde o homem, criado em graça, embora no estado de prova, e adornado com uma panóplia de dons naturais, preternaturais e sobrenaturais, tinha de reconhecer essa distância infinita existente entre ele e seu Artífice, confessando-se mera criatura e restituindo a Deus o que Lhe é devido. A humildade do ser humano consistia em considerar essa verdade e, por tal convicção, Adão e Eva eram pequeninos. Pequeninos, sim, e ao mesmo tempo grandes, pois sua alma era tabernáculo da Santíssima Trindade, dádiva insuperável, cujo máximo desenvolvimento desabrocharia na glória da visão beatífica. Deus não poderia ter concedido mais!
Maria Santíssima: grande e pequenina diante de Deus
Ora, se nossos primeiros pais saíram das mãos de Deus em graça, nós, seus descendentes, fomos todos concebidos em pecado, com exceção de alguém que jamais cometeu uma falta nem foi tocada pela mancha original: nossa Mãe, Maria Santíssima, escolhida pelo Pai para gerar seu Filho único no tempo. Também Ela era pequenina, como o manifestou na visita à sua prima Santa Isabel, ao dizer: “Magnificat anima mea Dominum, [...] quia resp exit humilitatem ancillæ suæ — Minha alma glorifica ao Senhor, [...] porque olhou para a humildade de sua serva” (Le 1, 46.48). Eis o modo de ser pequenino: testemunhar que tudo aquilo que em nós há de bom vem de Deus.
Nossa Senhora é a humilde por excelência, e não houve quem atestasse tão eximiamente sua pequenez quanto Ela. Mas, de forma análoga, jamais houve quem tivesse noção tão luzidia da grandeza posta por Deus em Si, como Ela. Por isso acrescentou: “quia fecit mihi magna, qui potens est — porque Aquele que é todo-poderoso fez em Mim grandes coisas” (Le 1, 49). De fato, foram-Lhe outorgados favores incomparáveis, a ponto de, n’Ela, Deus como que esgotar sua capacidade de dar. “Basta dizer isto, para tua glória: tiveste por Filho a Jesus’. Pode-se imaginar glória mais excelsa? E, com efeito, dignidade tão admirável que o próprio Deus, apesar de sua onipotência, não poderia criar uma mais sublime. Para que pudesse haver uma mãe maior e mais perfeita que Maria, seria necessário um filho maior e mais perfeito que Jesus” .
Conforme o ensinamento de Jesus, a condição para que o Pai Se revele é essa constatação da nossa indignidade, à imitação de Maria, pois quem assim não procede acaba por encontrar um Deus que lhe esconde “estas coisas”. Como compreender este modo de agir do Pai?
Os sábios segundo o mundo
“Sábios”, no conceito corrente, são aqueles que adquiriram experiência ao longo da vida; e “entendidos” os que se dedicaram a estudos aprofundados. Entretanto, ao referir-Se a eles, Nosso Senhor Jesus Cristo não condena a sabedoria em si — e nem caberia que o fizesse, uma vez que Ele é a Sabedoria Eterna e Encarnada —, mas sim aqueles que se apoiam em sua cultura humana para atingir o plano sobrenatural.
Há os que estudam sem descanso, chegando a se julgar colossos iluminados só porque ostentam seus conhecimentos com maior rapidez que a tela de um computador, e terminam se afastando de Deus ao se apropriar da ciência que não lhes pertence! Esse orgulho da inteligência é dos piores. Ora, diz o Eclesiastes: “vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (1, 2). Quanto mais alguém sabe, mais perceberá quão pouco sabe, pois a sabedoria segundo o mundo é insignificante. Eis o vazio daqueles que se jactam de sua erudição.
Padres e exegetas4 estão de acordo em afirmar que nesta passagem do Evangelho Jesus alude claramente aos fariseus, aos legistas e aos membros do Sinédrio em geral, os quais examinavam a Lei nas suas minúcias e eram tidos por doutos. Comenta, por exemplo, São João Crisóstomo: “Não fala o Senhor da verdadeira sabedoria, que merece todo louvor, senão daquela que eles imaginavam possuir por sua habilidade pessoal.  Se escribas e fariseus, que se tinham por sábios, haviam perdido aquela graça, o deviam a seu próprio orgulho” . A atitude dos soberbos causa repulsa a Deus que, em consequência, os castiga, ocultando-lhes as maravilhas sobrenaturais, enquanto as descobre aos pequeninos.
A Boa-nova aos pequeninos
Por tal razão o Divino Mestre não escolheu os que estavam no Templo, formados nas diversas escolas de fama, e revelou a Boa-nova que Ele vinha trazendo a pescadores, a um cobrador de impostos, a gente simples, na aparência sem importância... Não imaginemos, porém, serem os pescadores naquela época uma classe secundária. A pesca era uma profissão de certo nível, longe de ser avaliada como desprezível na sociedade, mas os que a exerciam não recebiam acurada instrução.6
Sobre esse aspecto particular, merece destaque a opinião do padre Bessières: “Ignorantes? Sim, eles o são aos olhos dos doutores que reinam em Jerusalém. Recrutados nesse ‘populacho maldito que ignora a Lei’, eles são incapazes de dissecar um velho texto para tirar conclusões tão inúteis como descabidas; nem professores, nem casuIstas, nem filólogos. [...] Os Apóstolos eram ‘iletrados’? Não. [...] Os Doze pertencem a essa classe média cuja instrução, naquele tempo, nada tinha a nos invejar. [...] Pobres? Sim, no mesmo sentido em que eram e são nove décimos dos mortais, vivendo de seu trabalho cotidiano, econômicos e sóbrios. Há dois grupos entre os Doze. Um é o dos pescadores do Lago: Pedro e André, Tiago e João, Tomé e Natanael; eles formam, ao que parece, uma pequena sociedade de pesca, como existem nas nossas costas, pondo em comum seu trabalho, com seus frutos e riscos. Eles possuem suas casas, seus barcos, suas redes, e empregam ‘mercenários’. Mais ainda que o primeiro grupo, os do segundo: Mateus, o cobrador de impostos, Filipe, Judas Tadeu, Judas, pertencem à classe média e receberam sua cultura. Cultura desenvolvida no contato com o mundo romano, ao qual seus negócios e depois seu apostolado os misturam”
A esta mediana instrução dos primeiros discípulos soma-se o fato de alguns deles terem sido preparados por São João Batista e outros, quiçá por fé e devoção, se dedicarem ao aprendizado da doutrina.
Jesus, Mediador necessário dos pequeninos
27 “Tudo Me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”.
Ao dizer estas palavras, Nosso Senhor declara ser Ele o Pontífice máximo, o Mediador necessário, o Senhor da Revelação inédita que só Ele pode transmitir. E n’Ele, portanto, fonte e ponto de referência, que devemos nos abeberar para conhecer os esplendores do relacionamento com Deus, adorando-O, com humildade, na preferência do Pai por Ele face ao restante do gênero humano, e na liberalidade em ter-Lhe dado tudo. A alegria que emana da Liturgia deste domingo se concentra em um nome: Jesus Cristo.
No entanto, o Salvador é dadivoso e pródigo em derramar seus dons, até o extremo de entregar sua própria Mãe como Medianeira junto a nós. Apraz-Lhe que nossa relação com Ele e com o Pai se efetue através de Maria, e manifesta-Se ainda mais generoso e acessível às nossas súplicas, quando estas Lhe são por Ela apresentadas.
Cristo convida a todos...
28a “Vinde a Mim todos vós...”
Lindíssima frase, de uma riqueza plena, porque pronunciada por um Ser Supremo e Absoluto, numa efusiva demonstração de ternura para conosco! E um convite universal. Tendo visto a aversão que o orgulho produz em Deus, dir-se-ia que logo seríamos esmagados por sua palavra. Mas não... O mesmo Senhor que detesta os presunçosos e que aparentemente chamaria apenas os humildes, não faz nenhuma acepção de pessoas e a todos deseja trazer alegria e esperança.
“Vinde a Mim todos”. Só Ele pode dizer isso, pois, se fosse uma mera criatura com suas limitações não conseguiria receber a todos, ainda que auxiliado pela graça. Quantas vezes, tomados pelo crescimento das atividades, se torna impossível ouvir cada um dos que se achegam a nós! Cristo, todavia, na sua divindade, é o único capaz de acolher todos os que existem, existiram e existirão, e até os que poderiam vir a existir e não existiram. Quem quer que seja, bastará aproximar-se d’Ele e pedir, deixando-Lhe inteira liberdade de ação, para Ele atender, preencher, extravasar.
Cansava-Se Nosso Senhor?
28b “ …que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e Eu vos darei descanso”.
Neste ponto Nosso Senhor Jesus Cristo faz uma declaração cheia de afeto àqueles que estão cansados. Fatigava-Se Ele?
Voltemos nossos olhos para Jesus na barca de Pedro. Incômoda barca de um pescador daqueles tempos, desprovida dos confortos e maravilhas da técnica que hoje em dia têm os transatlânticos, e com um sacolejo de causar náuseas aos mais sensíveis. Numa tarde de mar encapelado, Nosso Senhor está adormecido na popa da dura embarcação, em meio à procela, recostado sobre uma almofada (cf. Mc 4, 35-38). Os Apóstolos, assustados com o vento e as ondas, decerto ansiavam que aquelas sacudidas acordassem o Mestre, para serem salvos do iminente perigo. Ele, entretanto, dorme um sono tão profundo que nada O interrompe...
Deparamo-nos com uma realidade incompreensível: Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem perfeitíssimO e sem mácula, estava cansado... A doutrina católica nos ensina que, ao Se encarnar, o Verbo quis assumir um corpo padecente, sujeito a certas deficiências corporais decorrentes do pecado. como a fome, o sono, a fadiga, a morte.8 Mas o cansaço experimentado por Ele era puramente físico e bastava-Lhe dormir um tanto para Se sentir repousado. Sua Alma estava na glória da visão beatífica e, enquanto Ele fechava os olhos do Corpo, não Se apagava sua contemplação divina, pois continuava vendo a Deus face a face, sem interrupção.
A fadiga da alma
Também nós, quando nos fatigamos, temos necessidade de nos alimentar bem e de repousar para refazer as energias do corpo. Nossa alma, porém, não se encontra na bem-aventurança e, concebida no pecado original, com frequência se ressente de uma terrível extenuação que sono algum pode vencer. E é este tédio interior que menciona Nosso Senhor. Ele fala àqueles que estão curvados sob o peso da luta contra as solicitações para o mal, contra as próprias misérias e inclinações, as quais é preciso reprimir e, por isso, têm como que as costas sangrando de tanto esforço e combate na vida espiritual. Sem uma fé robusta e inquebrantável não é fácil conduzir a barca da vocação, porque os solavancos e as instabilidades são tremendas, e logo somos assaltados pela tentação que tiveram os Apóstolos em meio à tempestade: falta de confiança.
Jesus está disposto a suavizar nossa peleja e nos oferece alívio, carregando Ele mesmo sobre seus ombros os fardos de todos, e assim o promete não só enquanto Homem — a voz e os lábios são humanos —, mas enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, uma vez que a revelação feita na anterior frase diz respeito à sua divindade. E sua palavra é exata porque Ele é a Verdade e cumpre tudo o que sua boca profere.
Uma escola de humildade
29 “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. 30 Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”.
Ao nos convidar a aprender d’Ele, Jesus Cristo quis significar, segundo os costumes e usos linguísticos da época: “Entrai na minha escola”.9 Ele está fundando uma nova via de humildade e mansidão, e nos atrai a seguir seus passos.
O orgulhoso, contudo, não consegue ser manso, pois abriga em seu coração um dinamismo que o leva a retrucar, a optar pela violência, pela revolta e pela vingança, O orgulho e a rebeldia opõem-se precisamente à mansidão e à humildade, e são, isto sim, a maior fonte das agitações, das depressões, das euforias intemperantes e, portanto, da perda do equilíbrio e da objetividade. Não nos esqueçamos de que, como aponta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, o processo revolucionário que há cinco séculos visa destruir a Civilização Cristã tem uma mola propulsora no orgulho.’°
Este vício, tão enraizado em nossa natureza decaída, se baseia em dois instintos de per se legítimos: o primeiro é a estima de si, e o segundo, o apetite da estima dos outros. Impulsos que provêm, por sua vez, do sentimento da própria dignidade. Cada um deve prezar-se de modo equânime por ser portador de dons concedidos pela Providência, mas também deve saber valorizá-los por amor a Deus, admitindo a gratuidade com a qual lhe foram dados, sem mérito algum de sua parte. O erro consiste, pois, em amar-se em excesso e buscar, também em excesso, o apreço dos demais. Eis a essência do orgulho. Ora, é impossível arrancar ambas as tendências da alma. Como, então, querer-se a si mesmo com justa medida, conforme a reta razão, e, licitamente, procurar a consideração de outrem?
Arquétipo sublime é Nosso Senhor Jesus Cristo! N’Ele se harmonizavam o elevado senso de honra, o perfeito amor a Si e o desejo ordenado da afeição dos homens, com inteira mansidão ao aceitar as humilhações da Paixão, para cumprir docilmente a vontade do Pai. Também os Santos, ao longo da História, são modelos que a Igreja nos propõe. Todos eles adotaram a escola de Jesus e aprenderam d’Ele, reconhecendo os predicados que a Providência lhes confiara — porque a humildade não visa aniquilar a personalidade, nem menosprezar as qualidades —, sem nunca se apegar a essas riquezas, nem utilizá-las como instrumento para se igualar a Deus. Sempre restituidores, fizeram render a cem por um os talentos que receberam.
“A primeira das virtudes” — dizia São João Maria Vianney — “é a humildade, a segunda, a humildade, a terceira, a humildade. Oh! Bela virtude! Os Santos se julgavam nada, mas Deus os estimava e lhes concedia tudo o que pediam. [...1 Tudo o que temos pertence a Deus. E Deus quem no-lo deu; de nosso, não temos mais que o pecado!”.”
III – ENTREMOS NESSA ESCOLA!
É preciso, pois, cuidar de não constituirmos como falsos deuses a técnica, a saúde, o dinheiro, os estudos ou as capacidades pessoais. Nada de idolatria e de orgulho! Quem estabelece divindades para si, esquecendo-se do Deus único, torna-se cego de Deus. Este mal é pior que a perda da vista, porquanto o que dele padece termina por não entender as verdades que o Pai só revela aos pequeninos. De que adianta a alguém participar de uma corrida, tendo-se preparado para atingir a máxima velocidade, se, quando o árbitro soa o apito, avança com toda rapidez fora da pista e na direção errada? Assim acontece com o desventurado que se apresenta ao Supremo Juiz — antes fosse com as mãos vazias! — com as mãos sujas de orgulho e idolatria.
O moço rico, por exemplo, foi um aparente pequenino, que acabou por atirar-se no precipício da idolatria. Menos ilustrado que os Apóstolos, por não fazer parte dos seguidores de Jesus, devia, portanto, mostrar-se mais pequenino do que eles. Todavia, seu extraordinário apreço pelos bens que possuía levou-o a não dar ouvidos à promessa do Senhor: “terás um tesouro no Céu” (Mt 19, 21). Foi convidado e rejeitou porque não quis ser pequenino...
Pelo contrário, quem se entrega por inteiro e entra no discipulado de Cristo, abraçando seu jugo, logo sente o quanto este é suave e leve. As leis que Ele estipula proporcionam o almejado repouso, aprimoram a inteligência, fortalecem a vontade, temperam e requintam a sensibilidade. Elas nos dão, sobretudo, a oportunidade de alcançar a felicidade para a qual somos chamados: a santidade!
Sejamos humildes como o Senhor Jesus é a Humildade, mansos como Ele é a Mansidão, procurando em todas as coisas ser santos como Ele é a Santidade. Na prática destas virtudes, a exemplo do Divino Mestre, encontraremos a paz e a santa alegria para nossas almas.
1)      14 DOMINGO DO TEMPO COMUM. Oração do Dia. In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus,2004, p.358.
2)       Cf. SÃO JOÃO BOSCO. Vestíbulo dei Cielo. In: Biografía y escritos. Madrid: BAC, 1955, p.654-663.
3)       ROSCHINI, OSM, Gabriel. La Madre de Dios según la fey la teología. 2.ed. Madrid: Apostolado de la Prensa, 1958, v.1, p.349.
4)     Cf. SÃO JERÔNIMO. Comentario a Mateo. LII (11,2-16,12), cli, n.30. In: Obras Completas. Comentario a Mateo y otros escritos. Madrid: BAC, 2002, v. II, p.139; TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, vV, p.272.
5)       SAO JOÃO CRISOSTOMO. Homilía XXXVIII, nl. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.1, p.755-756.
6)       Cf. WILLIAM, Franz Michel. A vida de Jesus no país e no povo de Israel. Petrópolis: Vozes, 939, p.146.
7)      BESSIÈRES, SJ, bert. Jésus formateur de chefs. Paris: Spes, 1936, p.70-71; 73.
8)      Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.14, al, ad 2; a.4.
9)      TUYA, op. cit., p.276.
10)   Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra Revolução. 5.ed. São Paulo: Retornarei, 2002, p.14.

11)    FOURREY, René (Org.). Ce que prêchait le Curé d’Ars. Dijon: Léchelle de Jacob, 2009, p.267-268.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

LITURGIA DO XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - Mt 11, 25-30

COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - Mt 11, 25-30
Naquele tempo, Jesus pôs-Se a dizer: 25 “Eu Te louvo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos
26 Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado.
27 Tudo Me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
28 Vinde a Mim todos vós, que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e Eu vos darei descanso. 29 Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, por que sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. 30 Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 25-30).
A santa alegria os humildes
Como gozar da paz e da alegria nesta Terra, tanto quanto possível, e possuí-las plenamente na eternidade? Entremos na escola de Jesus!
I - JESUS FOI HUMILDE PARA NOS DAR SUA ALEGRIA
A clave da Liturgia do 14° Domingo do Tempo Comum nos é sugerida logo na abertura da Celebração, pela Oração do Dia: “O Deus, que pela humilhação do vosso Filho reerguestes o mundo decaído, enchei vossos filhos e filhas de santa alegria, e dai aos que libertastes da escravidão do pecado o gozo das alegrias eternas”.1
A partir da saída de Adão e Eva do Paraíso, a humanidade foi-se precipitando nos abismos do pecado. Vemos, em seus primórdios, Cairn matar seu irmão Abel (cf. Gn 4, 8) e, mais tarde, corromperem-se os homens sobre a Terra, a ponto de arrepender-Se Deus de tê-los criado (cf. Gn 6, 5-7.11-12). Depois, cheios de arrogância, procuraram desafiar o Todo-Poderoso por meio de seus empreendimentos (cf. Gn 11, 4), e, finalmente, caíram na idolatria vergonhosa, adorando deuses de metal, pedra e madeira (cf. Dt 28, 36; Dn 5, 4; Rm 1, 21-25, Gal 4, 8).
Mas Deus, compadecido de tanta miséria, desce do Céu e assume nossa carne para Se relacionar conosco. Nosso Senhor Jesus Cristo, Unigênito do Pai, Se humiiha e toma sobre Si as nossas iniquidades, com vistas a nos redimir e fazer-nos consortes d’Ele na felicidade eterna, a mesma que Ele goza junto ao Pai e ao Espírito Santo. Ele deseja, porém, que tal felicidade — cuja plenitude só se dará na bem-aventurança eterna — já comece a se realizar agora, conforme pede a mencionada Oração do Dia. Como atingi-la ainda neste mundo, tanto quanto possível?
Um Rei que Se humilia e Se faz pobre
O conjunto das leituras de hoje nos oferece alguma pista, constituindo um marco para o Evangelho. Na primeira (Zc 9,9-10), retirada da profecia de Zacarias, lemos: ‘Assim diz o Senhor: Exulta, cidade de Sião! Rejubila, cidade de Jerusalém. Eis que vem teu Rei ao teu encontro” (9, 9a). Trata-se, de fato, de um Rei, vin do para estabelecer um império autêntico, mas impalpável, por que é, sobretudo, interior: o reino da graça, da participação na vida divina, o qual se difunde por meio da Igreja visível, fundada por Ele, e nos prepara para a glória perene no Reino sempiterno.
“Ele é justo, Ele salva; é humilde e vem montado num jumento, um potro, cria de jumenta” (Zc 9, 9h). Contrariamente aos soberanos da Antiguidade, detentores de imensos poderes e riquezas, este Monarca aparece pobre. Com acuidade profética Zacarias prevê o episódio do Domingo de Ramos, em que o Rei dos reis, Criador e Redentor do universo, o Filho de Deus unido à natureza humana, entraria em Jerusalém montado num jumentinho, aclamado pela multidão. Ele, que merece infinitos louvores, entretanto condescende com essa diminuta demonstração de simpatia, porque — dada a concepção orgulhosa de um Messias temporal, que resolveria todos os problemas políticos e financeiros da nação — se Ele aceitasse homenagens cheias de grandeza e pompa lhes faria mal, confirmando-os naquela deformada crença.
Não era chegada a hora de Se revestir de força e esplendor, como será em sua segunda vinda quando descer do Céu para julgar os vivos e os mortos, e sim o momento de fazer um convite à mudança de vida, através do exemplo de desprendimento das coisas materiais.
A Deus pertencem todas as riquezas
Não pensemos, contudo, segundo certa mentalidade errônea, que nossas manifestações com respeito a Deus e ao seu culto devam ser marcadas pela nota da pobreza e da humilhação, que as igrejas tenham que ser despojadas de qualquer adorno, compostas de taipa, semelhantes a uma cabana, e os tabernáculos para o Santíssimo Sacramento feitos de argila, mais míseros que uma casinha de joão-de-barro.
Ao contrário, nós temos a obrigação de dar a Deus aquilo que Lhe pertence, conforme o mandato de Nosso Senhor: “a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21). 0 que cabe, então, a Deus? o que Lhe precisamos restituir? Todo o ouro da Terra, todas as riquezas, pois Ele disse: “A prata e o ouro Me pertencem” (Ag 2, 8).
A igreja é a casa de Deus e, portanto, ela é de todos, tanto do rico quanto do pobre, tanto do asiático quanto do ocidental, tanto para os de uma raça quanto para os de outra. Ela é também o luxo do pobre, erguida para dar alegria àqueles que não se apegam aos bens deste mundo, aos autênticos pobres, isto é, os de espírito (cf. Mt 5, 3).
Por tais motivos a Liturgia tem de ser majestosa e as igrejas ricas como o é o Céu Empíreo que Deus preparou para nós, para o qual não há termos de comparação nem linguagem humana capaz de exprimir o que nele existe. São Paulo, que foi arrebatado ao terceiro Céu (cf. II Cor 12, 2), São João Bosco,2 que esteve na antecâmara do Céu, e tantos outros, não encontraram palavras para descrever as maravilhas ali contempladas.
A paz da boa consciência
Continua a profecia: Ele “anunciará a paz às nações” (Zc 9, 10). Sim, esse Rei é justo e retribuirá a cada um segundo suas obras, mas seu principal intuito é o de salvar e de conceder a paz. Qual é esta paz? Acaso será a paz dos tratados que os dirigentes dos países assinam, reunidos em torno de uma mesa? Não! Ele traz a paz verdadeira, a da boa consciência de quem pratica a virtude e dá as costas ao pecado. Nós, porém, de índole terrivelmente frágil e inclinada ao mal, como poderíamos alcançar tal paz? Por meio d’Ele que, sendo a própria Bondade e Misericórdia, nos abraça com ternura e paciência apesar de nossas misérias, que nos ampara e regenera, comunicando-nos forças para galgarmos os cimos da perfeição.
É este o aspecto que o Salmo Responsorial procura ressaltar, ao dizer: “Misericórdia e piedade é o Senhor, Ele é amor, é paciência, é compaixão. O Senhor é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura. [...] 0 Senhor é amor fiel em sua palavra, é santidade em toda a obra que Ele faz. Ele sustenta todo aquele que vacila e levanta todo aquele que tombou” (Sl 144, 8-9.l3cd-14).
A perspectiva final nos dá paz e santa alegria
Na segunda leitura (Rm 8, 9.11-13), São Paulo — como apóstolo da Ressurreição — expõe a nota essencial dessa paz, colocando-nos diante da perspectiva da nossa ressurreição, pináculo da felicidade à qual somos convidados: “Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo. E, se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos mora em vós, então Aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais por meio do seu Espírito que mora em vós” (Rm 8, 9.11).
Desde que vivamos na esperança da ressurreição final e evitemos o pecado para não morrer eternamente, conquistaremos a paz e a santa alegria, ainda neste vale de lágrimas. Abandonemo-nos à misericórdia, piedade, amor, paciência, compaixão e ternura do Senhor, confiantes em que no último dia, se tivermos falecido na graça de Deus, nossas almas descerão do Céu ao toque da trombeta (cf. Mt 24, 30-31) para se unirem aos corpos, que assumirão o estado glorioso.

No entanto, a clave descortinada pelas leituras só é apreensível tendo bem claro o ensinamento de Nosso Senhor expresso no Evangelho.
Continua no próximo post.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Evangelho da Solenidade de São Pedro e São Paulo - Mt 16, 13-19 - Ano A

Conclusão dos comentários ao Evangelho – Solenidade de São Pedro e São Paulo
Jurisdição plena, suprema e universal
Se lermos os Atos dos Apóstolos, encontraremos Pedro exercendo esse supremo poder, ao falar em primeiro lugar nas reuniões dos Apóstolos, ao propor o que se deve fazer, inaugurando a missão apostólica, encerrando discussões com sua palavra, etc. E assim se têm perpetuado, ao longo de dois milênios, a jurisdição e o magistério dos Papas.
Todo sucessor de Pedro possui verdadeira jurisdição, pois tem o poder de promulgar leis, julgar e impor penas, de forma direta, em matéria espiritual, e indireta, no campo temporal, sempre que se apresente como necessária para obter bens espirituais. Essa jurisdição é plena: não há poder na Igreja que não resida no Papa. É universal, ou seja, todos os membros da Igreja (fiéis, sacerdotes e bispos) a ele estão submetidos. É, ademais, suprema: o Papa acima de todos, e ninguém acima dele. Até mesmo os Concílios Ecumênicos não podem se realizar sem ser por ele convocados e presididos. Os próprios estatutos conciliares não o obrigam, tendo ele o poder de mudá-los ou de derrogá-los.
Magistério infalível
Outro tanto se pode afirmar sobre uma análoga e grande função de Pedro e de seus sucessores: o supremo Magistério que, como coluna que sustenta a Igreja, não pode equivocarse. O Papa é infalível ao falar ex cathedra, ou seja, enquanto doutor de todos os cristãos, ao definir com autoridade apostólica doutrinas sobre Fé e moral, que devem ser admitidas por toda a Igreja universal. Aí está o motivo pelo qual “as portas do inferno” não poderão se sobrepor a um edifício construído sobre a pedra que é Pedro.
“Doce Cristo na Terra”
“Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na Terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu”.
Cristo retornaria ao Pai, deixando nas mãos de Pedro as chaves de Sua Igreja. “Quem tem o uso legítimo e exclusivo das chaves de uma casa ou de uma cidade, este é o administrador, o intendente supremo que recebeu os poderes de seu senhor. A Igreja é o reino dos Céus neste mundo; a Igreja Triunfante será o reino definitivo e eterno dos Céus, prolongamento desta mesma Igreja da Terra, já purificada de toda impureza. Pedro terá poder de abrir e fechar a entrada nesta Igreja temporal e, conseqüentemente, na eterna” 15.
A cabeça desse corpo místico sempre será Cristo Jesus. Durante a História da humanidade, Ele será o chefe invisível, mas deixa entre nós um Pedro acessível, o “doce Cristo na Terra” — segundo expressão usada por Santa Catarina de Sena —, a quem todos devemos amar como bom pai, obedecer até às suas mais leves insinuações e conselhos, honrar como a um supremo monarca, rei de reis.
III – Nasce uma obra indestrutível
É de pasmar o desenrolar desse acontecimento histórico ocorrido na “região de Cesaréia de Filipe”. Um simples pescador da Betsaida proclama que o filho de um carpinteiro é realmente Filho de Deus, por natureza. Este, em seguida, anuncia que edificará uma obra indestrutível e deixará em mãos de seu administrador, com plenos poderes de jurisdição e magistério, “as chaves do Reino do Céu”. O ambiente que os cerca é pobre, árido mas com certa grandeza. Ali é plantado “o grão de mostarda”, do qual nasceriam as igrejas, as catedrais, as cerimônias, os vitrais, as universidades, os hospitais, os mártires, os confessores, as virgens, os doutores, os santos, enfim, a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana.
Passaram-se dois milênios e, depois de tantas e catastróficas procelas, inabalável continua essa “nau de Pedro”, tendo Cristo, com poder absoluto, em seu centro. Nenhuma outra instituição resistiu à corrupção produzida pelos desvios morais ou pela perversão da razão e do egoísmo humano. Só a Igreja soube enfrentar as teorias caóticas, opondo-lhes a verdade eterna; arrefecer o egoísmo, a violência e a volúpia, utilizando as armas da caridade, justiça e santidade; pervadir e reformar os poderes despóticos e materialistas deste mundo, com a solene e desarmada influência de uma sábia, serena e maternal autoridade. Não podiam mãos meramente humanas erigir tão portentosa obra, só mesmo a virtude do próprio Deus seria capaz de conferir santidade e elevar à glória eterna homens concebidos no pecado.
1 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A Guerra e o Corpo Místico, em “O Legionário”, de 16/4/1944.
2 AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
3 CRISÓSTOMO, São João. Homilia 54 sobre o Evangelho de São Mateos, § 1.
4 MALDONADO, SJ, P. Juan de. Comentario a los cuatro Evangelios. Madri: BAC, 1950, v. I, p. 579.
5 Cf. CRISÓSTOMO. Op. cit. § 1.
6 Cf. CRISÓSTOMO. Idem ibidem.
7 MALDONADO, Op. cit. p. 580.
8 CRISÓSTOMO. Op. Cit. § 3.
9 Ver seu poder de perdoar os pecados, em Mt 9, 6; sua superioridade sobre o Templo, em Mt 12, 6; a suspeita sobre sua messianidade, em Mt 12, 23; etc.
10 HILÁRIO DE POITIERS, Santo, in Evangelium Matthaei Commentarius, c. XVI.
11 Apud AQUINO. Catena Aurea.
12 MALDONADO. Op. cit. p. 584.
13 BUENAVENTURA, San. La perfección evangélica, c. 4 a. 3 concl. in Obras de San Buenaventura. Madri: BAC, 1949, t. 6, p. 309.
14 CIPRIANO, San. De unitate ecclessia, § 4.

15 GOMÁ Y TOMÁS, Dr. D. Isidro. El Evangelio Explicado. Barcelona: Ediciones Acervo, 1967, v. II, p. 38.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Evangelho da Solenidade de São Pedro e São Paulo - Mt 16, 13-19 - Ano A

Continuação dos comentários ao Evangelho – Solenidade de São Pedro e São Paulo

O povo não considerava Jesus como o Messias
Eles responderam: “Uns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas”.
Os Apóstolos tinham exata noção do juízo que os “homens” de então faziam a propósito do Divino Mestre. Apesar de todas as evidências, dos milagres, da doutrina nova dotada de potência, etc., o povo não O considerava como o Messias tão esperado. Jesus surgia aos olhos de todos como a ressurreição ou o reaparecimento de anteriores profetas. Não encontravam nEle a eficaz magnificência do poder político, tão essencial para a realização do mirabolante sonho messiânico que os inebriava. Daí imaginarem-No o Batista ressurrecto, ou Elias, enquanto mais especificamente um precursor, ou até mesmo um Jeremias, lídimo defensor da nação teocrática (cf. 2 Mac 2, 1-12). Vêse claramente neste versículo como o espírito humano é inclinado ao erro e como facilmente se distancia dos verdadeiros prismas da salvação. Mas, pelo menos, aqueles seus contemporâneos ainda discerniam algo de grandioso em Jesus. Seria interessante nos perguntarmos como Ele é visto pela humanidade globalizada, cientificista e relativista de nossos dias.
Pedro O reconhece como Filho de Deus
Perguntou-lhes de novo: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”
Bem sublinha São João Crisóstomo a essência desta segunda pergunta 5. Sem refutar os erros de apreciação dos outros, Jesus quer ouvir dos próprios lábios de seus mais íntimos o juízo que dEle fazem. Para lhes tornar fácil a proclamação de Sua divindade, não usa aqui o título humilde de Filho do Homem.
Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”.
Pedro falava como intérprete da opinião de todos, por ser o mais fervoroso e o principal 6, embora não fosse a primeira vez que Jesus era reconhecido como Filho de Deus. Já Natanael (cf. Jo 1, 49), os Apóstolos após a tempestade no mar de Tiberíades (cf. Mt 14, 33) e o próprio Pedro (cf. Jo 6, 69) haviam externado essa convicção.
Sola fides! Aqui não há elemento algum emocional ou sensível, como em circunstâncias anteriores. Em meio às rochas frias de um ambiente ecológico, longe de acontecimentos arrebatadores e da agitação das turbas ou das ondas, só a voz da Fé se faz ouvir.
Certíssimo argumento é que Pedro chamou a Cristo de Filho de Deus por natureza, quando O contrapôs a João, a Elias, a Jeremias e aos profetas, os quais foram — claro está — filhos de Deus por adoção” 7. Ademais, como comenta o mesmo Maldonado, Pedro dá a Deus o título de “vivo” para distingui-Lo dos deuses pagãos que são substâncias mortas. E, por fim, o artigo — como sói acontecer na língua grega — antecedendo o substantivo “filho”, designa “filho único” segundo a natureza, e não um entre vários.
A ciência humana não tem força para atingir a união hipostática
Jesus disse-lhe em resposta: “És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu”.
Ao felicitar seu Apóstolo, Jesus avalia a afirmação de Pedro a respeito de sua filiação e, portanto, de sua natureza divina e consubstancialidade com o Pai. Sobre este particular são unânimes os comentaristas. Era um costume judaico indicar a filiação da pessoa para ressaltar sua importância; neste caso concreto havia a intenção de manifestar o quanto “Cristo é tão naturalmente o Filho de Deus como Pedro é filho de Jonas, quer dizer, da mesma substância daquele que o engendrou”8.
As palavras de Pedro não são fruto de um raciocínio com base num simples conhecimento experimental. Não haviam sido poucas as curas logo após as quais os beneficiados conferiam com exclamações ao Salvador o título de “Filho de Davi” (cf. Mt 15, 22; Mc 10, 47, etc.), conhecido como um dos indicativos do Messias. Os próprios demônios, ao se encontrarem com Ele, proclamavam-No “o Santo de Deus” (Lc 4, 34), “o Filho de Deus” (Lc 4, 41), “Filho do Altíssimo” (Lc 8, 28; Mc 5, 7). Ele mesmo declarara ser “dono do sábado” (Mt 12, 8), e após a multiplicação dos pães a multidão queria aclamá-Lo “Rei” (Jo 6, 15). Assim como estas, muitas outras passagens poderiam facilmente nos indicar as profundas impressões produzidas por Jesus sobre seus discípulos9. Porém, em nenhuma ocasião anterior Pedro recebeu tal elogio saído dos lábios do Salvador. Nesta passagem, ele “é feliz porque teve o mérito de elevar seu olhar além do que é humano e, sem deter-se no que provinha da carne e do sangue, contemplou o Filho de Deus por um efeito da revelação divina e foi julgado digno de ser o primeiro a reconhecer a Divindade de Cristo”10.
Portanto, a afirmação de Pedro se realizou com base num discernimento penetrante, luzidio e abarcativo da natureza divina do Filho de Deus. A ciência, a genialidade ou qualquer outro dom humano não têm força suficiente para atingir os páramos da união hipostática realizada no Verbo Encarnado. É indispensável ser revelada pelo próprio Deus e aceita pelo homem. Mas o homem sem Fé aferra-se às suas próprias idéias, tradições e estudos, rejeitando, às vezes, as provas mais evidentes, como o são os milagres. Para este, Jesus não passa — e quando muito — de um sábio ou de um profeta. Haverá também aqueles que não O verão senão como “o filho do carpinteiro” (Mt 13, 55).
Essa é a nossa Fé ensinada pela Igreja, revelada pelo próprio Deus, anunciada pelo Filho, o enviado do Pai, e confirmada pelo Espírito Santo, enviado pelo Pai e pelo Filho. As verdades da Fé não são fruto de sistemas filosóficos, nem da elaboração de grandes sábios.
Jesus edifica Sua Igreja sobre Pedro
Também Eu te digo: “Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nada poderão contra ela”.
Foi indispensável e excelente ter afirmado Orígenes inspiradamente: “Nosso Senhor não precisa se é contra a pedra sobre a qual Cristo construiu sua Igreja ou se é contra a própria Igreja, construída sobre a pedra, que as portas do inferno não prevalecerão. Mas é evidente que elas não prevalecerão nem contra a pedra nem contra Igreja”11. Sim, porque para destruir essa pedra, ou seja, o Vigário de Jesus Cristo na Terra, muitos esforços e diligências de um considerável número de hereges têm sido empregados, na tentativa de abalar o sagrado edifício da Igreja a partir de seu fundamento, o qual é a alegria, consolo e triunfo dos verdadeiros católicos. Nesse “edificarei” se encontra o real anúncio do Reino de Jesus. O grande e divino desígnio começa a se delinear nesse nome, até então nunca usado: “minha Igreja”.
O plano de Jesus é proclamado sobre as rochas de Cesaréia, pelo próprio Filho de Deus, que Se apresenta como um divino arquiteto a erigir esse edifício indestrutível, grandioso e santíssimo, a sociedade espiritual, constituída por homens: militante na Terra, padecente no Purgatório, triunfante no Céu. O conjunto de todos aqueles que se unem debaixo da mesma Fé, nesta Terra, chama-se Igreja. Desta, o fundamento é Pedro e todos os seus sucessores, os romanos pontífices, pois, caso contrário, não perduraria a existência do edifício. Eis um ponto vital de nossa Fé: “o fato da Igreja estar edificada sobre o próprio Pedro” que aliás — “é admitido por todos os autores antigos, excepto os hereges”12.
Um só corpo e um só espírito em torno do Sucessor de Pedro
“Há na Igreja muitas pessoas constituídas em autoridade, às quais devemos estar unidos pela obediência. No entanto, toda essa variedade precisa reduzir-se a um prelado primeiro e supremo, em quem principalmente se concentre o principado universal sobre todos. Deve reduzir-se não só a Deus e a Cristo, mas também a Seu vigário; e isto não por estatuto humano, mas por estatuto divino, mediante o qual Cristo constituiu São Pedro príncipe dos Apóstolos, estabelecidos estes, por sua vez, como príncipes na Terra. E Cristo fez isso convenientissimamente, por assim o exigirem a ordem da justiça universal, a unidade da Igreja e a estabilidade, tanto dessa ordem, quanto dessa unidade” 13.
O “Tu es Petrus ...” será aplicado a todos os escolhidos em conclave para se sentarem na Cátedra da Infalibilidade. Assim, morreu Pedro, mas não o Papa; e é em torno dele que a Igreja mantém a sua unidade.
“Fácil é a prova que confirma a Fé e compendia a verdade. O Senhor fala a São Pedro e lhe diz: ‘Eu te digo que tu és Pedro’ (Mt 16, 18). E noutro lugar, depois de Sua ressurreição: ‘Apascenta minhas ovelhas’ (Jo 21, 17). Somente sobre ele edifica Sua Igreja, e o encarrega de apascentar seu rebanho. E embora confira igual poder a todos os Apóstolos e lhes diga: ‘Como meu Pai Me enviou, assim Eu vos envio’ (Jo 20, 21), sem embargo, para manifestar a unidade, estabeleceu uma Cátedra, e com sua autoridade dispôs que a origem dessa unidade se fundamentasse em um. Por certo, todos os Apóstolos eram o mesmo que Pedro, adornados com a mesma participação de honra e poder; mas o princípio dimana da autoridade, e a Pedro foi dado o Primado para demonstrar que uma é a Igreja de Cristo e uma a Cátedra. Todos são pastores, mas há um só rebanho apascentado por todos os Apóstolos de comum acordo [...].
“Pode ter Fé quem não crê nessa unidade da Igreja? Pode pensar que se encontra dentro da Igreja quem se opõe e resiste à Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro, sobre a qual ela está fundada? São Paulo também ensina o mesmo, e manifesta o mistério da unidade, ao dizer: ‘Há um só corpo e um só espírito, como também só uma esperança, a de vossa vocação. Só um Senhor, uma Fé, um batismo, um Deus’ (Ef 4, 4-6)” 14.
Continua no próximo post

domingo, 22 de junho de 2014

Evangelho Solenidade de São Pedro e São Paulo - Mt 16, 13-19 - Ano A

Comentário ao Evangelho – Solenidade de São Pedro e São Paulo
Ao chegar à região de Cesaréia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?” Eles responderam: “Uns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas”. Perguntou-lhes de novo: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”. Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”. Jesus disse-lhe em resposta: “És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na Terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu” (Mt 16, 13-19).
A Pedra Inabalável
Um simples pescador da Betsaida proclama que o filho de um carpinteiro é realmente o Filho de Deus, por natureza. Ali é plantado o grão de mostarda, do qual nasceria a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – Considerações iniciais
Difícil é encontrar alguém que nunca tenha comprovado a consonância da sonoridade obtida através de cristais harmônicos. Basta um simples golpe, em um só deles, para os outros ressoarem em concomitância. É, até, uma prova para se conhecer a autenticidade destas ou daquelas taças.
Assim, também, no campo das almas. Discernimos a que é entranhadamente católica e com facilidade a diferenciamos da tíbia, atéia ou herética, quando fazemos “soar” uma simples nota: o amor ao Papado, seja quem for o Papa. Tornam-se encandescidas as almas fervorosas, indiferentes as tíbias, indispostas algumas, etc.
Pois esta é a matéria do Evangelho de hoje. A fim de nos prepararmos para contemplar as perspectivas que ele nos manifesta, ocorreu-nos reproduzir as considerações transcritas a seguir. Poderemos, assim, ter uma noção da qualidade do “cristal” de nossa alma:
“Tudo quanto na Igreja há de santidade, de autoridade, de virtude sobrenatural, tudo isto, mas absolutamente tudo sem exceção, nem condição, nem restrição, está subordinado, condicionado, dependente da união à Cátedra de São Pedro. As instituições mais sagradas, as obras mais veneráveis, as tradições mais santas, as pessoas mais conspícuas, tudo enfim que mais genuína e altamente possa exprimir o Catolicismo e ornar a Igreja de Deus, tudo isto se torna nulo, maldito, estéril, digno do fogo eterno e da ira de Deus, se separado do Romano Pontífice. Conhecemos a parábola da videira e dos sarmentos. Nessa parábola, a videira é Nosso Senhor, os sarmentos são os fiéis. Mas como Nosso Senhor Se ligou de modo indissolúvel à Cátedra Romana, pode-se dizer com toda segurança que a parábola seria verdadeira entendendo-se a videira como a Santa Sé, e os sarmentos como as várias Dioceses, Paróquias, Ordens Religiosas, instituições particulares, famílias, povos e pessoas que constituem a Igreja e a Cristandade. Isto tudo só será verdadeiramente fecundo na medida em que estiver em íntima, calorosa, incondicional união com a Cátedra de São Pedro.
“‘Incondicional’, dissemos, e com razão. Em moral, não há condicionalismos legítimos. Tudo está subordinado à grande e essencial condição de servir a Deus. Mas, uma vez que o Santo Padre é infalível, a união a seu infalível magistério [só] pode ser incondicional.
“Por isto, é sinal de condição de vigor espiritual, uma extrema susceptibilidade, uma vibratilidade delicadíssima e vivaz dos fiéis por tudo quanto diga respeito à segurança, glória e tranqüilidade do Romano Pontífice. Depois do amor a Deus, é este o mais alto dos amores que a Religião nos ensina. Um e outro amor se confundem até. Quando Santa Joana d’Arc foi interrogada por seus perseguidores que a queriam matar, e que para isto procuravam fazê-la cair em algum erro teológico por meio de perguntas capciosas, ela respondeu: ‘Quanto a Cristo e à Igreja, para mim são uma só coisa’. E nós podemos dizer: ‘Para nós, entre o Papa e Jesus Cristo não há diferença’. Tudo o que diga respeito ao Papa diz respeito direta, íntima, indissoluvelmente, a Jesus Cristo”1.
II – O Evangelho: “Tu es Petrus”
Pergunta de Jesus e circunstância em que foi feita
Ao chegar à região de Cesaréia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?”.
A cidade na qual se desenvolve o Evangelho de hoje havia sido construída pelo tetrarca Filipe que, para angariar a simpatia do imperador César Augusto, deu-lhe o nome de Cesaréia. Desconhece a História o exato percurso empreendido pelo Senhor e pelos Apóstolos àquela altura dos acontecimentos; a hipótese mais provável é a de que tenham atravessado a via de Damasco a Jerusalém, perto da ponte das Filhas de Jacó. O território onde nasce o rio Jordão, compreendido entre Julias e Cesaréia, é rochoso, solitário e acidentado. Foi nessa localidade montanhosa e pétrea que Herodes, o Grande, erigiu um vistoso templo de mármore branco em homenagem ao imperador César Augusto. Calcando as pedras da região, e talvez à vista do tal templo sobre o alto das rochas, foi que se estabeleceu o diálogo durante o qual se tornaram explícitas para os Apóstolos a natureza divina de Jesus e a edificação da Santa Igreja.
Convém não esquecermos o quanto a divina pedagogia de Jesus escolhia os acidentes da natureza sensível para efeito didático, e assim poderem seus ouvintes ter melhor compreensão das realidades invisíveis do universo da Fé. A esse respeito, seriam inúmeros os casos a serem citados, mas basta-nos lembrar o modo pelo qual Ele convocou os dois irmãos pescadores, Pedro e André: “Segui-me e Eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4, 19). Não se trata, portanto, de nos basearmos em razões meramente poéticas para supor que o desenrolar dessa conversa verificou-se sobre as pedras; há por detrás, um elevado teor simbólico. Ali estavam rochas que deviam perpetuar-se, e a contemplação dessas criaturas minerais, fruto de sua onipotência, tornava mais bela a solene profecia da edificação de sua indestrutível Igreja.
Alguns autores ressaltam outro importante aspecto: o fato de Jesus ter escolhido uma região pertencente à gentilidade para manifestar-Se como Filho de Deus e fundar o primado de sua Igreja. Eles interpretam como sendo um prenúncio da rejeição do reino messiânico, pelos judeus, e sua definitiva transferência para os gentios.
“Aconteceu que estando a orar, em particular...” (Lc 9, 18). Conforme nos relata São Lucas, toda a conversa narrada no Evangelho de hoje realizou-se depois de Jesus ter-Se recolhido e deixado “perder-Se”, com suas faculdades humanas, nas infinitudes de seu Pai eterno. Utilizou-Se desse meio infalível de ação, a prece, para conferir raízes e seiva imortais à obra que lançaria.
Segundo a Glosa, “querendo confirmar seus discípulos na Fé, o Salvador começa por afastar de seus espíritos as opiniões e os erros que outros poderiam ter infundido neles” 2; ou seja, convidando-os a terem clara consciência dos equívocos da opinião pública a respeito da identidade dEle, fortificava-lhes as convicções. É curioso o comentário de São João Crisóstomo sobre o caráter “sumamente malicioso” 3 do juízo emitido pelos escribas e fariseus a respeito do Divino Mestre, muito diferente daquele da opinião pública que, apesar de errôneo, não era movido por nenhuma malícia.

Jesus não pergunta o que pensam os outros a respeito dEle, mas sim do Filho do Homem, “a fim de sondar a Fé dos Apóstolos e dar-lhes ocasião de dizer livremente o que sentiam, embora Ele não ultrapassasse os limites daquilo que poderia lhes sugerir sua santa Humanidade” 4. Por todos os conhecimentos que Lhe eram próprios, do divino ao experimental, Jesus sabia quais eram as opiniões que circulavam com relação à Sua figura, não necessitava, portanto, informar-Se; desejava, isto sim, levá-los a proclamar a verdade em contestação aos equívocos da opinião pública.
Continua no próximo post