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sexta-feira, 14 de abril de 2017

Evangelho Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor – Ano A

Comentários ao Evangelho Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor – Ano A
1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. 2
Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde O colocaram”. 3 Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. 4 Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. 5 Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou.
6 Chegou depois Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7 e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. 8 Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. 9 De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos (Jo 20, 1-9).
Uma mulher precedeu os evangelistas
Para comunicar aos Apóstolos a primeira e fundamental verdade do Evangelho, Deus não escolheu um Anjo e nem sequer um homem. Foi Maria Madalena o arauto da Boa-nova da Ressurreição do Senhor.
I – Vitória de Cristo sobre a morte
“Eis o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha afeição…” (Mt 17, 5). Seria suficiente esse amor infinito do Pai pelo Seu Unigênito para que operasse Sua ressurreição, porém, ademais concorreu para tal o brilho da justiça divina, conforme São Tomás de Aquino: “A esta pertence exaltar os que se humilham por causa de Deus, conforme diz Lucas (1, 52): “Destronou os poderosos e exaltou os humildes”. E já que Cristo, por seu amor e obediência a Deus, se humilhou até a morte de cruz, era preciso que Ele fosse exaltado por Deus até a ressurreição gloriosa” 1.
Tomados de adoração, uma vez mais foi-nos possível acompanhar liturgicamente ao longo da Semana da Paixão, o quanto a morte teve uma aparente vitória no Calvário. Todos que por ali passavam podiam constatar a “derrota” de Quem tanto poder havia manifestado não só nas incontáveis curas por Ele operadas, como também em Seu caminhar sobre as águas ou nas duas vezes que multiplicou os pães.

Os mares e os ventos Lhe obedeciam, e até mesmo os demônios eram, por sua determinação, desalojados e expulsos. Aquele mesmo que tantos milagres prodigalizara havia sido crucificado entre dois ladrões e, diante de Seus extremos sofrimentos, “os que passavam O injuriavam, sacudiam a cabeça e diziam: ‘Tu, que destróis o Templo e o reconstróis em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!’ Os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os anciãos também zombavam dEle: ‘Ele salvou a outros e não pode salvar-se a si mesmo! Se é rei de Israel, desça agora da cruz e nós creremos nEle! Confiou em Deus, Deus o livre agora, se o ama, porque Ele disse: Eu sou o Filho de Deus!'” (Mt 27, 39-43).
Porém, a maneira pela qual fora removida a pedra do sepulcro e o desaparecimento dos guardas, eram de si, uma prova sensível do quanto havia sido derrotada a morte, conforme o próprio São Paulo comenta: “A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Cor 15, 55). Os fatos subsequentes tornaram ainda mais patente a triunfante Ressurreição de Cristo e por isso os prefácios da Páscoa cantam sucessivamente: “Morrendo, destruiu a morte, e, ressurgindo, deu-nos a vida” (I). “Nossa morte foi redimida pela sua e na sua ressurreição ressurgiu a vida para todos” (II). “Imolado, já não morre; e, morto, vive eternamente” (III). “E, destruindo a morte, garantiu-nos a vida em plenitude” (IV).
Constituem essas frases uma sequência de afirmações que proclamam a vitória de Cristo não só sobre Sua própria morte, como também sobre a nossa. Ele é a cabeça do Corpo Místico e, tendo ressuscitado, trará necessariamente a nossa respectiva ressurreição, pois esta nos é garantida pela presença dEle no Céu, apesar de estarmos, por ora, submetidos ao império da morte. De maneira paradoxal, aquele sepulcro violentamente aberto a partir de seu interior, deu à morte um significado oposto, passou ela a ser o símbolo da entrada na vida, pois Cristo quis “destruir pela sua morte aquele que tinha o império da morte, isto é, o demônio”, e assim libertar os que “estavam em escravidão toda a vida” (Hb 2, 14).
São Paulo tem sua alma transbordante de alegria em face da realidade da Ressurreição de Cristo e nela encontramos nosso triunfo sobre a morte, tal qual ele próprio nos diz: “E assim como todos morreram em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1 Cor 15, 22); “…ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram! Com efeito, se por um homem veio a morte, por um homem vem a ressurreição dos mortos” (1 Cor 15, 20-21).
Na Ressurreição vemos, ademais, realizada por Jesus, a profecia que Ele mesmo fizera pouco antes de Sua Paixão: “Agora é o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste mundo” (Jo 12, 31). De fato, propriamente dito, o cumprimento dessa profecia se iniciou durante os quarenta dias de retiro no deserto, e teve continuidade passo a passo ao longo de Sua vida pública ao expulsar os demônios que pelo caminho encontrava, chegando ao ápice em Sua Paixão: “Despojou os Principados e Potestades, e fez deles um objeto de escárnio público, levando-os no seu cortejo triunfal” (Cl 2, 15).
Posteriormente, não só o demônio, mas o próprio mundo foi derrotado: inúmeros pagãos passaram a se converter e muitos entregaram a própria vida para defender a cruz, animados pelas luzes da ressurreição do Salvador. Em função dela, passaram a ser acolhidos no Corpo Místico todos os batizados que, revitalizados pela graça e sem deixarem de estar incluídos no mundo, tornaram perpétuo o triunfo de Cristo: “Tende confiança! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33). Trata-se, portanto, de uma vitória ininterrupta, mantendo seu rútilo fulgor tal qual no dia de Sua ressurreição, sem uma fímbria sequer de diminuição. Com a redenção, Cristo lacrou as portas do seio de Abraão depois de ter libertado, de seu interior, as almas que ali aguardavam a entrada no gozo da glória eterna.
“Hæc est dies quam fecit Dominus. Exultemus et lætemur in ea!”
“Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos” (Sl 117, 24)! Essas são algumas considerações que nos facilitam compreender o porquê de ser a Páscoa da Ressurreição a festa das festas, a solenidade das solenidades, pois o mistério nela presente é dos mais importantes para a história da Cristandade, tal como afirma São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” (1 Cor 15, 14).
Por este motivo, nos primórdios da Igreja, esse período era considerado o mais importante do ano inteiro. Os fiéis se apinhavam na Basílica de São João de Latrão para assistir às cerimônias e muito comum era, entre eles, o cumprimento com a fórmula do “Aleluia!”. Hoje em dia, com o progressivo desbotamento das majestosas comemorações que marcaram os séculos, infelizmente deteriorou- se o sabor da grande importância das solenidades pascais.
A alegria que será a nota dominante dessa celebração far-se-á presente nos cânticos, nos paramentos, no incenso e na própria liturgia. Se bem sejam todos os Domingos do ano dedicados ao Senhor, desde as mais antigas eras a Igreja celebrou com especial júbilo este da Ressurreição; e tal é seu gáudio que sempre o fez prolongar por cinqüenta dias consecutivos, conforme comentava Tertuliano: “Somai todas as solenidades dos gentios, e não chegareis aos nossos cinqüenta dias da Páscoa” 3.
Ademais, podemos afirmar ser a Ressurreição a festa de nossa esperança, pelo fato de nela encontrarmos não só o extraordinário triunfo de Cristo, como também o nosso próprio, pois se Ele ressurgiu dos mortos, o mesmo se passará conosco. E é em vista desse futuro triunfo nosso que desde já nos é feito o convite para abandonarmos os apegos a este mundo, sem olhar para trás, fixando nossa atenção nos absolutos celestes, conforme nos aconselha o Apóstolo com estas palavras selecionadas para a liturgia deste Domingo, em sua segunda leitura: “Se, portanto, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da terra. Porque estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer, então também vós aparecereis com Ele na glória” (Col 3, 1-4).
O depósito de fé que nos foi deixado por Jesus e pelos apóstolos sobre este fundamental acontecimento escatológico é corroborado por estas palavras de São Tomás de Aquino: “Ao ver ressuscitar Cristo, que é nossa cabeça, esperamos que também ressuscitaremos nós. Assim é como se diz: ‘Se de Cristo se prega que ressuscitou dos mortos, como entre vós dizem alguns que não há ressurreição dos mortos?’ (1 Cor, 15, 12)” 4. E aí está mais uma maravilha a promover a exultação de nosso instinto de conservação. Esse instinto terá sua plena realização no fim dos tempos, proporcionando- nos verdadeira e eterna felicidade, garantida pelo próprio Cristo Ressurrecto.
II – “Deus O ressuscitou ao terceiro dia, permitindo que aparecess e a nós…
 Maria Madalena: a que mais ferventemente amava o Senhor
1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo.
Para o amor, nada é impossível, disse Santa Teresinha do Menino Jesus. Maria Madalena vivia inebriada de amor a Jesus e por isso não podia conter-se de desejo de adorar e perfumar Seu sagrado corpo. Despertou- se de madrugada e servindo-se da luminosidade prateada do luar, dirigiu- se ao Santo Sepulcro: “Não cabe dúvida de que Maria Madalena era a que mais ferventemente amava o Senhor entre todas as mulheres que O haviam amado; assim, não é sem motivo que São João faz menção somente a ela, sem nomear as outras que com ela foram, como asseguram os outros Evangelistas” 6.
São João, além de ter escrito este relato bem depois dos outros Evangelistas, deve ser o mais objetivo ao afirmar que o Sol não havia raiado ainda. A esse respeito, vários são os comentários como, por exemplo, o de São Gregório: “Com razão se diz: ‘Sendo ainda escuro’, porque, com efeito, Maria buscava no sepulcro o Criador do universo, que ela amava, e, não O tendo encontrado, imaginou que O haviam roubado; e por conseguinte encontrou trevas quando chegou ao sepulcro” 7.
Belo exemplo para nós. Madalena buscava o adorável corpo de Jesus jazido no sepulcro, a nós foi concedida a imensa graça de recebê-Lo vivo e em Seu estado de glória. Será que nós possuímos a mesma e empenhada solicitude e devoção em buscar Jesus na Eucaristia, logo ao acordarmos?
São Mateus narra com mais detalhes os antecedentes dessa chegada de Madalena ao túmulo do Senhor, fazendo menção ao terremoto devido à descida de um anjo, no fulgor de um relâmpago, para remover a pedra, e ao consequente desmaio dos guardas, de puro terror (cf. Mt 28, 2-4).
Arauto da boa nova da Ressurreição
2 Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde O colocaram”.
 “Pedro e João representam a autoridade e o amor, a força do governo e da caridade. Madalena vai a Pedro e João, na angústia que dela se havia apoderado à vista do sepulcro aberto, para buscar direção e sustento. É uma mulher amantíssima do Senhor, mas se reconhece incapaz de julgar e decidir nesse assunto gravíssimo que seus próprios olhos lhe trouxeram ao espírito. Por isso busca a luz do conselho e o amparo da caridade. Em nossas dúvidas, sobretudo no que diz respeito aos assuntos da fé, recorramos aos ofícios daqueles que dela são os custódios natos, e que por sua hierarquia serão nossos guias, e com amorosa solicitude sustentarão nosso espírito” 8.
Por uma determinação divina, a pregação do evangelho desde seu nascedouro compete aos homens. Entretanto, a História registra algumas poucas, mas comovedoras, exceções como essa contida no presente versículo. Trata-se da primeira e fundamental verdade do evangelho; para comunicá-la aos apóstolos, Deus não escolhe um anjo e nem sequer um homem. É a Madalena que será o arauto da boa nova da ressurreição do Senhor. Logo em seguida, repetir-se-á essa evangelização através de outras santas mulheres.
Com muita propriedade afirma Santo Agostinho: “Ama et quod vis fac” (Ama, e faze o que quiseres). Nesse ato de “imprudência”, ao irem ao sepulcro do Senhor – ainda de madrugada, sem se preocupar com os guardas, nem com a laje a ser removida, não considerando que se trata de uma ação contra a lei civil e contra, até, a própria lei natural – essas mulheres estão cumprindo um outro preceito: um mandamento do amor, ou seja, na prática realizam já as palavras deixadas por Cristo. Nelas, tudo se perdoa pelo fato de agirem por puro amor. O amor próprio está ausente das almas delas. Ao deparar Deus com o verdadeiro amor a Jesus Cristo, Seu Unigênito, Ele próprio toma sobre Si o encargo de limpar as manchas tão comuns às ações executadas pela natureza humana decaída, transformando- as de imperfeitas e imprudentes em obras de santa e meritória ousadia.
Por isso, São João, ao narrar este acontecimento, “não privou a mulher desta glória, nem achou indecoroso que [os dois apóstolos] recebessem por intermédio dela a primeira notícia. Por sua palavra, vão eles com muita solicitude para reconhecer o sepulcro” 9.
Madalena pronuncia sua informação fazendo uso do verbo no plural: “… e não sabemos …”, fato este demonstrativo do quanto a descrição se harmoniza com as dos outros evangelistas, pois São João procura completar o relato feito por eles. Madalena, portanto, estava acompanhada pelas outras santas mulheres.
Chegada de São Pedro e São João
3 Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo.
Os dois apóstolos vêem-se na contingência de certificar-se de um acontecimento tão dramático e inusitado. Segundo São Gregório, Pedro e João simbolizam, sob o ponto de vista místico, a Santa Igreja e a Sinagoga respectivamente.
4 Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo.
Com seu ardor sem medidas, Madalena contagiou os apóstolos, e eles, se associando nos mesmos sentimentos de amor, temor e esperança, partem cheios de ânimo. Ambos corriam, mas “o outro discípulo” chegou com antecedência.
5 Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou.
É digno de nota o quanto são correlatas e coesas as virtudes que tão claramente deixa transparecer esse episódio. Seria explicável que, diante de tão grande acontecimento, São João penetrasse, ato contínuo à sua chegada, no interior do túmulo para analisar a situação. A curiosidade deveria ser incontrolável. Isso não aconteceu. Por espírito de obediência, respeito e veneração, mantevese à porta e de seus umbrais, observou à distância a disposição das coisas. A virgindade conservada por virtude leva quem a possui a amar a hierarquia, a disciplina e a ordem. Nesta ocorrência, encontramos o dilúculo de uma alcandorada aurora da submissão de toda a Cristandade à mais alta autoridade erigida por Cristo, na terra: o Santo Padre, o Papa.
6 Chegou depois Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7 e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte.
Essas faixas eram o lençol e as faixas utilizadas para envolver o sagrado corpo do Salvador depois de retirado da cruz. O sudário cobria Sua cabeça e mais especialmente a face, que nele certamente ficou impressa. Tudo leva a crer que os anjos devem ter manifestado particular devoção a esse lençol que passaria para a História com o nome de Santo Sudário, daí terem-no dobrado com cuidado, colocando-o à parte.
São muito curiosas e dignas de serem apreciadas as considerações feitas por São Gregório Magno sobre o relato de São João contido nestes versículos:
“Esta descrição tão detalhada do Evangelista não carece de mistério. São João, o mais jovem dos dois, representa a sinagoga judaica, e Pedro, o mais velho, a Igreja universal. Embora a sinagoga dos judeus seja anterior no culto divino, a multidão dos gentios precede no uso do século a sinagoga dos judeus. Correram ambas juntamente, porque desde seu nascimento até seu ocaso, se bem que em sentidos diferentes, correm juntas. A sinagoga chegou primeiro ao monumento, mas não entrou; porque, apesar de haver entendido os mandatos da Lei sobre as profecias da Encarnação e Paixão e morte do Senhor, não quis crer. Chegou depois Simão Pedro e entrou no sepulcro, porque a Igreja das nações, que seguiu a última, acreditou em Cristo morto em sua humanidade e vivo em sua divindade. O sudário, pois, da cabeça do Senhor, não foi encontrado com os lençóis, porque Deus é a cabeça de Cristo, e os mistérios de sua divindade são incompreensíveis à fraqueza de nossa inteligência e superiores às faculdades da natureza humana. Diz-se que o sudário foi encontrado não só separado, mas envolto, porque o lenço que serve de envoltura à cabeça divina demonstra sua grandeza, que não tem princípio nem fim. Esta é, pois, a razão pela qual foi encontrado isolado em outro lugar, porque Deus não se encontra entre as almas que estão divididas, e só merecem receber sua graça as que não vivem separadas pelo escândalo das seitas. Mas como o lenço que cobre a cabeça dos operários serve para enxugar o suor, pode-se entender com o nome de sudário a obra de Deus que, mesmo permanecendo tranqüilo e imutável em Si mesmo, manifesta que sofre e trabalha na dura perversidade dos homens. O sudário que estivera sobre sua cabeça, e foi encontrado à parte, demonstra que a Paixão de nosso Redentor é muito diferente da nossa, porque Ele a padeceu sem culpa, e nós por nossos pecados; Ele Se entregou a ela voluntariamente, e nós a sofremos contra nossa vontade. Depois de ter entrado Pedro, entrou João, porque no fim do mundo a Judéia entrará também na fé do Salvador” 10.
Provas da Ressurreição
Pelo que se via, Madalena tinha sido objetiva em sua espetacular mensagem. Porém, teria ela razão em levantar a hipótese de um roubo do sagrado corpo do Senhor? Qual seria, neste caso, o objetivo dos ladrões? Como teriam dominado os guardas? Quem haveria executado tal crime? E se realmente isto se passara, por que tirar os lençóis, as ataduras e o sudário? Ademais, qual o motivo de dobrar cuidadosamente esses tecidos? A constatação desses pormenores todos seria suficiente para eles concluírem a maravilhosa Ressurreição do Senhor, tal qual Ele mesmo a profetizara, ou seja, no terceiro dia.
São João Crisóstomo não duvida em sublinhar: “Isto era prova de ressurreição, porque se alguém o tivesse levado não teria desnudado seu corpo; e se o houvessem roubado, os ladrões não teriam o cuidado de tirar e envolver o sudário, colocando-o em um lugar diferente dos lenços, mas teriam levado o corpo como se encontrava. São João já dissera que, ao sepultá-lo, o haviam ungido com mirra, a qual cola os lenços ao corpo; e não creias nos que dizem que foi roubado, pois o ladrão não seria tão insensato ocupando- se tanto de coisa tão inútil” 11.
Apesar de hoje vermos com tanta evidência a lógica dessas minúcias todas, na ocasião, as testemunhas não fizeram a menor reflexão e nem sequer se lembraram das profecias feitas pelo Divino Mestre a esse propósito.
Essa foi a reação da natureza humana antes de Pentecostes…
8 Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou.
Divergem os autores quanto à interpretação do objeto da crença de João. Alguns julgam ter ele considerado suficientes as provas para crer na ressurreição do Senhor. Assim o faz, por exemplo, Teófilo ao comentar: “Admira em Pedro a prontidão da vida ativa, e em João a contemplação humilde e prática das coisas divinas. Com freqüência, os contemplativos chegam pela humildade ao conhecimento das coisas divinas; mas os ativos, guiados por sua fervorosa assiduidade, chegam primeiro ao ápice deste conhecimento” 12.
Porém, outros são do parecer de que João acreditou no que lhes dissera a Madalena, ou seja, que o Sagrado Corpo de Jesus havia sido roubado, e nada mais. A ida ao sepulcro teria sido útil em extremo para confirmá-los nessa idéia, o que certamente lhe confirmou também nas apreensões.
9 De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos.
Para tirarmos todo o proveito deste versículo, ouçamos os comentários de D. Isidro Gomá y Tomás: “A Sagrada Escritura é como uma carta de Deus dirigida aos homens; mas estes não podem interpretá-la por si sós: precisam ser conduzidos pela Igreja, que é a intérprete nata e autorizada das divinas Escrituras, e tem para isso a luz e a assistência do Espírito Santo. Por isso, diz Lucas (24, 45), que Jesus, antes de subir aos Céus, ‘abriu a inteligência de Seus apóstolos para que compreendessem as Escrituras’. Não tenhamos, pois, a presunção de ler estas deleitáveis cartas de Deus sem o sentido de Deus e sem a união com os que têm a autoridade de Deus para interpretá-las. Seria condenar-nos à ignorância, quiçá a erros grosseiros sobre seu conteúdo. Este é o segredo das quedas daqueles que interpretam as Escrituras fora da Igreja Católica” 1
III – A primeiríssima aparição
Os evangelhos silenciam sobre a primeiríssima e mais importante aparição de Jesus logo após Sua ressurreição, talvez pela discrição habitual em tantas outras passagens. Não seria demais imaginar que, na Sua ilimitada humildade, a Santíssima Virgem tivesse dado aos evangelistas instruções bem precisas a esse respeito.
Há um princípio geral em Mariologia que reserva à Mãe de Deus o privilégio de ter Ela recebido no mais alto grau todos os dons e benefícios conferidos aos santos e que Lhe sejam convenientes. Ora, não teria sentido o Salvador aparecer aos apóstolos, discípulos e santas mulheres, sem ter dado a primazia à Santíssima Virgem.
Bem podemos conceber a grandeza daquele encontro entre a Mãe e o Filho ressuscitado… Que Ela interceda por nossa ressurreição em estado glorioso.

O inédito sobre os Evangelhos vol I

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